Os bairros sociais, muitas vezes apelidado de guetos, pelo próprios moradores é, na sua maior parte das vezes, uma incubadora de talentos. Onde a música partilhada de janela a janela se mistura com os cheiros das especiarias de cada país, uma viagem musical e gastronómica entre Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Moçambique, entre outros países lusófonos, que acabam por resultar numa festa comunitária em prol do bom ambiente no bairro.
E desses convívios, a música e dança são o maior veículo para a difusão da cultura, que começa dentro e se expande para fora, com vontade de alcançar meio mundo. Onde os talentos vão se mostrando e se descobrindo, onde a arte em si começa a fazer parte e torna-se necessária.
Assim nasce a dupla de DJs e produtores Studio Bros. Fábio Miguel é Famifox e Miguel Batista é Nunex. A música faz parte da vida de ambos desde que se conhecem, quando ainda eram miúdos. Portugal é o berço onde nasceram, mais propriamente na Quinta do Mocho, em Sacavém, mas as origens são santomenses.
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Desde de tenra idade que partilham uma amizade, a música veio por acréscimo, assim como o sonho de fazer algo com ela, entre latas e panelas que serviam de instrumentos. Os ritmos africanos ecoavam nas suas colunas em casa e em cada corredor do bairro, “adoçando” os ouvidos dos dois e depois as mãos. Dentro do quarto começavam a sair os primeiros BPMs de ritmos africanos tradicionais numa fusão com música electrónica, dando início à sua jornada em 2007. Primeiro, como Alto Nível Produções, fruto do sonho de ambos de criar música a partir dos seus quartos a da paixão de ambos.
A BANTUMEN quis conhecer um pouco mais do trabalho dos dois DJs. Apesar de conhecermos a música que fazem, quisemos também saber mais sobre esta dupla, que tem conseguido chegar a milhões de pessoas através das suas produções.
Como nasce a dupla Studio Bro’s?
Nunex: A dupla Studio Bros, antigamente Alto Nível Produções, são nada mais nada menos que dois jovens vindos do bairro, Quinta do Mocho, e de origens humildes e santomenses que tinham uma paixão em comum – música. É de se esperar que aos 12/13 anos – que foi quando começamos, em 2007 – o que queres fazer é estar na rua a jogar à bola com os amigos até o sol raiar, ou estar em casa na PlayStation. Atenção, nós queríamos também, (risos) mas trocávamos tudo isso para o Nunex estar a fazer beats com as latas ou panelas ou qualquer superfície que emitisse um som, e o Famifox no computador a pesquisar infinitamente, até que surge o FL Studio, revolucionando para sempre as nossa vidas. A partir daí foi sempre a produzir música, na altura no quarto do Fami visto que ele tinha computador e eu não. E até então não parámos.
Como é que dois amigos que são do mesmo bairro, se interessam pela música, havendo outras distrações?
Boa pergunta. Mas é fácil. A vantagem de viveres num bairro é que todos nos conhecemos uns aos outros. A nível pessoal somos diferentes, mas tínhamos algo em comum muito poderoso, nem fazíamos ideia disso – a paixão pelo djing e a produção musical onde sempre tivemos aquela curiosidade de saber como criar e misturar as músicas. Daí, a insistência em aprender foi o que realmente nos uniu. Eu acho que nós nunca jogamos futebol juntos, irónico. (risos) Mas la está, essa vontade de saber, essa curiosidade toda, esse bichinho, sem duvida juntou-nos e começamos a nossa aventura como dois pequenos DJs e produtores.
Começaram como Alto Nível Produções ainda miúdos. Porquê da mudança para Studio Bros?
Apesar do grande sucesso da música “Kapiro”, numa altura em que o nome Alto Nível Produções vinha a ganhar grande impacto e adesão nas pistas de dança, a mudança para o nome Studio Bros resulta na altura de uma estratégia de marketing desenhada pelo nosso antigo manager. Sinceramente não há um motivo forte.
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Que influência teve ou tem a Quinta do Mocho na vossa música?
O nosso bairro Quinta do Mocho, até hoje, é uma influência, acreditas ? Primeiro porque é um legado, representa a nossa história. “Duas crianças do bairro que cresceram juntas, onde a amizade e a paixão pela música em comum se transformou naquilo que é a essência das nossas vidas.” Basicamente é o que tu vês retratado no Lendario. Mas mais do que ser a nossa história, é tudo o que nós vivemos. Ouvir os cotas ou mesmo a malta a ouvir música super alta na janela, imagina, eu sou do terceiro andar e mesmo assim consigo sentir o teu balanço, e tu és do primeiro andar, entendes? Associado a isto, um bairro onde é predominante a cultura africana, quais são os ritmos a que ficamos expostos? Então é isso que nós criamos.
Tentamos sempre dar um pouco dos ritmos africanos às nossas faixas, até mesmo fazer-lhes tributo se possível. Porque foi isso que vivemos, todos os dias havia música no bairro. Então é um pouco por aí. E depois, sem esquecer que, temos outros artistas no bairro, por exemplo nosso bro DJ Firmeza, que sempre nos ensinou e acompanhou-nos, também é uma influência boa.
Falem um pouco do vosso EP Lendário e o que significou para vocês.
O EP Lendario que conta com 3 faixas, resultou da parceria com a discográfica TAR, e veio permitir que conseguíssemos destacar a nossa criação musical única e autêntica. Porém, a primeira faixa, homónima, é a que tem destaque, contando a nossa história, a nossa progressão. “Isto somos nós”, este é o nosso legado, é a nossa história.
Dentro dos bairros, as influências podem ser muitas, desde a música às pessoas. Quais as vossas influências musicais?
Vamos por partes: Firmeza, Marfox e Nervoso. Estes são os três nomes que, quando nós começamos, já estavam na luta, e foi com eles inclusive que aprendemos e temos a oportunidade ainda de partilhar experiências. A estes três nossos amigos tiramos o chapéu mesmo. Mas não invalida que até hoje não sejamos influenciados por outros artistas ou até mesmo coisas banais no dia a dia. Por exemplo, até esta pandemia tornou-se uma influência, e fez-nos criar dois temas. (risos) Sem contar a influência das músicas africanas consumidas pelos nossos familiares e afins.
Como santomenses, sentem que representam ou fazem questão de representar o vosso país?
Complicado. Há grandes nomes na música santomense. Mas o reconhecimento e a valorização é tão fraca pelos próprios santomenses que, vamos ser sinceros, antes era até desmotivador. É tão simples assim. És francês, jogas futebol. Não vais querer representar o teu país na seleção? É o mesmo entendes. No nosso caso com o tempo as coisas mudaram, até foi uma mudança recente, a tua música chega mais rápido e com mais facilidade às pessoas, e temos sentido carinho do povo santomense, então claro que isso faz-nos querer mais e mais e levar à frente São Tomé, e se for através da nossa música, melhor ainda. Portanto, sim, sempre que houver oportunidade, levamos a bandeira de São Tomé e Príncipe connosco.
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Como é que podemos caracterizar a vossa música?
A nossa música nós descrevemos exactamente assim, é uma viagem de ritmos africanos clássicos com um toque de música electrónica à mistura, que pode ser consumida em qualquer ocasião da tua vida. E isso resulta assim numa espécie de sonoridade única dentro do género “Afro house”.
Como nasceu a parceria entre vocês e o Vila Tokes? Tendo em conta que “Taviibem” foi muito bem recebida nas noites africanas.
Esta parceria nasce após o lançamento do tema “Kapiro”, em que o grupo Vila Tokes já tinha a letra para a elaboração da música “Tavibem”, em 2017. Essa junção com o grupo angolano resultou mais tarde no lançamento do videoclipe Official. O “Kapiro” a nível de beat estava muito forte em Angola, e até hoje é bastante consumido, e o próprio tema “Taviibem” ajudou-nos a nos posicionarmos no mercado como DJs produtores.
“Puntada” já conta com mais de um milhão de visualizações e “Sabanaxua” está num bom caminho. Como acham que o público recebe as vossas músicas?
“Puntada” é e será o nosso bebé. Deu-nos valor no que diz respeito a fixar-nos no mercado. E claro que isso tem um sabor diferente, então atingir um milhão de views num ano… imagina o orgulho. Até porque no nosso meio é muito difícil que um afro house atinja esse tipo de views em um ano. Não é preciso dar exemplos, basta só fazermos uma pesquisa. O “Sabanaxua” mostra outro nível da nossa parte. Damos mais ênfase aos instrumentos em si. Graças a Deus, a malta recebe bem os nossos sons, aliás pedem-nos que soltemos inclusive mais e mais. O objectivo é esse, conseguir que a nossa música seja ouvida sem fronteiras e que chegue a todos.
O que podemos esperar mais? Ou o que já têm preparado para mostrar ao público?
O que nós garantimos é que nunca vamos parar. Posso te dizer que todos os dias produzimos, e só por aí já sabes que vem aí muita coisa boa. Desta vez queremos apostar mais em bons lançamentos, fazer as coisas bem para que chegue tudo direitinho até vocês. E sim já temos algumas faixas preparadas para o público, aliás temos sempre, daí que 80% dos nossos sets são músicas exclusivamente produzidas e feitas por nós.
Relembramos-te que a BANTUMEN disponibiliza todo o tipo de conteúdos multimédia, através de várias plataformas online. Podes ouvir os nossos podcasts através do Soundcloud, Itunes ou Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis através do nosso canal de YouTube.
Wilds Gomes
Sou um tipo fora do vulgar, tal e qual o meu nome. Vivo num caos organizado entre o Ethos, Pathos e Logos – coisas que aprendi no curso de Comunicação e Jornalismo.
Do Calulu de São Tomé a Cachupa de Cabo-Verde, tenho as raízes lusófonas bem vincadas. Sou tudo e um pouco, e de tudo escrevo, afinal tudo é possível quando se escreve.