Matéria Noturna, do realizador brasileiro Bernard Lessa e co-produzido por Welket Bungué e Shirlene Paixão, vai estrear-se no 10.º Olhar de Cinema, o Festival Internacional de Curitiba, no Brasil.
A trama acontece na cidade brasileira de Vitória e conta a história de Jaiane (Shirlene Paixão) e Aissa (Welket Bungué), um marinheiro moçambicano, que, devido a um problema elétrico no seu navio, é obrigado a ficar alguns dias naquela cidade.
Jaiane é uma mulher negra de personalidade forte, que vive à deriva entre a solidão e instabilidade da sua vida, como motorista da Uber e cantora de samba num bar, e o contexto político problemático que tomou de assalto o Brasil e que acaba por invadir a sua esfera pessoal. Já Aissa, esforça-se para ter uma experiência real em solo firme. Num bar local, ambos acabam por encontrar-se e apaixonar-se. “Se essa paixão, por si, pode não ser suficiente para pôr fim à deriva de ambos, ela pode ao menos devolver-lhes o seu espaço de ação no mundo, a sensação de estarem vivos, e isso talvez seja exatamente o que eles precisavam para levantar a cabeça e seguir vivendo”, lemos na sinopse do filme.
Welket aparece nos créditos deste filme como ator e produtor e, em conversa com a BANTUMEN, deu-nos o seu olhar sobre o cada vez maior surgimento de narrativas cinematográficas brasileiras centradas na experiência afrodescendente.
“O Brasil é um mercado altamente diversificado, mas também tem algumas coisas que têm de mudar e melhorar. Nos últimos anos as narrativas têm sido muito mais empoderadoras da cultura afrobrasileira e têm-se orientado numa direção diferente daquelas que foram os sucessos de bilheteira dos anos 2000. Os realizadores estão muito mais conscientes desta lógica de afrocentricidade. A Matéria Noturna reflete um pouco sobre isso”, explica.
O ator e líder da produtora Kussa acrescenta que começa agora a existir um trabalho conjunto para a desconstrução de paradigmas e estereótipos.
Matéria Noturna foi filmado em 2019, surge depois uma relação de amizade de seis anos entre Bungué e Lessa e que, apesar do “orçamento bastante condicionado”, vê agora a luz do dia através do Festival de Cinema de Curitiba e tem previsão de chegada às salas de cinema no segundo semestre de 2022.
“Este festival é um dos que está melhor cotado no Brasil e temos uma distribuidora que está já incumbida de distribuir o filme internacionalmente. O festival é importante porque gera crítica e quando há mercado o teu filme fica ali disponível para os compradores e isso é que faz com que o filme consiga ter estreias e exibições internacionalmente”, disse-nos o ator e produtor.
Questionado sobre a viragem do cinema para o streaming, forçada pela pandemia, Welket afirma que o “cinema não é pensado nem feito para ser visto através de uma interface como o computador”, sendo esta uma condição momentânea e que espera que retome o seu curso habitual.
Durante a nossa curta conversa, Welket evidenciou também a sua necessidade de proporcionar à Guiné Bissau novas possibilidades no sector artístico.
“O meu foco está além de todos os lugares onde o cinema me tem levado, e falo isto com toda a humildade. No limite há uma série de problemas, ligados à subexistência de aparelhos culturais, nomeadamente no meu país, Guiné Bissau, que estão no meu foco e gostaria de, num longo prazo, poder contribuir para isso em termos físicos e pragmáticos com o melhor que sei fazer que é a realização e atuação. A médio e longo prazo o meu desejo é fundar um centro de residências culturais na guiné que possa proporcionar mais oportunidades de intercâmbio a outros talentos guineenses, para que daqui a 20 anos eu não seja apenas uma referência e ser visto também como alguém que abriu portas e que proporcionou a outros irmãos e irmãs explorar o melhor da nossa cultura.”
Welket Bungué é artista transdisciplinar, de etnia balanta. Considera-se de origem guineense-português, tendo nascido na Guiné-Bissau (região de Xitole) a 7 de fevereiro de 1988. Reside em Berlim, mas trabalha artisticamente ao nível internacional.
É co-fundador da produtora KUSSA, faz locução para entidades internacionais, desenvolve Escrita Dramática, Argumento de Cinema, Performances e Teatro. É licenciado em Teatro no ramo de Atores (ESTC/Lisboa) e pós-graduado em Performance (UniRio/RJ). É Membro Permanente da Academia Portuguesa de Cinema desde 2015, e membro da Deutsche Filmakademie desde 2020.
Em 2019, o artista foi distinguido com o prémio “Angela Award – On The Road” no Subtitle Festival em Kilkenny, na Irlanda. Em 2020 foi o protagonista de Berlin Alexanderplatz (Comp. Intl. Berlinale 2020), realizado por Burhan Qurbani, em que a sua interpretação valeu-lhe uma indicação ao Urso de Prata e uma nomeação como Melhor Ator Principal nos prémios LOLA da Academia Alemã de Cinema (Deutscher Filmpreis). Mais recentemente, o ator foii notícia por fazer parte do elenco de Crimes of the future, do famoso realizador canadiano David Cronenberg.
Para breve, estará o lançamento do seu primeiro livro, Corpo Periférico.