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Nancy Moreira: “Em Portugal já não tinha adversárias para mim”

Nancy Moreira | DR
Nancy Moreira | DR

Nancy Moreira é uma papa títulos no boxe, que luta com as cores cabo-verdianas ao peito. Nascida em Cabo Verde e residente em Portugal desde os oito anos, atualmente com 33, Nancy Moreira é conhecida pelo seu percurso impecável e pelos inúmeros títulos e conquistas, a nível nacional e internacional, em nome de Cabo Verde.

Pugilista há dez anos, Nancy intitula o boxe como “a sua melhor escolha” e mostra-se cada vez mais firme e assertiva na sua caminhada profissional.

“Comecei no atletismo, joguei futsal e futebol de 11, durante muitos anos.  A convite de um cunhado, que prometeu que um dia me levaria para fazer um treino, aceitei e experimentei. Depois do treino, fiquei de cama o dia inteiro e parei. Passado um mês, voltei e até aos dias de hoje.”

Apesar dos rótulos e censuras ainda enfrentados pelas mulheres, num desporto predominantemente  masculino, Nancy garante que, durante o seu percurso profissional, nunca sofreu nenhum tipo de preconceito por ser mulher.  Longe disso. A atleta usa o boxe, não só para honrar a terra natal, mas também para encorajar outras mulheres que queiram seguir o mesmo caminho. “Ter aquela sensação de vencer é bom. Lutar pelo meu país e pelo meu público também é maravilhoso. Saber que muitas pessoas te apoiam e que dizem que és um exemplo, para muitas mulheres que são mães e donas de casa, saber que eu pratico boxe e sou tudo isso, dá-me força para continuar.”

A par disso, a atleta salienta que, além da questão de representatividade, também foi pelo boxe que se encontrou e atingiu o ápice da sua feminilidade. “Eu era uma Maria rapaz e só depois que comecei a praticar boxe é que fiquei mais feminina. Lembro-me que conheci o meu marido no boxe. Eu só vestia a roupa dele para treinar. Só passado cinco ou seis anos é que comecei a pensar “tu não tens que te vestir como um homem, para praticar boxe. Podes ser feminina. A partir daí, começar a atrair mais mulheres. Sempre ouvi de mulheres ‘tu vais ficar um homem, vais ter músculos’. E não. Quis provar isso, mudando, sendo mais vaidosa, que o box é o contrário daquilo que elas pensam. O boxe traz uma condição física brutal, torna a mulher muito mais feminina, muito mais confiante. Ou seja, só traz mais valias”.

À conversa com a BANTUMEN, a campeã cabo-verdiana com 93 combates, dos quais, 82 vitórias e 11 derrotas, garante que, apesar de ter entrado em combate somente aos 23 anos, bem mais tarde da idade média normal, isso não foi motivo para a desmotivar ou para a enfraquecer. Muito pelo contrário. “Sempre fui a primeira a entrar e a última a sair. Depois de um ano de treino, fui enfrentar uma atleta que era do Futebol Clube do Porto. Na altura, ela nunca tinha perdido, mas eu venci-a. Venci o campeonato regional, nacional e fui vencendo os cinco anos seguidos e depois comecei só a jogar fora, porque em Portugal já não tinha adversárias para mim”, citou a atleta.

Enquanto atleta profissional, Nancy lamenta pelas dificuldades que se passa, devido à falta de apoio do governo e lembrou-nos  de um episódio especial em que foi, inclusive, notícia no Brasil. “Foi o meu primeiro campeonato mundial e era impensável ir sozinha mas vi que não teria qualquer ajuda de Cabo Verde. Dentro do azar, tive sorte, porque o boxe é um desporto muito solitário. Ir sozinha e estar ali num país completamente desconhecido, foi realmente triste mas sempre soube que, se eu quisesse aquilo, teria que ser forte”.

O campeonato aconteceu em maio deste ano, na Turquia, e atleta teve a sorte de ser convidada, de forma solidária, a juntar-se à seleção brasileira, uma das melhores do mundo. “Treinar ali com atletas olímpicas, que já sabiam para o que iam e eu estar ali, a representar o meu país no meio delas, mesmo que, às vezes, me faltasse alguma confiança, ao lado delas, eu era a melhor do mundo. Eu estava com elas, então eu era a melhor do mundo também.”

Nancy realçou o quão desencorajante é a falta de aposta noutras modalidades, além do futebol, seja em Portugal ou em Cabo Verde.  “O futebol é que acaba por captar a maior parte dos recursos nacionais e acaba-se por levar um bocado por tabela quando vais para fora.” 

Como é que eles vão conseguir pagar uma viagem para fora, para se conseguirem ranquear, sem ajuda do Estado?

Nancy Moreira

Apesar de estar bem encaminhado e de acreditar que se pode viver financeiramente à base do boxe, a atleta lamenta o facto de ainda haver tão pouca assistência da parte do governo, para aqueles que desejam seguir uma carreira profissional e viver exclusivamente desta profissão. “É preciso apostar, que é aquilo que estou a fazer e costumo dizer que “trabalho para sustentar o boxe. Tenho uma hamburgueria aqui em Portugal, em que sou eu a chefe. Tenho as mãos da minha mãe, que ela cozinha muito bem. E, por acaso, tive sorte no investimento que fiz [no desporto]. Porque fui a vários torneios lá fora, participei do campeonato africano, onde fui a única medalhada, entre todos os desportos, de Cabo Verde e isso fez com que eu estivesse bem ranqueada e hoje sou uma atleta bolseira. É um valor que me ajuda muito, a fazer estágios fora e a fazer uma boa preparação. E sem dúvida que as coisas demoram um bocado, mas acredito que, mais cedo ou mais tarde, elas vão chegar.“

Porém, “nem toda a gente tem as condições que eu tenho. Eu já trabalho há muitos anos. Sempre trabalhei a minha vida toda, então, é mais fácil. Eu falo de atletas de Cabo Verde. Como é que eles vão conseguir pagar uma viagem para fora, para se conseguirem ranquear, sem ajuda do Estado? É muito mais difícil. Só mesmo com a aposta dos próprios clubes é que se consegue alguma coisa. “

Em relação ao fecho do ano 2022, Nancy prepara-se para o seu último torneio que terá lugar no Algarve. 

Para o futuro, a campeã cabo-verdiana, tem como maior meta, qualificar-se para as olimpíadas, a fim de representar, não só o povo cabo-verdiano, como o português e a todos os que confiam e acreditam no seu trabalho e potencial.

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