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Mário Marta, a nova voz masculina de Cabo Verde

Mário Marta
Mário Marta

A sua voz já faz parte da música desde que se conhece como gente, o ritmo do Soul, Funaná, Gospel, entre muitos outros, fervilham-lhe no corpo e atravessam-lhe as veias como se de sangue se tratassem. É a música que se faz sentir em forma de movimento e de canto.

Aos anos de música e de estrada, já lhes perdeu a conta, mas sabe que são muitos. O contador começou a girar pelo menos em 1998. Consigo, traz na bagagem e na voz, Cabo Verde. No seio familiar, a musicalidade ouve-se em cada canto da casa, não fizesse ele parte de uma família de músicos.

Mário é formado na área de cozinha e pastelaria desde 1993, pelo Instituto Nacional de Formação Turística, em Cabo Verde. Foi formador numa equipa mista de formação no âmbito da cooperação luso-cabo-verdiana, durante dois anos. Para além disso, trabalhou ligado a várias atividades profissionais tendo sido vendedor, relações públicas e gerente de discoteca. Mas é na música que se encontra e desencontra.

Nos seus mais de 20 anos de música, Mário Marta pisou variados palcos com nomes de peso no panorama musical português e crioulo, como o grupo de gospel Shout, do qual fez parte, Sara Tavares, Rui Veloso, Mariza, Carminho, Lura, Nancy Vieira, Boy G Mendes e Tito Paris.

Em dezembro lançou dois singles a solo nas plataformas digitais, intituladas “Kriol” e “Aguenta“, com uma das mais doces vozes das ilhas cabo-verdianas de Barlavento e Sotavento, Lura. E, agora, Mário prepara-se para cantar mais alto que a sua própria altura, vai lançar um álbum em nome próprio com a assinatura da Broda Music.

Não havia melhor altura para entrevistar Mário Marta, considerado como “a nova voz masculina da música cabo-verdiana”, mas tendo em conta a quarentena provocada pela pandemia do Covid-19, fomos “obrigados” a fazer uma entrevista via e-mail, para podermos conhecer um pouco deste cantor, da sua música, carreira e das bandeiras que nele carrega, Cabo-Verde e Guiné-Bissau.

Quem é Mário Marta?

Sou filho de mãe cabo-verdiana e de pai guineense, mas com diversas ascendências (desde portuguesa, alemã e africana, obviamente). Casado com uma mulher portuguesa e pai de duas meninas e de um menino. 

De há cerca de vinte anos para cá que exerço a atividade de cantor em paralelo com outras atividades, nomeadamente a de cakedesigner.

Tenho uma “personalidade eclética” e um espírito extremamente aventureiro. Detesto ser catalogado pois sinto-me em constante mudança e sempre à procura de novos aprendizados. A minha constante é ser feliz.

Sabemos que a música faz parte da vida de Mário desde tenra idade, mas quando é que sentiste que o futuro seria feito através da música?

Julgo que este destino esteve sempre presente, mas latente em mim. Cresci numa família de músicos e cantores e de grandes compositores cabo-verdianos. Aprendi a cantar, inicialmente obrigado pelo meu tio Çava – Emanuel Marta.

Fui educado pela minha tia materna- Eunice Marta- de quem acredito ter herdado a minha forma de cantar. Em casa dela, no Mindelo, em São Vicente, Cabo verde, faziam-se tocatinas todos os fins de semana onde os amigos, músicos e não só, levavam instrumentos, bebidas e petiscos também. (Risos) Sim porque todos contribuíam para o ambiente agradável que se vivia no quintalinho lá de casa. 

Sabia que iriam “obrigar-me” a cantar e que, mesmo tendo adormecido, dado às horas tardias a que as tertúlias avançavam, acabavam,muitas vezes, por ir acordar-me para ir cantar – era sempre obra do meu falecido padrinho Zito (Tileche). Vivenciei tudo isto e hoje sei que foi uma bênção divina, amém!

Lembro-me de em miúdo visualizar-me sempre a cantar com e para muitas pessoas. Imaginava-me estar num palco a cantar e, pasmem-se, também a dançar. (Risos) 

Numa das férias à Guiné Bissau, onde o meu avô materno também promovia com frequência convívios animados, com muitas patuscadas e tocatinas, lembro-me de ter dito ao meu avô, que sentia que ia ser cantor e que me via a cantar em muitos lugares. Tinha 12 anos na época. Acho que na altura foi uma afirmação infantil, mas que hoje, olhando para trás, já manifestava uma certeza e uma vontade implícita.

Quando é que nasce essa vontade de cantar gospel? Uma vez que em Cabo Verde não existe muito ou quase nada desse estilo musical.

Numa das minhas passagens por Portugal, tive a oportunidade de ir assistir, com uns primos meus, a um concerto da Sara Tavares. Na altura ela cantava acompanhada por um grupo de gospel por ela fundado – Os Shout! E a ver aquele espetáculo, com todas aquelas vozes, despertou em mim algo muito forte. Em 1999, a minha prima Eneida Marta, cantora guineense, mas que residia em Portugal, começou a incitar-me a cantar porque, dizia ela: – Tens uma boa voz e cantas bem, meu primo. Porque não cantas mais? Sem querer, começou a voltar-me aquela sementinha de quando eu era miúdo…

Ela levou-me com ela para assistir a uma aula de canto com o professor Rui de Matos. No fim da aula, pediu ao professor se podia “verificar” que tipo de voz eu tinha, etc, e tal. Enquanto fazia os exercícios, o maestro Balula Cid, que tinha estado a ouvir, quis que eu fosse participar no novo programa do Júlio Isidro, A outra Face da Lua. Foi a minha primeira aparição televisiva na TV portuguesa, depois de nunca mais ter cantado e sem nenhuma outra experiência musical em muitos anos. 

Foi uma atuação “tímida e sumida” da minha parte, ainda por cima porque, para além de ter que cantar em inglês tive que aprender a música no próprio dia. Ainda hoje pergunto-me porque teve que ser assim … 

Voltando à pergunta, após todos estas curiosidades inerentes, lembro-me de ter manifestado, estava eu sozinho, a vontade de cantar com um coro e de no dia seguinte ter recebido uma chamada dum membro dos Shout a perguntar se gostaria de integrar a formação. Tinham- me visto no programa do Júlio Isidro e que como estavam a precisar de uma voz masculina, talvez eu pudesse integrar o grupo. Foi tão “estranho e intrigante”, mas aceitei na hora, sem saber e conhecer sequer no que consistia.  

Lembro-me que fui ensaiar numa quinta e numa sexta feira, e tive de ir substituir um elemento num casamento no sábado. Tive que aprender vozes e harmonias de 11 músicas que não conhecia, sem ter a noção exata de como se fazia – sendo que se verificou que era muito inato em mim. Só sei que tinha um entusiasmo do tamanho do mundo. Achava que conseguia e consegui.

De que forma isso moldou o teu caminho musical? 

A partir dali, comecei a procurar informar-me mais sobre este novo género musical e queria obter tudo o que pudesse incrementar na minha técnica e forma de cantar. Comecei também a alimentar e explorar mais a minha parte espiritual e religiosa. A minha conexão com Deus tornou-se mais clara, dinâmica e forte. Durante quase vinte anos houve um distanciamento parcial, na forma cantada, com a música africana, mais propriamente com a música com a qual cresci. 

Cantar gospel fez-me perceber a minha extensão vocal e preparou-me para cantar de uma forma que me apraz bastante, que é cantar a acapella e sem amplificação.

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Mudjer: Ami bu pensa ma mi ê bu mãe??? Homi : ou duvidas, 🤣😂💣💥???

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Com tantos músicos talentosos em Cabo Verde e na Guiné, onde é que te inseres nesse mercado?

Considero-me um cantor de música tradicional, “não purista”, que adora cantar o que sente. Adoro cantar todos os géneros musicais da música de Cabo Verde, da Guiné Bissau e do mundo em geral, pelo que, naturalmente, surgirão influências de muitos outros géneros musicais na minha forma de cantar em crioulo. Gosto de fazer parcerias e fusões musicais.

Como vês o panorama musical nesses países? Sentes-te reconhecido, já?

O panorama musical está a mudar rapidamente e bastante, sendo que lamento que a “nossa juventude” não saiba agregar, dar, manter ou não perceba como perpetuar o real valor da nossa cultura, fruto também do não investimento das entidades competentes na divulgação e manutenção destes mesmos valores.

Cada vez mais, nas minhas pesquisas sobre a nossa tradição, redescubro o quão rica e imensa inspiração é a nossa música (letras, melodias, composições).

Sinto que é preciso refrescar as músicas antes gravadas, para que possam ser recebidas pela juventude de forma espontânea, sem serem impostas. 

Defendo que tudo o que é forçado provoca em nós repulsa no imediato, que nada na vida deve ser forçado/imposto. A resistência ao que é “antigo” é enorme. Portanto há que saber servir de forma apelativa e informativa.

Quanto à resposta sobre o reconhecimento, sinto que na comunidade cabo-verdiana, muita gente, muito por conta dos singles que lancei em dezembro, cumprimentam-me e parabenizam-me, principalmente pelo dueto com a Lura no funaná “Aguenta”. É já um enorme sucesso. Quanto a mim com uma história e um vídeo muito apelativos, divertida e atual, pelo que é natural que tenha sido bem recebido pelo público cabo-verdiano e dos PALOP na sua maioria.

O reconhecimento como artista requer ter obras e anos de carreira, independentemente de ser ter uma boa voz, e de ser-se um bom artista. Tem que se ter consistência, inerentes a uma qualidade que se quer “universal”. É este o meu propósito enquanto artista: construir uma carreira sólida e feliz. Quero tocar o coração das pessoas com energia positiva.

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Afinal não sou tão grande assim🤔😂😍

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Porquê a escolha do mercado português para fazer carreira e não o da terra que te viu nascer?

Estando eu a viver em Portugal, estabelecido e tendo constituído família cá, o natural era que a minha carreira musical partisse de cá e não de outro lugar, até porque Lisboa, que é onde vivo, para mim, tem todas as condições para ser a base de onde toda a estratégia pode ser projetada e lançada. A minha produtora e agência estão cá sediadas. É onde tudo pode acontecer neste momento. 

O quê e quem te inspira para fazer música, tendo em conta que já partilhaste o palco com várias artistas como Djodje, Rui Veloso, Marisa, Sara Tavares, Carminho, entre outros?

Antes de mais, importa dizer que a partilha de palco com grande parte destes renomados e premiadíssimos cantores e artistas foi enquanto membro solista dos Shout. Com Djodje é um caso à parte. Um caso de sangue e de amor incondicional. Cantamos praticamente desde que ele nasceu. Foi uma enorme honra sim, partilhar o palco com estes artistas todos.

Na música inspira-me cantar e partilhar o que canto, quer seja a solo ou em parcerias. Inspira-me ver a reação das pessoas e do público quando estou a cantar para eles. Essa sinergia é mágica e transcendente. Ver a energia das músicas nas pessoas transporta-me numa viajem única e acho que me liberta de uma forma particularmente especial.  

Em 2018, foste convidado para usar a tua voz como parte do projeto “Orgulho Nacional”. Qual foi o sentimento que ficou?

Foi uma enorme honra e gratidão poder estar associado a esta “Homérica” iniciativa. Uma iniciativa que requereu de todos os intervenientes um enorme espírito de sacrifício, mas que por fim viu o objetivo alcançado. Ver a nossa Morna ser reconhecida pela Unesco como Património Imaterial da Humanidade. Os sacrifícios foram, deste modo, premiados, de uma forma ou de outra. Foi bom ter ficado associado e conotado como a voz do projeto e ter podido cantar a “morna explicada” na europa. Sei hoje, que é possível levar a nossa arte musical para o mundo.  Foi histórico e coroado com êxito.

“Kriol” e “Aguenta” com a Lura, de alguma forma retratam as tuas experiências de vida?

“Kriol” retrata um sentimento de gratidão para com todos os cabo-verdianos, quer estejam eles na diáspora ou não, principalmente com os primordiais, aqueles que foram os pioneiros na história do nosso movimento migratório. Eu como emigrante também estou neste rolo.

“Aguenta” acaba por retratar o meu espírito critico e de observação daquilo que se passa em meu redor e em suma com aquilo que se passa na nossa sociedade, mas de forma humorística.

Tens projetos novos a caminho? O que podemos esperar de ti?

O meu projeto, neste momento devido ao Covid-19, sofreu alterações até ver, e consiste em lançar singles durante todo o ano de 2020 de forma a conseguir perceber e poder acompanhar este mercado que cada dia que passa toma contornos diferentes, sendo que no meio tempo farei o devido lançamento com apresentação ao vivo, virtual ou não. As músicas estão prontas a sair e é só perceber o melhor momento para que possam ser apresentadas ao público.

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