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Janice Mascarenhas leva tecnologia, cabelo e arte a Paris

Janice Mascarenhas | DR

Uma experiência capilar imersiva e sensorial a partir de tranças tridimensionais é uma das propostas da exposição Sounds hair – corpo como performance, cabelo como acessório, da multiartista brasileira Janice Mascarenhas, cuja abertura acontece nesta quinta (16), na Maison des Initiatives Étudiantes (MIE), em Paris.

Desenvolvida ao longo de um ano pela hairstylist, pesquisadora e diretora criativa de 27 anos, natural de São Gonçalo, periferia do Estado do Rio de Janeiro, a mostra individual mescla escultura física de cabelo com vídeos, áudios, inteligência artificial e obras em 3D dispostas em um espaço de arte experimental de 7x15m², sob curadoria da ucraniana Varvara Volf.

“A exposição nasce de uma necessidade que eu já tinha há muito tempo, de querer construir um espaço imersivo-artístico. E era isso que eu vinha buscando, muito mais do que um lugar para colocar 50 obras de arte. Eu nem tenho isso. Sou uma artista que está começando e também nesse processo de entender os cabelos e o meu trabalho no salão como arte. Não tenho essa estrutura sólida para apresentar, mas tenho visões, ideias e pesquisas que podem ser interessantes”, conta.

A artista dedica-se à investigação sobre o corpo por meio da performance. O seu trabalho é atravessado pelas próprias experiências e sentires, expressos em produções que trazem à tona tensionamentos gerados pela mulheridade, maternidade e o corpo negro em diáspora, ao passo que reconta histórias de um passado coletivo e flerta com a criação de um novo futuro.

Em 2021, Janice foi vencedora do concurso Dazed100, promovido pela revista britânica em parceria com a Converse, pelo roteiro de Anatomia da Diáspora, filme que mistura imagens documentais, esculturas e interações. Anualmente, a plataforma destaca 100 vozes de uma geração de pioneiros digitais de diferentes áreas de atuação e que estão a mudar a cultura no mundo.

Eleita pela publicação como a “Artista do Ano”, Mascarenhas levou o prêmio por votação popular e 30 mil dólares para executar o projeto. A partir da provocação “como você moldará o futuro?”, a produção audiovisual reuniu 38 criadores de Brasil, Estados Unidos, Marrocos, Botswana, Londres, Porto e França a fim de contar uma história afrofuturista enraizada na mitologia iorubá.

Com pouco mais de seis minutos de duração, o curta-metragem pode ser visto gratuitamente pelo www.anatomiadadiaspora.com. Já na abertura, uma citação da ativista estadunidense Rosa Parks (1913-2005), símbolo do movimento pelos direitos civis: “Gostaria de ser lembrada como uma pessoa que queria ser livre, para que outros também fossem livres”. São lembradas também as palavras de Abdias Nascimento (1914-2011), importante militante da luta contra a discriminação racial e pela valorização da cultura negra no Brasil, além de artista plástico, ator, diretor, dramaturgo e criador do TEN – Teatro Experimental do Negro.

Não acho que meu trabalho tenha exatamente uma mensagem de ativismo. Eu gosto muito de propor uma beleza pela nossa narrativa mesmo, só por ser belo. Mas, obviamente, já é uma hackeada muito grande nesse espaço, por todo o background de onde venho e fazer arte sem sequer ter estudado em grandes universidades, poder chegar aqui, ter apoio e ter pessoas que querem ver. Então, esse é um ativismo que é mais sobre hackear, e não que seja a mensagem do meu trabalho. Mas sei que pode ser uma inspiração e que isso já é uma grande movimentação”, diz. 



Já é uma hackeada muito grande nesse espaço, por todo o background de onde venho e fazer arte sem sequer ter estudado em grandes universidades, poder chegar aqui, ter apoio e ter pessoas que querem ver

Janice Mascarenhas

Janice Mascarenhas explica que o filme já se tratava de um projeto antigo e que Sounds hair é justamente o resultado dessa concretização. A pesquisa em que atualmente investe é feita a partir do que pôde aprender e experienciar ao longo de suas conexões globais. “A minha pesquisa é sobre trança, penteado e escultura. Fui desenvolvendo buscas sobre como fazer ficar belo e ensinar as clientes sobre como se sentir confortável num processo de transição capilar [abandono de químicas para retornar ao cabelo natural] com as tranças. Numa época pesquisei sobre produtos, sobre óleos porque eu queria muio entender sobre cuidado”.

Apresentada em 2018 no festival de cultura negra e LGBTQIA+ CuTie.BIPoC, em Berlim, a sua primeira performance artística, Mulata, consistia em trançar dois metros de cabelos presos à raiz em meio ao público presente que, espontaneamente, foi instigado a colaborar trançando mecha por mecha.

Após um ano trabalhando em salões de beleza na capital alemã, retornou ao Brasil e passou a atuar em projetos focados em moda, campanhas publicitárias, entre outros. Parte de sua notoriedade no âmbito virtual é resultado da imersão independente realizada no início de 2021 junto ao fotógrafo Paulo Almeida, durante uma viagem ao sertão nordestino.

Filha de cabeleireira, Mascarenhas teve proximidade com o universo dos salões desde a infância. Já a prática artística foi incentivada pelo pai, que a ensinou a desenhar e a pintar, profissão também de seu avô. Sua trajetória também inclui um processo de transição capilar durante a juventude, quando precisou parar o alisamento por conta da gravidez. “Eu estava conhecendo o meu cabelo, ele tinha volume, não crescia para baixo. Alisei desde muito cedo, com sete anos, mas, hoje, já me libertei muito da prisão estética e posso fazer o que quiser com o meu cabelo, se eu me sentir bem. Acho que o empoderamento precisa ser influenciado pelo se entender primeiro“, diz.

Atualmente, mantém um ateliê no Rio de Janeiro e, com frequência, viaja a outros países para atender demandas e convites de trabalho.

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