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Para quando um mês da história Negra em Portugal? Agora.

Os Estados Unidos da América foram pioneiros na criação de uma semana da história Negra que depois se expandiu para o Mês da História Negra. Aos poucos, países ocidentais com diáspora Negra (tal como a Alemanha, Países Baixos, Canadá, Bélgica, Reino Unido, Irlanda) seguiram os seus passos.

Aos poucos, vemos o Brasil converter o seu dia da Consciência Negra em Semana e Mês da consciência Negra. França e Espanha não estão muito atrás, tendo desde 2018 celebrado o Mês da História Negra em várias cidades, no entanto, este ainda não se solidificou nacionalmente e com consistência. Penso que que tal momento não tardará a acontecer.

Em 2020 tivemos também o início de um novo fenómeno, onde vários países africanos (como o Senegal, Chad, Burkina Faso, entre outros) celebraram pela primeira vez o seu Mês da História Negra.

Pode parecer um pouco singular países africanos participarem e criarem um mês da história Negra. Não será toda a sua história e todos os seus meses exatamente isso?

Podemos afirmar que por um lado sim mas, por outro, a necessidade de descolonização e empoderamento Negro continuam a ser necessárias, até no continente africano.

O Mês da História Negra cresce mundialmente como uma ferramenta de descolonização da diáspora Negra, uma ferramenta de unificação e emancipação. Parece-me que também em África continuamos com a necessidade dessas premissas.

Surge-nos então outra questão: A diáspora.
Porquê falar na descolonização da diáspora Negra se falamos do território africano? Não seria uma contradição? Na verdade, não.
Quando pensamos em diáspora Negra pensamos na comunidade Negra que vive à volta do mundo por ter sido levada forçosamente por escravistas, descendentes de Negres escravizados, emigrantes e descendentes de emigrantes.

Tudo isto está correto mas esquecemos-nos da migração (forçosa ou não) dentro do continente africano. O “arrastão” de povos pelos colonizadores europeus deixou um rasto acentuado de perdas culturais, históricas e civilizacionais de vários povos africanos. Temos então dentro de África uma diáspora africana caracterizada pelo seu grupo étnico-cultural- linguístico.

Esta equação de nutrir amor e desapegar do rancor torna tanto importante o crescimento de momentos culturais, institucionais, interpessoais e sistémicos pro-Black (a formula do racismo, mas verdadeiramente reversa). Tal afirmação leva-nos de volta ao título e tema deste texto: Para quando o Mês da História Negra em Portugal? Agora.

Dispensamos longas introduções sobre o papel principal sangrento, terrorista e horrendo que Portugal começou e desempenhou no tráfico transatlântico, esclavagismo em prole da supremacia branca e colonização à volta do mundo que mudaria e criaria a atual globalização. Num país com séculos de multiculturalidade (reconhecida apenas quando conveniente), que tanto bebeu e bebe dos africanos e da sua diáspora, é impraticável continuarmos sem um Mês da História Negra.

Portugal é um país de “Politicamente-Correctos”, onde os povos racializados têm que continuar a ouvir falar das barbaridades lusas como “descobrimentos” e sorrir com os dentes todos para aos brancos portugueses nunca ferir os sentimentos.

Um país que, como muitos dos seus aliados europeus e do Norte Global, mantém livros de história gravemente a enaltecer o passado para justiçar o presente e o seu legado.

Escusado dizer que Portugal é um país racista que não quer mudar, de “descobrimentos” a “encobrimentos”, se esperarmos que a história Negra, que a contribuição Negra e que o empoderamento Negro estejam no topo das prioridades nacionais, morreremos disfuncionais.

Não sou a primeira portuguesa Negra a falar da necessidade de termos um Mês da História Negra em Portugal mas, como tudo é condicionado pela nossa cultura localizacional, mesmo com várias vozes a imposição portuguesa sobre a nossa luta anti-racista tem um impacto. Diferentes diásporas e culturas Negras, diferente é o pragmatismo, avanço e introspecção. Apesar de já várias vozes se terem levantado, difícil é pôr o motor a trabalhar numa “máquina” tão caracterizada pelo “desenrasca” e “brandos costumes”.

A única forma de combatermos o ódio é com coragem de nos amarmos de forma que nunca sequer imaginámos.

Nuna

Os brandos costumes, nas últimas décadas, permitiram que os portugueses brancos mantivessem a cultura racista por ações (para eles) caracterizadas por subtileza. No entanto, o fenómeno de extremismo em praça pública alastra-se pelo mundo e Portugal não é excepção.

A única forma de combatermos o ódio é com coragem de nos amarmos de forma que nunca sequer imaginámos. Um mês de não só história mas como um mês da Celebração Negra pode dar-nos ferramentas e armas para as lutas que continuamos a ter que travar.

Continuamos com uma disparidade sócio-económica gigantesca. Temos que investir de forma sistémica nos negócios Negros, na criação de literacia económica, criação de riqueza geracional e empreendimento que não esteja preso às estruturas brancas de negócio e crescimento.

Sabemos também que ninguém tem falta de capacidade de aprender, que ninguém sabe melhor do meio em que vive do que as pessoas que o vivem. Falo de falta de oportunidade de expansão que tantas vezes acontecem nos nossos subúrbios e periferias. Na ardente necessidade de se sonhar com equidade invés de termos que aceitar a precariedade como a nossa maior verdade.

Os espaços de formação contínua a desformar e segregar-nos. Os livros escolares no país dos “heróis do mar” continuam a contar uma história perigosa que torna o racismo que diariamente enfrentamos uma fábula amorosa. É preciso investir nos nossos sociólogos, antropólogos, historiadores, revisionistas, académicos e investigadores. Tudo isto compreendendo que a barreira educacional colonial nunca poderá ser o molde de aprendizagem e descolonização do pensamento. Bem sabemos como a academia e a escola são instituições racistas. Há que utilizar as ferramentas positivas que estas nos dão ao mesmo tempo que destruímos os moldes com as ferramentas que nós próprios criamos.

O mesmo se aplica no campo cultural. A apropriação e exploração cultural da comunidade Negra é constante, poucas são as vezes que os espaços brancos permitem empoderamento cultural. Lutamos contra uma descultura que define até onde os artistas podem ir e até que ponto podem usar a sua voz. É preciso investir nos nossos bailados, editoras, audiovisuais, teatro, galerias de arte, e em tudo o que nutre e expande a nossa alma individual e coletiva.

Termos um mês de celebração Negra (e por consequência de história Negra) permite-nos capitalizar estas iniciativas e expandi-las para o resto do ano. Permite-nos repensar o que queremos ser em comunidade.

Acredito ser também importante dizer que não acredito que o Mês de História Negra em Portugal pertença só a Portugal, tal como a sua história não pertença só a si.
Não há história portuguesa sem história Negra e história Negra também é história portuguesa. Quando os esclavagistas decidiram interligar as nossas histórias isso ficou evidente.

Penso que um Mês da História Negra em Portugal também é o Mês de História Negra guineense, santomense, moçambicana, cabo-verdiana, angolana.

Com tempo é possível ver a forma surrateira da cultura colonial infiltrada como cultura ancestral por toda a comunidade Negra, com especial ênfase em África e tal visível na nossa PALOP.

Não escolhemos ser países irmãos, mas somos. Temos não uma história em como como famílias que se estendem por estes continentes a fora, e se o racismo corrói e separa, o empoderamento Negro deve partir de sarar e unir.

É tempo de descolonizar a marginalização da comunidade LGBTQIA+, do patriarcado, do capacitismo, do colorismo e texturismo entre tantas batalhas que temos pela frente.

Há que continuar a luta dos nossos antepassados pela liberdade de ser e viver, mas levando só aquilo que nos faz bem.

Não faz sentido darmos este próximo passo na revolução se não for para darmos todes a mão. Não me posso, claro, esquecer do nossos irmãos brasileires e dos nossos irmãos de Timor-Leste.

Quanto a Timor, sublinho que o nosso reconhecimento e reeducação tem que acontecer. O mesmo se passa com a nossa comunidade Romani-Cigana portuguesa. Há muito para desaprender, re-avaliar e aprender a viver sem os dogmas do colonizador branco. Mas esta conversa não é particularmente sobre estes grupos racializados e muito menos para eu ocupar o espaço de fala destes.

Chegamos então aos nossos irmãos brasileiros, que têm um percurso anti-racista diferenciado do que encontramos em Portugal, mas que também se liga ao nosso. É preciso criar mais pontes, mas é também preciso que essas pontes do mundo lusófono não sejam forçadas apenas em Portugal ou no Brasil mas em todas as nações que têm a língua portuguesa como língua oficial.

Com o Mês da História Negra a ser celebrado em meses diferentes consoante o país, cai também o peso de escolher o melhor mês para as nossas características específicas. Vejo o mês de Novembro como o mês simbolicamente mais indicado.

O mês de novembro marca a última colónia PALOP a conseguir a liberação do opressor português, marca economicamente importante (reforçando a importância de criação de poderio económico Negro) antes do Natal e também fica em concordância com o crescente mês de História Negra no Brasil (ainda que este não fosse o ponto decisivo).

A importância de criar ano após ano mais eventos, parcerias com instituições, associações, órgãos governamentais, organizações com fins não lucrativos entre estes países irmãos, numa celebração conjunta criada e definida por nós pode e terá um impacto de extrema importância com consequências no ano inteiro.

Porém, é importante denotar que a data pode não ser assinalada governamentalmente (tal como aconteceu inicialmente em outros países) mas se ficarmos à espera que haja uma confirmação de outrem (especialmente instituições brancas), nunca seremos capazes de nos recriarmos com aquilo que temos. Quiçá os primeiro anos sejam de pequeno alcance, mas o que interessa é que é nosso. De nós para nós.

O cabeleireiro da Tia Mena no Lubito a dar formação de história, a quinta de férias do Cláudio em quarteira como turismo sustentável, o espetáculo de um grupo de São Tomé em parceria com um grupo de Maputo, curso de introdução à culinária gourmet da Beira para o mundo, um podcast cabo-verdiano em parceria com um podcast Carioca, o festival de dança angolano em Manaus, uma feira do livro em Príncipe, workshops de inclusão na arquitetura em Luanda…

…O céu não é o limite, é o ponto de partida, começando agora… porque nós merecemos.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

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