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YA SIN é uma afirmação enfática — o "sim" de autenticidade, o "sim" de disposição para agir pela arte. O artista emergente cabo-verdiano, nascido em São Vicente e criado nos subúrbios da Amadora, Portugal, apresentou-nos em maio o seu primeiro álbum, Underneath D’Garmentz. Desde o primeiro single, Work It, até ao lançamento do álbum, foram cerca de três anos de trabalho árduo, desenvolvimento e, essencialmente, "aceitação" — como o próprio referiu na entrevista que podes ler mais abaixo.
O artista vai apresentar pela primeira vez o álbum em Cabo Verde, na sua ilha natal, com um concerto no Centro Cultural do Mindelo, no dia 30 de novembro, acompanhado por uma banda. Além disso, terá uma instalação alusiva ao seu trabalho no Bombu Mininu, um espaço de arte, cultura e gastronomia das ilhas, que acolhe artistas e outras personalidades para partilhar talento e saberes. A instalação incluirá peças de vestuário criadas por YA SIN enquanto designer de moda, originalmente concebidas para o design de palco, e que se tornaram obras de arte autênticas, prolongando a expressão e o conceito do álbum.
YA SIN é profundo e cativante; sincero na exposição das suas experiências pessoais e abordagens, e inovador no que traz à música. A sua voz revela uma vulnerabilidade única, e a escrita — com letras de sua autoria — segue caminhos livres, com ou sem rimas, variando ritmos e vibes. O seu trabalho posiciona-se num lugar distinto e promissor, especialmente no contexto da música cabo-verdiana. Como artista da sua terra, YA SIN — o seu nome de registo e também o primeiro nome da ilha criola — afirma-se inspirado por grandes referências, destacando "o nosso Nelson Freitas", como referiu.
Após ter passado pelas FNAC Sessions, onde foi destacado como artista emergente, e ter se apresentado com a banda LUV CORE no Tokyo Lisboa, YA SIN continua a ganhar espaço. Em Portugal, vais poder vê-lo ao vivo no Festival Emergente, em Lisboa, no próximo dia 27 de dezembro.
Underneath D’Garmentz é um patchwork sonoro, uma tapeçaria eclética que reflecte as diversas influências e inspirações que compõem a identidade artística de YA SIN, também um talentoso designer de moda. A capa do álbum, um coração remendado, é uma peça de arte visual criada em colaboração com Marcelo Marques, designer e fundador da marca Dandy Block, com quem a Bantumen tem parcerias e colecções. O álbum é composto por 11 faixas, com produções de Ga7o, Gemiinyy, Guzzo, Nelsoniq, Tayob J. e Ysia Nay, e foi gravado e misturado nos estúdios Noiz, NBNC-Bela Vista e TchadaElektro. As canções DKWIIZ e KRESOBOLOVE contam com as participações de Cley Rossana e Stella, respectivamente.
Disponível em plataformas digitais (Spotify, YouTube), YA SIN transporta-nos para um universo musical que atravessa Neo Soul, R&B, Cabozouk, Reggae e Afrobeats, mas também deixa espaço para a Morna — subtilmente presente em algumas canções. Se há um estilo que define YA SIN, é a honestidade.
“Quis abraçar a minha liberdade e fazer este álbum da forma que me fizesse mais sentido, e não como outros poderiam achar”
YA SIN
Obrigada, YA SIN. E obrigada por tudo o que enviaste relativo ao álbum. Para além de notar uma grande evolução desde a nossa primeira entrevista em 2021, agradeço-te pelas letras das músicas. Considero essencial, porque a forma como reagimos, compreendemos e reflectimos sobre as letras pode ser diferente quando as lemos em silêncio ou quando as ouvimos acompanhadas por um instrumental. Aprecio a mescla de vibes e estilos, e sinto também a presença da Morna, apesar de não ser um estilo anunciado. Na canção Kolmi, por exemplo, sinto essa profundidade. Fala-nos sobre o que se trata e sobre a linha “o coração na manga e o copo na mão”.
Essa canção… Primeiro, sempre quis ser um artista honesto, como os artistas que admiro e com os quais cresci. Honestidade ao ponto de não se importarem tanto com o que as pessoas pensam, mas de serem verdadeiros na sua música, expondo partes menos bonitas das suas personalidades ou das suas vidas. Quando fiz essa música, senti uma necessidade real de expor uma parte da minha vida que talvez não abordo no dia a dia. Esse som foi, para mim, muito terapêutico. Colocar essa informação cá fora e escrever essa música permitiu-me também curar-me de certos aspectos que menciono na letra. Ajudou-me a avançar sobre questões que estavam, de certa forma, a atrasar o meu desenvolvimento pessoal.
Eu falo de depressão nessa música… Há uma parte em que digo: “Que como medicação eu tenho evitado”, onde abordo também a adição e a dependência emocional. Estes são pontos sobre mim que não são fáceis de ouvir numa música, mas que, para mim, precisavam de ser colocados para fora. Não só para mim, mas também porque talvez haja outro jovem a passar por algo semelhante, e ouvir essa música pode fazê-lo pensar: “Ok, isto não é assim tão pessoal, afinal”. Somos muitos a passar por isto.
Quanto à linha “o coração na manga e o copo na mão”, o coração na manga refere-se a alguém que é muito sentimental, que diz tudo o que sente e que, se algo o magoar, irá expressá-lo imediatamente, como se tivesse o coração à flor da pele. Agora, essa pessoa, com um copo na mão, pode ser uma receita para o desastre. Ou nem sempre — depende do conteúdo do copo (risos).
Ainda na mesma canção, dizes: “I’m surrounded but I’m lonely” (estou rodeado, mas estou sozinho). Achas que é um sentimento comum, sobretudo nas grandes cidades?
Definitivamente. Acho que muita gente se sente assim, principalmente na era em que vivemos, marcada pelo individualismo. As pessoas já não se reúnem tanto em comunidade, e o senso de pertença perdeu-se. Vamos a muitos lugares cheios de gente, mas é muito fácil sentirmo-nos sozinhos. A sociedade incentiva-nos a este individualismo. Tens o telemóvel na mão; se estás num lugar e tens de esperar 10 minutos, pegas no telemóvel, em vez de tentares conhecer ou conversar com alguém. Quando escrevi essa música, era exatamente esse o meu sentimento — um que já carregava há muito tempo. Sempre fui muito independente, mas também sempre um pouco solitário em certas fases da minha vida. Essa sensação vem muito da minha experiência pessoal, especialmente na adolescência.
Fala-nos sobre a construção deste álbum, este patchwork que tão bem funde Moda e Música. Desde a Dandy Block, o teu “habitat”, ao single Work It e aos novos criativos que te acompanharam, o que mudou ou aconteceu entre 2021 e 2024? Por que decidiste mudar o título do álbum de August Rush para Underneath D’Garmentz?
A maior mudança foi a aceitação. Em 2021, quando lancei a primeira música, colocava muita pressão sobre mim. Achava que tinha de criar um projecto coeso, sem misturar géneros. Por exemplo, pensava: “Não posso ter um Work It e um reggae no mesmo projecto”. Essa mentalidade atrasava-me muito.
Quando aceitei que sou uma mistura de coisas — e que Cabo Verde, de onde venho, também é essa fusão de culturas e ADN — consegui avançar. Comecei a olhar para isso de forma positiva, e o álbum fluiu. Antes disso, estava apenas a bloquear-me ao tentar fazer algo “perfeito”. A aceitação foi a chave.
Existem fórmulas para compor músicas, mas parece que foges disso. Como foi o processo de composição das canções?
Quis mesmo distanciar-me de, não diria de fórmulas, porque às vezes as fórmulas também estão lá por algum motivo, mas eu queria fazer aquilo que sinto, é o meu primeiro álbum, e quando és um artista emergente tens “tudo” o que tu quiseres fazer. E eu quis mesmo isso fazer o que eu quisesse fazer, porque isto é a minha primeira obra, é meu, não tenho que seguir nenhuma fórmula, nenhum caminho, estou a trilhar o meu.
Então foi mesmo pelo feeling, se me estava a soar bem, assim seguia. Mandei canções a amigos, que não gostaram e palpitaram muito, mas se eu estava a gostar… A música Mon Chéri, é um desses exemplos, eu gravei e ainda não estava satisfeito com o feeling all around da música. A voz, a entrega na música, a cadência que eu queria fazer era uma cadência de um teenager me. Então puxava muito por uma voz mais nova e uma voz quase que baby voice. Então quando eu cantei esta música foi com esta intenção, mas na gravação, ainda não estava lá e eu cheguei a casa, estou ali a pensar bastante na música e lembrei-me de alterar o pitch e alterei, aquilo soou-me bem.
É irónico porque era isto que eu queria, este kind of baby voice. Na versão final está de uma forma mais extrema, mas eu gosto de ir a este extremo. Mandei a algumas pessoas antes, o pessoal disse-me que gostou mas que não ouviria um som durante 4 minutos nesse pitch. Tive mais pessoas no início a dizerem-me que não gostaram muito da cena assim, do que a dizerem que gostavam e eu teimoso porque eu estava ali a ouvir aquilo no replay e estava a gostar e disse: vai sair assim, não quero saber! É isso, eu quis abraçar a minha liberdade e fazer este álbum da forma que mais me fizesse sentido e não seguir tanto o que o pessoal dizia ou o que o pessoal pudesse achar ou deixar de achar.
Alteraste a gravação. Então também produzes?
Sim, também produzo. Ainda estou a aprender, mas gosto de ter controlo sobre o meu trabalho. Isso não significa que não aprecio trabalhar com outras pessoas — pelo contrário. Adoro colaborar, porque eleva o propósito do que estamos a criar. No entanto, quero entender o processo técnico para saber o que está a ser feito e contribuir de forma mais completa.
Foto de ©Janeth Tavares
É para ti importante a questão da intenção, ou seja, a intenção com que tu fazes as coisas, o propósito? Desde que tu começaste o teu percurso na Música, qual é de facto o teu propósito?
Primeiramente foi self-expression. Quando eu decidi, disse para mim mesmo: eu não vou estar aqui a brincar, eu gosto bem de Música. Eu quero fazer isto.
Disseste que a primeira coisa era te expressares. Agora que já podes dizer que tens um trabalho mais maduro, consolidado, um álbum, 11 faixas, onde tiveste de escolher pessoas para design, produtores, vozes… Toda a estrutura que é necessária para se criar e lançar um álbum, desde o management a contactar jornalistas, pessoas que possam promover. O teu propósito continua a ser esse ou tens outras ou mais ambições?
No que toca à Música algo que eu também comecei a perceber imenso foi: nós estamos neste mundo e nos são-nos dadas ferramentas; para mim, por Deus, é-nos dado ferramentas (eu não acredito muito em dons e talento), certas ferramentas que tu podes podes ignorar ou podes tomar acção em relação a elas. E eu tive esta cena da Música, da minha voz e desta minha aptidão para cantar, e eu comecei a perceber estas ferramentas tenho de utilizá-las. Ao fazer também este álbum, muitas músicas saíram de uma forma que às vezes eu nem sei. A música é highly spiritual. Há músicas que eu sinto que fui só um vaso. Apesar de que estou a falar de mim, aquilo não é assim tanto sobre mim. Aquele beat foi produzido por alguém que também foi só um vaso; naquele dia estava com um sentimento que fez-lhe expressar daquela forma, depois aquilo chegou até mim, conectou comigo e nós os dois realizámos. Isto nunca é um trabalho só do cantor…
Eu simplesmente percebi que tinha esta aptidão e decidi tomar ação sobre. É o que eu pretendo também continuar a saber fazer; sei que há um propósito nisto, estou ainda a descobri-lo. E cada vez mais estou a descobri-lo à medida que vou na minha carreira artística. Estou a criar algo e neste momento eu só quero trabalhar para ir atrás e descobrir este real porquê de eu fazer isto. Eu não diria que tenho já uma resposta em relação a qual o propósito.
Quando tu dizes que és um vaso e que também os produtores podem ter sido um vaso, eu entendo, como que te colocaste à disposição para que a música se servisse dessa mesma disposição para acontecer. E essa ideia mostra uma grande humildade e uma noção de a Música é mais do que eu. Não é que estás a desvalorizar e obviamente somos nós que criamos a Música e que damos valor à Arte etc., mas esta ideia de pensar que a Arte é maior do que nós, a Música é maior do que nósbe eu estou aqui para servir; ou seja, és um vaso, é uma visão, que não é meramente romântica ou poética, é real. Essas tais ferramentas que nos são dadas é para servirmos, sentir-mo-nos ou sermos utéis contribuindo na vida de alguém.
É um dos maiores propósitos que temos na vida, virmos para servir, e a tua música também está a fazê-lo.
Por isso é que concordo plenamente que a música é espiritual, não é uma coisa meramente emocional, é mais do que isso. E o engraçado, há pessoas que se calhar não têm esta visão, mas continuam a ser grandes vasos. Porque ser um vaso é teres esta disposição, estares 5 horas no estúdio, não só estás à procura de inspiração. Mas tu estás ali, e a partir do momento que tu estás ali, estás apto para receber seja o que for.
Eu não tive esta ideia sozinho; porque eu posso ter tido uma ideia, mas se eu não agir nela, outra pessoa há de ter esta ideia, e há de fazê-la de forma diferente, com o seu input pessoal; mas as ideias não são tão pessoais, elas andam aí e nós trabalhamos no nosso vaso. Quanto mais trabalhamos no nosso vaso, eu sinto que mais facilmente surgem ideias, surgem mensagens.
O que for que seja o propósito do que tu estás a fazer, vai mais facilmente chegar a ti, e vais mais facilmente identificar também, e cultivar esta troca espiritual. No meu caso é a música, mas é isso, eu sinto que quando eu escrevo, as ideias que eu tenho sobre fazer isto e aquilo, é só porque eu estava lá, taking action.
E a tua música, a tua sonoridade, é democrática porque mescla diferentes influências, pode chegar a diferentes tipo de gostos. Cantas em criolo, português e inglês. És de uma geração de artistas que bebe muito do respeito e inspiração do passado, como do presente.
Isso é um tema interessante. A música do Sam the Kid, Poetas de Karaoke, fez parte do meu crescimento, onde ele falava de pessoal estar em Portugal e estar a fazer música em inglês, então a língua é um tema recorrido. Aqui em Portugal, principalmente agora, porque vejo muitos jovens a abandonar ou às vezes já nem sequer tentarem a língua portuguesa como o primeiro veículo de expressão.
E há aquele argumento, de que a Cultura possa estar a perder um pouco, mas também para a Cultura se estar a perder, quer dizer que nos últimos anos não se trabalhou muito na Cultura e é por isso que ela se foi dispersando.
E também tem muito a ver com a forma como Portugal está a operar neste momento, que é um país turístico, vêm imensos imigrantes, está aqui muita influência cultural, muitas misturas em termos linguísticos e culturais.
E eu tinha também essa insegurança, de como é que o pessoal ia receber esta mistura de línguas, porque para mim, apesar de haver muita gente a fazê-lo, muitos jovens a cantarem em outras línguas, para mim isto é bué pessoal, porque eu realmente cresci nesta mistura linguística. De falar português e falar crioulo e depois, ao mesmo tempo, estar a crescer nesta globalização, então o inglês é super presente na tua vida. Então, cresci mesmo nesta mistura de línguas. Eu canto em português, criolo e inglês porque no meu dia-a-dia eu faço isso com os meus amigos. Estava com alguma curiosidade para saber como é que as pessoas iam receber isso.
Mas depois também, antes de eu lançar o álbum, há ali uma fase, uns meses atrás, que eu também estou a fazer uma grande pesquisa sobre a música caboverdiana e eu vejo que There's Nothing Under The Sun. Principalmente sobre caboverdianos, isto é uma cena que há muito o pessoal faz, devido à nossa história de imigração.t Tinhas malta em Rotterdam que cantava e tinha músicas gravadas em inglês, quanto em crioulo. O Nelson Freitas, por exemplo, está há muito tempo a fazer as kizombas em inglês.
Então não é nada de mais. Consegui tirar os óculos desta ideia que eu tinha dos oetas de Karaoke. Porque até o próprio Sam Da Kid, já não deve estar nesse pensamento d há 20 anos atrás. Tive o prazer de conhecer o Valete, e eu pensava que ele tinham esta visão. Vais ouvindo a música dele durante todos estes anos e associas-lhes a essa linha de pensamento. E depois eu estou com ele, e ele diz: gostei bem daquele teu single, o Amandez. O Valete gostou de uma cena de um artista que está em Portugal e está a fazer música em inglês. A língua é importante, mas é o sentimento que está a ser transmitido é o mais importante no fim do dia.
Capa do álbum Underneath d'Garmentz
A nossa longa conversa ainda se estendeu por outros tópicos, desde a interligação entre todas as pessoas que trabalharam no álbum, o percurso enquanto designer de moda e o interesse por moda desde muito jovem, e curiosidades da sua vida que estão impressas no álbum.
Para concluir, gostaria de destacar a analogia que me ocorreu ao refletir sobre o coração remendado que ilustra a capa do álbum de YA SIN e sobre a sua partilha, quando mencionou que a aceitação foi uma chave para finalizar o projeto e que se vê como um “vaso” — alguém disponível para acolher e servir aquilo que a criatividade lhe proporciona. Esta imagem remete-me à arte japonesa do Kintsugi, uma técnica de restauro de objetos partidos, como vasos, que não procura esconder os defeitos, mas antes realçá-los e embelezá-los com pó de ouro, transformando as imperfeições em elementos valiosos. Essa prática carrega um profundo simbolismo filosófico, alinhando-se com o conceito japonês de Wabi-Sabi, que celebra a beleza da imperfeição, do inacabado e do transitório, tanto em objetos quanto nos seres humanos.
E sim, YA SIN, tem um trabalho sabi (bom, em crioulo de Cabo Verde), introspectivo, íntimo,
vulnerável: belo. É caso para dizer: Ba Da Odju Bentu, ou melhor, Ba Da Obidu Bentu. Expressão caboverdiana que é como um convite para espairecermos, dar vento ao olho, literalmente; “lavarmos as vistas” com o frescor de coisas diferentes ou positivas, e neste caso, ouvirmos.
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