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O “Antes e Depois” de Toty Sa’Med com o pop à mistura

Toty Sa’Med
Toty Sa’Med | Foto: Rafael D'Oliveira

Até muito recentemente, Toty Sa’Med encarnou o papel de gavinha entre as novas gerações e a Música Popular Angolana (MPA), ao reintepretar e adaptar às sonoridades modernas clássicos de eruditos da MPA, como Ruy Mingas, Bonga ou Artur Nunes.

Hoje, a viver em Lisboa desde 2020 e depois de difundir o seu nome como exímio produtor, cantor, compositor e multi-instrumentista em Angola, Toty está investido em lançar para o público as suas diferentes facetas artísticas. O resultado dessa necessidade surge com “Antes e Depois”, o seu novo single, que desprende-se das influências do jazz e pende para o pop, sempre com a MPA na pauta. “Este Toty não é novo, é um Toty que surge agora aos ouvidos das pessoas. O meu background é muito pop, eu é que escolhi um caminho mais jazz no princípio, para o meu EP [Ingombota, 2016, Musseke], mas mesmo o “Maldita” já pega um bocadinho da cultura pop. Treinei-me muito como guitarrista e isso transparece muito no “Maldita”, mas como tenho outras nuances, quis explorar mais isso. Além também do facto de querer mostrar que, como escrevo para outras pessoas assim, também posso escrever para mim assim”, confidenciou-nos o músico em conversa telefónica com Eddie Pipocas.

O single é uma amostra do que aí vem em Moxi, o álbum de estreia de Toty, que vai sair com o selo da Kiôlo, produtora de Kalaf Epalanga e que assina também Nayela e Dino d’Santiago. “Quando tens pouca discografia, consegues mostrar várias fases, várias facetas ao longo do tempo. [Em Moxi,] acredito que, como bebi muito dessa cena [pop e rnb moderna], de um Frank Ocean [conhecido por casar estilos avant-guardistas com letras introspetivas e elípticas], acabo por fazer esse mix mas sempre com um tom muito africano”, salienta.

Toty Sa'Med | DR
Toty Sa’Med | Foto: Rafael D’Oliveira

No período de desconfinamento, Toty trocou a solidão do estúdio caseiro por sessões de escrita e produção coletiva para artistas como Dino, Kady e Irma, o que acabou por também reverberar nas novas criações do próprio artista e proporcionar a ousadia de combinar o semba de Bonga e Lilly Tchiumba com a soul vintage de Curtis Mayfield e Dinny Hathaway. O artista explica que esse processo criativo foi divertido “porque música pop é sempre um bocadinho mais divertida do que a música mais “cerebral”, que pede um exercício intelectual mais sério. Divertido até nem é a palavra, é mais descomprometido, mas [criar música pop] também é difícil, tem o seu grau de dificuldade”.

Investigador e instigador confesso de uma perfeição quase intangível, a pandemia revelou-se boa conselheira ao permitir “largar um bocado as coisas, deixá-las respirar como saíram, em vez de estar sempre a tentar melhorar”. Afinal, às vezes, “as coisas são como são”, basta ter o bom senso afinado para aceitar. “O perfeccionismo é obsessivo mas ajuda-me também com o rigor das coisas. O ‘Antes e Depois’ é um exercício de simplificação, que me ajuda como criador”.

Na Kiôlo, a sua presença ouve-se em quase todos os trabalhos. A culpa, diz o próprio, é dos seus skills técnicos e da cultura musical aprofundada que tem. “A produtora acaba por usar esse meu expertise e acabo por ser central na produção”.

Contudo, “há um respeito interno, que vai do Seiji, Kalaf, eu e Nayela, pelo que cada um quer traduzir. Vamos nos ajudando uns aos outros a traduzir aquilo que cada um quer que saia nas músicas. É por isso que vês que estamos sempre a contribuir nos trabalhos uns dos outros”.

Sinto-me um instrumento do tempo e da cultura

Toty Sa’Med

Ancorados no seu conhecimento musical e no facto de estar a trabalhar com diferentes artistas lusófonos, questionámos Toty se se sente como um elemento de ligação e potenciador dessas misturas sonoras, sobretudo, entre os PALOP, à imagem de, por exemplo, Manecas Costa, guitarrista guineense ímpar com diversos trabalhos de sucesso com artistas de Cabo Verde, Angola, São Tomé e Moçambique. Com uma clara noção da problemática da nomenclatura Lusofonia – que perpétua noções e sentimentos colonialistas sobre o conjunto de países de fala oficial portuguesa, pese embora esta seja minoritária na maioria desses Estados. Citando o autor cabo-verdiano Germano de Almeida, o termo correto a utilizar seria Lusografia, visto a escrita ser o único denominador comum entre as diferentes nações -, Toty afirma que tem legitimidade para definir ou rotular quem, daqui a muitos anos, estiver a estudar a História.

“Não há como um Semba não influenciar a Coladeira, a Coladeira não influenciar a Kilapanga ou Kilapanga não influenciar a Marrabenta, porque nós somos um mercado uns para os outros. A música moçambicana tem de olhar para os angolanos, os músicos cabo-verdianos têm de olhar para os guineenses como público e assim sucessivamente. E aqui em Lisboa, que representa Portugal por estar tudo mais concentrado aqui, nós estamos a partilhar o mesmo espaço geográfico, independentemente das nossas nacionalidades. O que vejo em termos de sonoridade, nós vamos sim beber uns dos outros e tentar respeitar o background de cada um. Mesmo eu e a Nayela, somos os dois angolanos mas temos backgrounds e vivências super diferentes e, quando criamos um para o outro, respeitamos isso. Sem soar pretensioso, acho que quem faz a história, quem vive a história, não pensa na história. Eu apenas sinto-me um instrumento do tempo e da cultura. Sinto só que estou a fazer. Amanhã, quem tem que julgar é quem vai estudar a história. E não é agora, é daqui a 20 anos, quando passar este momento”.

Toty Sa’Med
Toty Sa’Med | Foto: Rafael D’Oliveira

Essa libertinagem sonora, própria do mundo global que hoje experienciamos, permite-lhe também não ter noção do peso das ligações e misturas que cria na música afro-diaspórica. “Não sinto responsabilidade porque não penso nisso como uma missão. Sou um homem, ou um ser humano, que tem os skills que a circunstância pede. Assim como se perguntares ao Manecas se ele é uma ponte entre a Lusofonia ele vai dizer ‘não sei’. Gosto de cantar, gosto de tocar, sou amigo do Paulo Flores, da Lura e estou aqui só. As minhas guitarras vais ouvir nos discos do Djeff até aos discos que se fazem na Klasszik, na Kiôlo, do Djodje, vais ouvir todo o mundo, porque o Manecas é essa força. Quem está no campo de batalha, não está a pensar no que vão escrever sobre essa batalha. Ele está só a viver a batalha.”

Sobre a apresentação do seu Moxi (que em kimbundu significa número um ou primeiro), é certo que passará por Angola. Na indústria vale tudo, menos esquecer as origens. “Eu quero muito apresentar o álbum em Angola, só faz sentido se levar isto para Angola e experenciar esse resultado com as pessoas que me fizeram ser quem sou. Principalmente na minha cidade. É o meu país. Apesar de hoje estar fora, Angola não pode sair da equação. Como para qualquer músico que se considere angolano. Temos um compromisso com a nossa terra, com a nossa cultura. Independentemente de qualquer momento político, nunca irei negligenciar as pessoas que me fizeram ser quem sou“, retorquiu o artista.

De salientar que, enquanto aguardamos o lançamento do primeiro álbum de Toty Sa’Med – previsto para outubro – podes ouvir a música “Antes e Depois” em todas as plataformas de streaming.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

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