“A arte é liberdade. É também cura”, Simone Spencer no AME 2025

April 9, 2025

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No segundo dia do Atlantic Music Expo 2025, a artista visual cabo-verdiana Simone Spencer partilhou com a BANTUMEN a sua visão sobre a arte como território de liberdade, cura e construção identitária.


Com uma linguagem próxima e poética, Simone apresenta-se com a mesma autenticidade que define a sua obra plástica: multiforme, crítica e profundamente conectada com a sua vivência enquanto mulher negra e cabo-verdiana. “O que me importa é abrir espaços de diálogo para a cura, porque isso é que é arte. A arte é algo que nos move. É algo que nos dá espaço seguro para falar sobre coisas que precisamos.”


Simone falou da sua trajetória, desde os primeiros passos no design arquitetónico, passando pelos estudos de língua e literatura chinesa, até ao seu regresso a Cabo Verde, onde viria a afirmar-se como uma voz emergente das artes visuais do arquipélago. Hoje, divide-se entre a pintura mural, a escultura, a pintura digital e a curadoria de projetos que unem arte e transformação social. “Quando me perguntam o que é que eu faço como artista, eu digo sempre: faço o que quero. Porque isso é que é arte. Arte é ter liberdade.”


Com algumas das suas obras expostas no Palácio da Cultura ildo Lobo, no âmbito do AME 2025, Simone destacou duas em particular: Bonança e Tempestade. São inspiradas na figura histórica de Lady Sarah Forbes Bonetta, uma princesa africana adotada pela Rainha Vitória de Inglaterra e criada na corte britânica, longe das suas raízes. “A história dela comoveu-me muito porque ela era visivelmente africana, negra, mas todas as fotos são nas cortes europeias, vestida de forma europeia. E isso lembra muito a nossa vivência cabo-verdiana: somos africanos, mas a nossa cultura, os nossos hábitos, a nossa maneira de vestir são muito europeus.”


As duas obras representam, segundo a artista, essa dualidade: de um lado, a tempestade da construção identitária num território mestiço e pós-colonial; do outro, a bonança do autoconhecimento e da reconexão com a ancestralidade. “Bonança é o sentimento de sabermos quem somos, de estarmos com os pés fincados no chão.”


Ser artista é assumir a responsabilidade de representar, de provocar e de curar

Simone Spencer



Simone também falou sobre a sua experiência internacional, que inclui passagens pela Àsìkò Art School, pela Louisiana State University como bolseira do programa Mandela Washington Fellowship, e pela representação de Cabo Verde no festival Surajkund Mela, na Índia. Em paralelo, tem desenvolvido o festival TAWI Fest - The Artist’s Way Initiative, dedicado à arte urbana como ferramenta de impacto social e cultural. “Eu gosto muito de falar sobre temas que nos interessam. A arte é também uma forma de partilhar conhecimento, de tocar nas feridas, de criar pontes entre o que fomos e o que podemos ser.”


A sua empresa, Lentilhas Lda, tem servido como plataforma para produção audiovisual de conteúdos ligados às artes e à memória, contribuindo para a documentação e promoção do património imaterial cabo-verdiano. É também a valorização da criação como direito, à proteção do que é produzido culturalmente e ao reconhecimento da arte como um espaço de reconstrução pessoal e coletiva. “Ser artista é ter liberdade, sim. Mas é também assumir a responsabilidade de representar, de provocar e de curar. E isso começa por reconhecer que a nossa história, as nossas dores e a nossa beleza também são propriedade intelectual.”

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