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Mês da Identidade Africana em Portugal, uma necessidade social

#MIA

O propósito do Mês da Identidade Negra (#MIA2022), à semelhança do que acontece há vários anos nos Estados Unidos, Brasil e Reino Unido, entre outros países, é ser um mês de celebração, em que propomos dar a conhecer caras e nomes de pessoas cujas vidas estão carregadas de história e de identidade africana no espaço geográfico português. Identidade, esse conjunto de características que nos tornam únicos, mas que no caso da comunidade africana se encontra muitas vezes restrito às quatro paredes do seio familiar, fazendo com que a vida se assemelhe a um duelo constante entre o “europeu demais para ser africano” e o “africano demais para ser europeu”.

Na verdade, o que une estes dois mundos, aparentemente tão distantes? E o que os separa? E que importância têm movimentos como o Mês da Identidade Africana e por que são tão necessários?

As respostas não são consensuais, tão pouco unânimes. Se há quem apoie, há quem critique. E se há quem entenda a pertinência da questão, há quem a conteste. A verdade é que temas relacionados com representatividade e minorias são um divisor de águas, independentemente do país em que são levantados, por trazerem à tona histórias – que muitas vezes se querem apagar – pautadas por sangue, suor, lágrimas, dramas e dilemas.

Muito poucos são os movimentos ou datas simbólicas deste género que não tragam consigo um passado marcado por ataques aos direitos e dignidade humana. Ainda que se deva olhar para o futuro, é possível que ele nos seja risonho se não compreendermos todas as nuances do nosso passado?

3 MULHERES, 3 PAÍSES, 3 PERSPETIVAS

Para compreender melhor o tema, a BANTUMEN conversou com três mulheres negras, residentes em três países diferentes, que nos deram a conhecer as suas perspetivas sobre a importância de movimentos como o que se propõe criar.

YOKANKA PERDIGÃO, REINO UNIDO

Escritora, editora e académica

Yovanka Perdigão | DR
Yovanka Perdigão | DR

O Black History Month (Mês da História Negra, em português), como é conhecido no Reino Unido, é uma celebração anual das contribuições negras à sociedade britânica e ao mundo em geral.
Esta iniciativa começou em outubro de 1987 e, desde então, o impacto desta celebração de um mês criou visibilidade, reconhecimento e compreensão dos negros e africanos que vivem na Grã-Bretanha. Desde abrir as portas para o reconhecimento do racismo institucional nas forças de segurança, até discussões sobre saúde mental e materna negras, disparidades de renda e moradia a lacunas educacionais, o Mês da História Negra oferece a oportunidade de discutir as desigualdades muito reais e contínuas vividas pela comunidade negra. O impacto deste mês é que ele reitera que a história britânica é a história negra britânica. Os negros estão no Reino Unido desde c.125 dC. Eles contribuíram para os campos das artes, literatura, música, política, guerra, jornalismo e muito mais. Dos Tudors negros [presença de negros na corte no período Tudor, a partir do século XVI] aos caribenhos e africanos que juntaram-se às forças armadas britânicas para derrotar os nazis, à geração Windrush e aos bretões negros de hoje, todos eles construíram a Grã-Bretanha”.

SÍLVIA NASCIMENTO, BRASIL

Jornalista, fundadora da plataforma Mundo Negro

Sílvia Nascimento | DR

O Novembro Negro aqui no Brasil é muito curioso porque, apesar de a população negra representar o maior grupo étnico aqui no Brasil, há questões que podiam ser tratadas o ano todo e não são e no mês de novembro também não é “aquela coisa”.
Então, do ponto de vista político, a gente vê poucas manifestações. Ainda mais agora, a gente está sob um governo de direita mas mesmo a articulação política da comunidade negra aqui no Brasil ainda não é muito representativa.

Há todo um bastidor político que justifica isso. Hoje, existem iniciativas para que se aumente a representatividade negra dentro dos partidos, inclusive dando dinheiro para os partidos se comprometerem a terem mais pessoas negras, mas a gente volta agora para o ano de 2022, em que vai haver eleições presidenciais, e não tem um partido com um candidato negro. Então, a gente ainda está muito atrás e no mês de novembro as discussões políticas ficam ainda não de maneira muito explicita, não muito vigorosa, o que é diferente do aspecto cultural.

A gente consegue ver um crescimento de eventos, de lançamentos de filmes, as marcas estão a ter cada vez mais, principalmente depois do que aconteceu com George Floyd, uma programação especial de reflexão sobre o Mês da Consciência Negra. Existe até uma reclamação porque parece que algumas marcas só se lembram da gente no mês de novembro [risos], mas enfim, é um mês em que a gente consegue falar mais. Aumenta o número de seguidores, no caso do Mundo Negro [site de informação que dirige], a gente vê as pessoas realmente falando, mas se você for comparar com o Black History Month dos Estados Unidos, a gente ainda está muito atrás.

Acho que tem muitas reflexões que podem ser feitas, principalmente do ponto de vista político, de políticas públicas, de ver os nossos líderes falando sobre esse mês, de ver as nossas autoridades falando sobre esse mês, mas ainda é tudo muito protocolar. O Governador emite uma nota, o Prefeito emite uma nota, mas a gente vê poucos avanços políticos em termos de equidade. Por exemplo: até o feriado [20 de novembro], não é um feriado nacional – tem algumas regiões que é e outras que não é.

A gente ainda tem muito que avançar. Para a gente, enquanto povo preto, é um feriado, é um dia de reflexão, mas acho que a gente pode ainda fazer melhor.

NGOZI BELL, ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

Co-fundadora da Horizons Global, Advocate durante a presidência de Baraack Obama e Tedx Speaker

Ngozi Bell | DR

O Black History Month foi oficialmente reconhecido por Gerald Ford em 1976 e, cada fevereiro é designado pelo presidente dos EUA como o Mês da História Negra, com um tema específico escolhido pela Association for the Study of African American Life and History (ASALH). Durante esse mês é destacada a contribuição dos afro- americanos. A génese da designação teve início em 1915. Dois homens, Carter G Woodson e Jesse E. Moorland, fundaram a associação para o estudo da Vida e História Negra (organização agora denominada ASALH), e com base nessa investigação promoveram a informação que encontraram. Patrocinaram uma Semana de História Negra na segunda semana de fevereiro, que inspirou escolas e comunidades a participar e celebrar a história negra nesse período. A época em fevereiro foi escolhida para coincidir com os aniversários de Frederick Douglas e Abraham Lincoln. A primeira Semana de História Negra foi em 1926. A Semana de História Negra ou Semana Negra tornou-se o Mês da História Negra nos anos ’60, por causa do Movimento dos Direitos Civis, e muitos académicos ajudaram a propagá-lo.

O tema de 2022 é Saúde e Bem-estar Negro, o objetivo é centrar-se no legado dos estudiosos e médicos negros, tanto nas metedologias Ocidentais como Africanas, incluindo naturopatas, doulas, ervanários, parteiras, etc.

Os eventos durante o Mês de História Negra nos Estados Unidos são tão diversos quanto possível. Algumas comunidades tornam a Arte Africana no centro das suas celebrações. O Governo Federal permite às agências planear conversas, seminários e imagens que despertam o conhecimento da contribuição negra ao mesmo tempo que abordam e se envolvem em questões que afectam as comunidades afro-americanas. As empresas também se envolvem, algumas com exposições, fornecem informações na sua Intranet, organizam seminários e conversas.

Na comunidade mais ampla há uma plenitude de eventos de História Negra, celebrações, seminários, conferências, etc., a decorrer em diversas cidades dos EUA. As redes televisivas participam mostrando programas históricos e atuais sobre História Negra, bem como contribuições negras no tempo atual. Agora, embora exista um tema nacional, muitas comunidades incorporam o tema, mas envolvem a História Negra a partir de perspetivas com as quais mais se relacionam e os compromissos e modos de envolvimento são muito diversos. As escolas, instituições e governos são mais propensos a envolver o tema anual de forma mais ativa.

A partir de um nível pessoal, na minha família, cada um de nós investiga uma história negra menos conhecida mas importante e cada membro da família apodera-se dessa informação, estuda-a e aprende uma verdade que desconhecia. A partir deste exercício, descobrimos todo o tipo de coisas que normalmente não conhecemos e podemos transmitir esse conhecimento àqueles com quem nos relacionamos. Em conclusão, o Mês da História Negra evoca o orgulho na realização e capacidade negra e, consequentemente, invoca um compromisso de excelência negra em todos nós, desde os jovens até aos adultos.

Estes três testemunhos distintos dão-nos a conhecer a realidade da efeméride em países diferentes, que acabam por servir de espelho para outras geografias, onde quer que a comunidade negra se faça presente enquanto minoria [de ressalvar que, uma minoria social refere-se a um grupo da população que, mesmo sendo a maioria em número absoluto, não é representada nas várias esferas da vida social e política do país].

Num artigo para a ABC News, o jornalista norte-americano Karma Allen, diz que a efeméride deve ser celebrada além de fevereiro, com base na premissa de reconhecer o papel dos afrodescendentes na construção dos EUA enquanto nação.

Ngozi Bell sublinha que “a alusão de que a história negra, os seus impatos, efeitos e afectos ressoam na vida quotidiana e a lembrança e participação não devem ser relegadas para um mês que a marque”. Contudo, Bell não contraria a necessidade de existir uma data definida para celebrar o movimento. “O que eu acrescentaria a isso é que gosto da ideia de uma designação de Mês da História Negra, onde paramos e consideramos, recordamos, reconhecemos e invocamos as atividades e sacrifícios da história, mas também as contribuições contínuas de hoje”, afirma a empresária e investidora, sublinhando que “a eleição de Barack Obama foi um desses momentos, a contribuição dos negros na medicina, incluindo na investigação e fabrico da vacina COVID 19, é outro desses momentos”.

O RECONHECIMENTO PORTUGUÊS

Em Portugal, o debate público sobre as desigualdades sociais experienciadas pela comunidade negra no país é muito recente, tendo atingido os seus momentos mais altos em 2020, depois dos protestos globais desencadeados pela morte de George Floyd, e em 2021, depois do brutal assassinato do ator Bruno Candé motivado por ódio racial.

A cronografia indica que a presença africana em terras lusas data do século XIII mas “é sobretudo a partir do século XV que a chegada de muitos homens e mulheres africanos introduzidos em Portugal, como escravos, conduz à criação portuguesa de formas de rejeição física e social desses Outros diferentes nos corpos e nos comportamentos”, como pode ler-se no livro A Presença Africana em Portugal, uma História Secular: Preconceito, Integração, Reconhecimento, da historiadora Isabel Castro Henriques, editado, em 2019, com o apoio da Associação Batoto Yetu.

Hoje, essa herança africana, embora silenciada, vive através das novas gerações impelidas pelo fácil acesso à informação e potenciada pela velocidade temporal da era da Internet.

O reconhecimento nacional dessa herança é garantir a partilha de conhecimento, criar consciência e garantir um equilíbrio na balança da justiça e dinâmicas sociais.

Num ato simbólico, enquanto se espera que a efeméride seja assinalada a nível nacional, numa data que crie consenso para a sociedade em geral, mas sobretudo para a comunidade afrodescendente, na BANTUMEN, ao longo do mês de fevereiro, vamos dedicar a nossa agenda editorial ao #MIA2022.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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