Ao contrário do que se pensa, uma minoria não é uma parte da população de uma determinada etnia, confissão religiosa ou orientação sexual que está em inferioridade numérica em relação a uma outra, mas em representação. Isto significa que estas pessoas não são, ou são muito pouco, representadas no espaço público, como na política, televisão, novelas, filmes, no jornalismo, na arte, e nos cargos de maior poder e prestígio social.
Para mudar esse espectro social, vemos surgir projetos como The Blacker The Berry, criado por Jesualdo Lopes, que quer enaltecer o trabalho de artistas negros LGBTQI+ e não só.
A ideia surgiu logo após ter-se mudado de Portugal para a Leeds, no norte de Inglaterra, onde a grande parte da comunidade estudantil é branca. “O projecto nasceu de conversas com os meus amigos negros, onde toda a gente parecia concordar que há uma grande falta de visibilidade/representatividade de nós estudantes criativos negros, principalmente LGBTQI+, não só no nosso meio universitário mas também na cidade. Decidi então seguir os passos de uma iniciativa criada aqui, há um ano, chamada Racezine e que era basicamente um safe space para estudantes como nós. O fundador dessa comunidade entretanto licenciou-se, voltou para Londres e eu senti que deveria dar continuidade a algo do género para outros alunos do mesmo ano e até caloiros que escolham estudar aqui nos próximos anos letivos”, explicou-nos Jesualdo.
The Blacker The Berry tem como objetivo enaltecer a voz de artistas negros queer, não-binários e/ou transexuais, organizando exibições, palestras, workshops, festas e uma zine [magazine] que está agora disponível para compra no site do projecto.
O projeto tem também um lado solidário. Por cada venda é doado um valor para causas à escolha, mas tudo dentro da comunidade PALOP e Afro-Caribenha. A ideia das doações surgiu depois de Jesualdo ter assistido a um documentário da SIC, sobre o efeito do colonialismo português na Guiné-Bissau. “O que me deixou extremamente revoltado e com vontade de fazer algo. Do pouco que tenho, tento dar à minha terra-mãe, especialmente por nunca ter lá estado e assim criar uma conexão especial com os meus conterrâneos”.
“Como estudante de cinema, sinto que as minorias não são devidamente representadas e quando o ‘são’ é sempre à base do estereótipo. No caso da comunidade negra, é sabido que Hollywood, entre outras indústrias cinematográficas, usam o trauma de afro-americanos – violência policial, por exemplo – de maneira a lucrar com algo que tem um real impacto nas suas vidas e dando uma falsa sensação de representatividade no cinema. Como LGBTQ+ não me sinto representado, visto que uma grande parte dos filmes que caem dentro essa temática são protagonizados por atores caucasianos e tendo em conta que a cultura é bastante diferente não se torna 100% fiel às experiências de LGBTQ+ negros asiáticos ou de outras etnias não-brancas”, reforçou Jesualdo.
O estudante está ciente de que para mudar essa narrativa é necessário não só meter pessoas negras em frente das câmaras, mas também no backstage, desde escritores a produtores, realizadores ou assistentes de luz, “pois de nada serve meterem-nos em papéis que enaltecem o trauma se quem está ‘no comando’ é quem perpetua o mesmo”.
No dia 20 de março, foi organizado o primeiro evento online do The Blacker The Berry, com atuações de artistas negros portugueses e britânicos e onde todo o dinheiro arrecadado foi dividido e doado a quatro instituições e causas entre a comunidade, como a Casa T Lisboa, Deisom Camará, a reconstrução do Hospital do Bom Samaritano, na Guiné-Bissau, e a associação angolana Jipangue.
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Wilds Gomes
Sou um tipo fora do vulgar, tal e qual o meu nome. Vivo num caos organizado entre o Ethos, Pathos e Logos – coisas que aprendi no curso de Comunicação e Jornalismo.
Do Calulu de São Tomé a Cachupa de Cabo-Verde, tenho as raízes lusófonas bem vincadas. Sou tudo e um pouco, e de tudo escrevo, afinal tudo é possível quando se escreve.