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“Como artista, mulher e negra, é impossível não olhar de forma mais minuciosa para certas convenções”, Isabél Zuaa

Isabél Zuaa | © Alípio Padilha
Isabél Zuaa | © Alípio Padilha

Isabél Zuaa é atriz e performer portuguesa, está no auge da carreira e, recentemente, foi distinguida como Melhor Atriz no 48.º Festival de Gramado, no Brasil, com o filme Um Animal Amarelo, de Felipe Bragança.

Um prémio que consolida uma trajetória marcada por muito esforço, dedicação e que reafirma a certeza de que trabalhar com afinco e com paixão, compensa sempre.

Estivemos à conversa com a atriz, que nos deu a conhecer um pouco mais de si e do percurso que a levou até ao mais recente prémio.

Isabél, uma das tuas principais missões, se assim podemos chamar, é resgatar a auto-estima na sociedade e nas artes?

Bom, na verdade, não é uma missão mas sim uma vontade de ver a diversidade que vejo socialmente refletida nas artes. Muitas vezes, dependendo de quem escreve, dirige, produz e etc, alguns corpos em ficção são representados repletos de preconceitos, com falta de subjetividade e contradições.

Essa questão do resgate da autoestima foi uma conclusão após um trabalho feito há alguns anos, onde a identidades e os sonhos eram o mote principal. A arte reverberando no social e vice-versa.

Tens como principal ofício a profissão de atriz. Foi através dela que te encontraste como pessoa e percebeste qual o teu papel na sociedade?

De alguma forma, as questões sociais sempre estiveram aqui em mim, questionadora desde criança!

Como artista, mulher e negra, é impossível não olhar de forma mais minuciosa para certas convenções, paradigmas e estruturas.

A Nina Simone (uma das inspirações mais incríveis de sempre)  diz uma frase que repito com frequência, que fala sobre o dever do artista em refletir os seus tempos. Eu vejo como dever e como privilégio em alguns momentos.

O que mais te fascina na arte da representação?

Fascina-me poder experienciar várias vivências, sentimentos, encontros, desafios diários a níveis tão profundos, tanto humanamente como artisticamente.

Que ensinamentos guardas até hoje, depois da tua formação no Chapitô?

A calma da mestra Gina Tocchetto, o carinho pela palavra e pelo silêncio.

Alargar os teus horizontes também significa não estares sempre no mesmo lugar. A tua passagem pelo Brasil moldou a tua performance?

Sem dúvida, viajar sempre me transforma de forma rápida e profunda. Ter a oportunidade de viver num país diferente, estudar e trabalhar, naturalmente teve e tem um impacto em mim.

Viveres entre dois países não te faz sentir que não pertences, de facto, a lugar nenhum?

De facto, às vezes, sim mas a maior parte dos momentos sinto-me abençoada de ter esse privilégio. Mas a base tem de estar firme em um dos lados. Nos últimos tempos a base está em Portugal.

O que te deu o Brasil que não encontraste em Portugal?

A minha ida para o Brasil foi em 2010, quando fiz um intercâmbio entre o Conservatório e a Unirio em Artes Cénicas. O que significou que terminei a formação em território brasileiro, onde optei por ficar a viver a maior parte dos últimos anos e, consequentemente, participar num número significativo de projetos. Tive oportunidade de colaborar com artistas nas mais diferentes áreas como Cinema, Teatro, Performance e Dança. 

Aqui em Portugal, desde 2016, estou num regresso a casa e, apesar das adversidades do setor, tenho tido um fluxo muito bom de projetos a nível artístico.

Tens um percurso de referência e, além de todas as outras conquistas, a tua última distinção como melhor atriz na longa Um animal amarelo, pelo Festival de Cinema de Gramado, representa um dos pontos mais altos da tua carreira?

Foi uma surpresa enorme. Sinto-me imensamente honrada pela distinção, Melhor atriz no Festival de Gramado, dos festivais mais antigos e conceituados do Brasil, dos maiores prémios da América Latina. UAU!! Sem dúvida um momento ímpar na minha trajetória. Os nomes das atrizes contempladas todos os anos… é realmente incrível. Sinto-me muito grata!

Foi um trabalho que te desafiou mais em que sentido?

Primeiro, foi um trabalho diferente porque não tive acesso ao guião, só conhecia as minhas cenas. E o teor das cenas, as temáticas em que estão inseridas, abordam relações desequilibradas, de um passado histórico e de um presente que estamos a questionar. Assuntos delicados e de grande importância social e artística.

Qual a sua principal mensagem e que trabalho de pesquisa precisaste fazer para desempenhares o papel que te foi atribuído?

Percebi que a minha personagem era inflexível dentro da inflexibilidade estrutural que a circundava, sempre buscando estratégias de sobrevivência e de mudança no seu meio. Esse posicionamento e forma de ser, de alguma maneira, fazem parte das minhas pesquisas e projetos pessoais.

Tudo fica mais enriquecido quando há partilha cultural e no filme houve uma co-produção entre Brasil e Moçambique. É justo dizer que esse é um dos principais contributos para o sucesso do mesmo?

Sim, o enriquecimento dos objetos artísticos sem dúvida é feito pela presença da diversidade e multiplicidade. Brasil, Moçambique e Portugal no caso de ‘Um animal Amarelo’, numa perspetiva brasileira, onde o corpo do protagonista se cruza com pessoas e territórios diferentes que mudam a sua experiência.

Um Animal Amarelo é já uma aclamada fábula tropical que catapulta, ainda mais o teu potencial profissional. Que portas queres, ainda, que se abram para ti?

Ah eu quero fazer muitas coisas, quero continuar a escrever, a dirigir, cantar e interpretar. Acho que ainda estou na ponta do iceberg. Ainda há muito para ver, sentir e fazer. Quero me surpreender com a vida, ela tem sido tão generosa comigo, sinto-me imensamente grata.

É mais estranho veres-te no grande ecrã ou ouvir a tua voz, sendo que és a narradora do filme?

Sem dúvida, ouvir a minha voz. Já narrei, mas foi a primeira vez que tive o desafio de narrar uma longa-metragem inteira. De alguma forma, essa possibilidade traz à personagem uma camada nova, mais doce e irónica, que funciona como uma espécie de contraponto às suas duras ações físicas.

2020 está a ser um ano surpreendente em vários sentidos, tanto pela pandemia como pelo movimento social depois da morte de George Floyd. Como analisas o impacto destas transformações na tua vida, que repercussões se deram no teu dia a dia?

Acho que de alguma forma a pandemia deixou as pessoas mais atentas, talvez mais sensíveis, não só para as suas questões mas para as questões dos outros à sua volta. Em relação às manifestações sociais, o meu dia a dia não mudou, o racismo continua lá, mas tive a realização de um sonho com a manifestação do dia 6 de Junho. Foi arrepiante começar a descer a Almirante Reis [Lisboa] e sentir que a nossa luta não é só “nossa”, é de todos.

Queres deixar alguma mensagem?

Shakespeare diz: “Ser ou não ser, eis a questão“. Acho que o nosso maior desafio artístico e humano está no Ser e Estar, sem constrangimentos. Vamos experimentar?

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