Mais que um nome, Puta da Silva é uma figura de intervenção e reivindicação. Uma artista multifacetada, mas acima de tudo, imigrante, travesti e negra que utiliza a música para partilhar as suas experiências pessoais ao chegar a um novo país. A BANTUMEN falou com a artista para conhecer mais sobre a sua trajetória, que faz dela um dos grandes nomes do Lisbon International Music Network Festival, a acontecer de 28 a 30 de setembro.
Centrada em questões quotidianas de imigrantes, pessoas racializadas e profissionais do sexo, a música de Puta da Silva é provocadora e roça um tom político para chamar a atenção de temas comuns a tantas outras pessoas que, como ela, experienciam uma adptação difícil a uma sociedade que não é a sua.
Puta da Silva chegou à Europa com uma carreira construída no Brasil. Foi professora, atriz e diretora de teatro e é formada pela Universidade Federal de Uberlândia. Já em Portugal, terminou o mestrado em Teatro e Comunidade pela Escola de Teatro e Cinema de Lisboa, durante o qual lutou contra os desafios de ser imigrante.
Foi nas noites de Lisboa, enquanto se prostituta, que Puta da Silva iniciou as suas composições. Da procura difícil pela emancipação e adaptação na sociedade, nasceu uma vontade de contar histórias, memórias e experiências que agora estão presentes nas suas narrativas. “A prostituição foi o meu equipamento de proteção individual e, enquanto trabalhava e recebia os clientes na noite, a revolta fazia-me pensar na música que ia fazer para responder a tudo aquilo”, disse.
“Puta” porque, quando a cidade fechou-lhe todas as portas, foi a prostituição que a acolheu e “da Silva” pelo significado e multiculturalidade deste apelido no Brasil, um trocadilho também em relação à expressão comumente usada na naquele país: “Estou puta(o) da silva”; que denota braveza ou indignação. “Senti necessidade de assumir-me puta e potênciar a palavra. Reafirmar na comunidade uma profissão que já devia ter sido legalizada e protegida há muitos anos”, referiu a artista.
Com o início do confinamento, impossibilitada de trabalhar, a artista começou a produzir a sua própria música e vídeos sem nenhum apoio externo, apenas com a ajuda de amigos, que ainda hoje fazem parte da sua equipa. “Só foi possível construir o álbum desta forma graças às minhas raízes africanas e ao candomblé, onde aprendi que se a panela está vazia vire ao contrário e comece a batucar e cantar para trazer renovação em um momento de dificuldade”, sublinhou.
Desde 2020, Puta da Silva lançou três singles (“Festinha 360”, “Hetero Curioso” e “Bruxonas”), juntamente com vídeos produzidos pela própria, que foram selecionados para diversos festivais e eventos.
O vídeo de “Bruxonas” foi selecionado para o Music Video Festival 2020, na categoria de Melhor Videoclipe Brasileiro Feito em Confinamento, e foi exibido na 17ª edição do festival No Ar Coquetel Molotov – 3D Immersive World e na 14ª edição do festival For Rainbow 2020. Já “Hetero Curioso”, foi selecionado para a sexta edição do Bogotá Music Video Festival. “Festinha 360”, o seu videoclipe em realidade virtual, estreou-se no Cinema São Jorge (Lisboa), no Festival Política e teve exibições públicas em diversos pontos culturais da capital portuguesa.
De acordo com a artista, o primeiro single “Bruxonas”, com o respetivo vídeo, representa “uma anunciação, fala sobre o peso do tempo colonial e o impacto que ainda tem nas pessoas imigrantes e pretas. ‘Hetero Curioso’ fala das opressões que ainda hoje existem e que têm a cara estampada do homem branco cisgénero, que é a figura que mais consome a prostituição na noite e abomina no dia diante das suas famílias”.
Ouvir o nome Puta da Silva anunciado na moradia oficial do Primeiro Ministro foi muito importante
Puta da Silva
Ao vivo, Puta da Siva une a música e a dança à poesia e ao multimédia para oferecer ao seu público aquilo que durante a nossa conversa graciosamente definiu como “jogar a bunda no chão e pensar”, uma vez que pretende divertir e ao mesmo tempo consciencializar as pessoas para problemas reais da sociedade.
A participar em vários festivais e eventos culturais, Puta da Silva orgulha-se de colocar o seu nome na boca do público. “Os homens que me chamavam de puta nas noites de Lisboa, estão a ser obrigados a chamar-me de puta à luz do dia, e sem máscaras”. “Eles agora gritarão o nome Puta da Silva nos grandes festivais de música”, referiu a cantora com um sorriso na cara. “Ouvir o nome Puta da Silva anunciado na moradia oficial do Primeiro Ministro foi muito importante para mim”, acrescentou ao recordar a sua apresentação nos Jardins de São Bento, durante a celebração dos 200 anos da independência do Brasil.
Para Puta da Silva, representatividade é um termo complexo. No entanto, “quanto mais pessoas como nós [imigrantes, negras e travestis] chegarem a determinados lugares, mais vão mostrar a outras pessoas que é possível chegar lá”. A artista reforça ainda: “Se temos um sonho, temos de acreditar que é possível realizá-lo”.
Recorde-se que Puta da Silva irá participar no Lisbon International Music Network Festival (Festival MIL), com um concerto no próximo dia 29 de setembro, no B.Leza.
André Martins
Autor do blog de música Ecletico, no Mudium. Português, a viver em Espanha, com um pé entre Angola e Moçambique e outro no Brasil. Estudei Produção Musical na cidade berço dos U2, Dublin, na Irlanda, mas sou viciado em quase qualquer tipo de música. Escrevo sobre cantores e bandas que se destaquem ou só porque valem a pena conhecer pelo seu trabalho ou pela sua estória. Entre aulas de canto e de piano, também escrevo estórias minhas em música.