Sibeth Ndiaye é francesa, nascida no Senegal, em 1979, é secretária de Estado e porta-voz do governo francês, exibe o seu cabelo afro como ninguém, tem um piercing na língua e as suas roupas são um raio de sol entre os tons sombrios da política gaulesa.
Sibeth é francesa desde 2016. Até então, era obrigada a comparecer periodicamente junto das autoridades do país para obter o seu titre de séjour, o equivalente à autorização de residência em Portugal. “Tenho uma memória bastante dura [dessa altura], de fazer a fila no pátio de Bobigny, na famosa prefeitura de polícia [onde se atribui a autorização de residência]. Eu sei o que é essa humilhação de ir e ouvir dizer no final da fila “hoje não há mais senhas”, disse a jovem política em entrevista a um meio de comunicação francês.
Sibeth nada tem em comum com o antigo responsável pela comunicação do presidente Emmanuel Macron. Se antes os fatos pretos, cinza, azuis escuros e as gravatas a condizer compunham o look de Benjamin Griveaux, hoje são os vestidos e camisas floridos, cheios de cor e presença, juntamente com os óculos vermelhos e um cabelo afro imponente que dão vida aos mais importantes comunicados do governo.
Embora seja totalmente de acordo com a frase “eu não sou o meu cabelo” [adaptação portuguesa do inglês i am not my hair], não posso se não rejubilar cada vez que esta mulher negra, de tez escura [é importante ressaltar], com o seu cabelo frisado, solto, aparece na televisão em representação de um dos governos mais poderosos do mundo.
E se a crítica se faz presente e de boa saúde – como em junho, quando a eurodeputada Nadine Morano escreveu no Twitter: “Indignada, mas acostumada a ouvir os seus absurdos, muitas vezes vestida com trajes de circo… Senegalesa muito bem nascida, tendo obtido a nacionalidade francesa há 3 anos… obviamente com grandes deficiências na cultura francesa. Indigna dessa função governamental em França – Sibeth responde sempre à altura, por vezes com uma ironia refinada mas, sobretudo, sem grandes alaridos.
A porta-voz do governo prefere relembrar, quando assim faz sentido, os valores da república francesa a “igualdade e fraternidade”. “Quando alguém é politicamente responsável, esses valores republicanos devem ser valorizados acima de todas as coisas (…), em todos os momentos, em todos os lugares. Temos que tentar cumpri-los”.
Falar de Sibeth, cujo nome foi inspirado na rainha senegalesa Sibet Diedhiou, é falar da enfim normalização da figura negra, num mundo pluralista desejado e arquitetado, inconscientemente, desde 1444.
É dizer que o negro faz parte e tem voz ativa na sociedade ocidental, que quis perpetuar uma superioridade ilusória que, cada vez mais, vê os seus elos serem quebrados.
É dizer que Joacine, Beatriz e Romualda ganharam um lugar que lhes é de direito, numa nação que também é delas. Negras, mulheres, políticas. Repito, negras, mulheres, políticas. A ordem devia ser inversa, mas é assim que, esperemos não por muito tempo, serão vistas pela maioria da sociedade portuguesa. Até que um dia, sejam consideradas unicamente pelo papel preponderante que, espero sinceramente, desempenhem nas suas carreiras, em benefício do povo que as elegeu.