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Repórter do Fantástico, programa semanal da TV Globo, Tábata Poline entra na casa de milhões de telespectadores todos os domingos com pouca cerimônia e muita sensibilidade. Suas reportagens descortinam o “Brasil das quebradas”, cenário da história da própria jornalista que nasceu e cresceu na periferia de Belo Horizonte, em Minas Gerais, Brasil.
A primeira casa que morou tinha apenas dois cômodos. Faltava muita coisa, menos o mais importante: amor e educação. Foi criada por uma família grande, de mulheres fortes que a inspiraram, além de seu pai, o repórter cinematográfico Saulo Luiz que sempre fez questão de dizer que ela não era uma menina morena, e sim, negra. Ele dizia também que seu caminho seria mais difícil, mas que ela era feita de aço. Todos a ensinaram sobre fé, honestidade, trabalho ético, lealdade, parceria familiar, perseverança e sorriso. Hoje, ela é uma voz potente na imprensa brasileira.
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“Quando minha avó Maria se ajoelhava de madrugada para orar pela família e amigos, ela estava me ensinando sobre caridade e benevolência. Quando minha avó Lena construiu a casa própria nos braços, aqueles braços branquelos e magrinhos, ela me ensinou sobre força e perseverança. Quando minha mãe lutou e luta contra fantasmas do passado que a deixaram cheia de marcas, ela me ensina sobre escolhas e cura pelo amor. Quando meu pai se forma, quase junto comigo, na faculdade, ele me ensina que sonhar é preciso e que é sempre tempo de conquistar o que se deseja. Quando minha tia Lila me escondia debaixo de suas asas enquanto meus pais, ainda jovens e sem juízo brigavam, eu aprendi sobre segurança e esteio. Quando minha tia Mariza, mesmo criando os filhos sozinha, se arrumava inteira antes de começar o dia de cuidados com a casa e os trabalhos paralelos, ela me ensinava sobre honra e autoestima. Quando Lili penteava meus cabelos e me dizia que eu era seu tesouro, ela me ensinou sobre afeto. Quando a Sisi me levava em todos os cultos e reuniões da igreja, ela me ensinava sobre cuidado e coletividade”, contou Tábata Poline.
Aprendeu desde cedo que “filho de pobre tem que estudar”. Tornou-se jornalista da maior empresa de comunicação da América Latina e especialista em Direitos Humanos, Responsabilidade Social e Cidadania Global. “Mas antes do caminho da educação se apresentar como alternativa, o amor dos pais, avós e tias-avós me salvaram de muita coisa ruim”. Ainda criança, na escola, assumiu o posto de cuidadora da biblioteca da escola. “Ali, no meio daqueles livros, eu comecei a sonhar. Sempre fui comunicativa, gostava de ler e escrever. Uma professora despertou em mim o desejo de ser jornalista”, ela lembrou.
Carregando o dom da comunicação, conseguiu se formar na profissão sonhada desde criança e carrega consigo uma missão: conseguir se comunicar com seus semelhantes. “Sempre que conto uma história eu penso em fazer de uma forma que a minha avó entenda e ainda conte para suas amigas. A informação tem que chegar em todos e ser corretamente entendida”, afirmou ela.
O olhar atento e contundente da repórter, e suas reportagens provocativas, foram reconhecidos pelo Prêmio Vladmir Herzog de Direitos Humanos, uma das mais importantes premiações do jornalismo brasileiro.
"Algumas vitórias só fazem sentido se forem coletivas"
Tábata Poline
“Se foi difícil chegar até aqui? Foi muito! Tudo é infinitamente mais difícil para quem nasce preto, favelado e pobre. Mas eu não coloquei nenhum caminho alternativo para mim. Talvez, se eu não tivesse conquistado o sonho de ser jornalista e de berrar o que eu acredito ser urgente, eu teria caído num mar de frustração. Eu nunca entendi que não iria conseguir. Sabia que poderia não dar certo, mas me apeguei ao fato de que precisava dar um sentido para minha vida, ou talvez cumprir o propósito que Deus e os orixás têm para mim. Eu consegui não ser uma estatística ruim. Me orgulho disso. Mas isso não me completa, entende. Porque algumas vitórias só fazem sentido se forem coletivas. Talvez minha completude só chegue quando eu ver que as coisas se tornaram mais justas. Não foi fácil e segue sendo difícil!”, desabafou a jornalista.
Embora o caminho não seja fácil, ele é cheio de conquistas. E uma delas, da qual Tábata muito se orgulha, foi conseguir colocar no ar, na TV Globo, o programa Rolê nas Gerais - que conta histórias de vida de quem vive na periferia e aglomerados da capital onde nasceu. “Ainda pretendo viver muitas conquistas na minha carreira, mas talvez nada me deixe tão feliz quanto ter deixado esse legado para minha cidade. O legado de ter pessoas incríveis sendo vistas, ouvidas e respeitadas’, contou. Outra grande conquista que ela cita foi se tornar repórter do Fantástico - programa nacional com reportagens especiais e repórteres renomados. “Era um sonho. Batalhei por ele e deu certo. Às vezes ainda fico sem acreditar que faço parte”, confessou.
Os desafios, para ela, são muitos. Dentre eles, ela trouxe o racismo e a misoginia. Sim, ainda precisamos lutar e combater diariamente ambas as causas. Mesmo tendo clareza dos desafios, ela não esconde seus desejos. “Quero muito ser uma documentarista. Alguns assuntos não são tratados com a profundidade que merecem e acredito que os documentários cumprem esse papel. É o gênero que mais me encanta e quero aprender sobre. Também desejo que, daqui a alguns anos, as pessoas reconheçam meu nome como alguém tem feito um trabalho legal, de transformação e inspiração para as pessoas: ‘Sim, Tábata, você já está fazendo isso!’”.
Sobre referências que foi acumulando, a jornalista indica algumas: “Eu levo grandes mulheres pretas como referência de vida. Uma delas é Mametu Muiandê, mãe Efigênia, matriarca da comunidade quilombola Manzo Ngunzo Kaiango. Ela é uma liderança de matriz africana que luta por toda uma vida para manter as nossas raízes firmes e respeitadas. Admiro profundamente, também, dona Conceição Evaristo. A escrevivência dela me abraça, me acolhe, me inunda. E saber da caminhada que ela percorreu para, hoje, ser uma referência nacional, me deixa extremamente orgulhosa”, celebrou.
Em suas reportagens, Tábata fomenta discussões sociais e raciais. Ela diz que sua pretensão é ser ponte para que as pessoas consigam falar por si. “Em cada assunto que trago, tento que as próprias pessoas, donas das histórias e do saber, falem por si. Esse na verdade é meu maior orgulho em ser contadora de histórias. Porque o que vemos é que sempre falam por nós, se apropriam das nossas conquistas, da nossa dor, da nossa existência e transmitem o que desejam. Quando assumimos o protagonismo da nossa própria história e podemos ecoar tudo isso em rede nacional, em televisão aberta, estamos reescrevendo nossa trajetória e, consequentemente, a trajetória dos nossos. Eu não sei sobre tudo, não vivi tudo, não concentro todas as camadas que atravessam pessoas que pertencem aos grupos de minorias. Por isso, quero que elas berrem o que sentem e desejam do mundo. Assim, eu também consigo desaguar minhas dores e revoltas particulares”, declarou.
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Ela acredita que tem o papel de sugerir pautas e fazer denúncias que avancem na temática racial. “Sou uma estudiosa e uma ouvinte atenta sobre tudo que envolve a temática de raça. E me esforço muito para que meu trabalho seja um braço potente na luta antirracista, afinal, trabalho na maior empresa de comunicação da América Latina. Quando pautamos raça na perspectiva certa, em televisão aberta, avançamos. Porque informação correta traz transformação. Eu lido com isso com extrema responsabilidade e ética, porque assim como narrativas deturpadas colaboram com o nosso extermínio, as narrativas certas mudam rotas. Vejo isso na prática quando pessoas me abordam para contar como o trabalho que fazemos as impulsiona”, comemorou.
Tábata inspira o público com histórias de brasileiros que lutam por seus sonhos e projetos sob condições adversas. Para encerrar a entrevista, ela fala sobre persistência. “Todos somos carregados por dores profundas e que precisam ser curadas. Mas, também carregamos uma força ancestral riquíssima de saber, intelecto, cultura e força. E é nisso que precisamos nos apegar, para que a gente consiga transbordar para o mundo a potência que somos. Se apoiem em quem soma na caminhada. Insistam! Realizem! Porque quando a gente se movimenta, o coletivo anda junto”, finalizou.
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