Telma Marlise Escórcio da Silva é Tvon, primeiro pseudónimo artístico e agora também literário. É rapper, escritora, mas é antes de tudo mulher e negra, e quando precisa se definir, enche a boca para usar essas duas últimas palavras. Nasceu em Angola, num dia de chuva tropical na movimentada Luanda, no mês de abril.
Quis o fado assim que a cor da pele fosse motivo para que se questionasse a origem, mesmo aos afrodescendentes nascidos em Portugal. “És preto e nasceste aqui? Mas vá diz lá de onde és” é uma das frases mais repetidas aos afrodescendentes nesta sociedade cada vez mais multicultural, onde muitos são vistos como estrangeiros no seu próprio país.
E é nesta sequência que a BANTUMEN falou com Tvon, acerca do seu livro lançado no final do ano de 2017, intitulado Um Preto Muito Português. Vamos dar-te quatro motivos para o leres.
Telma não nasceu em Portugal, mas toda a sua vida foi passada na terra de Dom Afonso Henriques. Desde a escola básica até aos dias de hoje. É licenciada em Estudos Africanos pela Faculdade de Letras da Universade de Lisboa e Mestre em Serviço Social pelo ISCTE-IUL.
Como já dito acima, além de escritora, é também rapper, mas sobretudo amante da cultura Hip Hop. Foi através da música que deu os primeiros passos na escrita, onde abriu mais os seus horizontes e onde retratava de forma detalhada as suas experiências e de quem estava à sua volta. Defende com “unhas e dentes” os Direitos Humanos e abraça a Literatura Africana como se da sua extensão se tratassem.
O livro é um culminar da sua vida, mas não a retrata. É o seu grito de revolta contra o preconceito. “Um Preto Muito Português porque está relacionado com uma realidade que nós [pretos/afrodescentes] vivemos diaramente. No meu caso como angolana não senti isso, mas a maior parte das pessoas que me são proximas, são pretas e nasceram em Portugal e não se identificam porque não lhes é dada a oportunidade de se identificarem como tal, no fundo a cor é uma nação mais do que o país onde tu nasces”, explicou-nos Tvon.
Um Preto Muito Português é um livro que aborda questões de identidade referentes a um jovem nascido e educado em Portugal, descendente de cabo-verdianos.
“Sou filho de cabo-verdianos que há muito residem em Portugal. Sou neto de cabo-verdianos que nunca conheceram Portugal. Sou bisneto de holandeses que mal conheceram Portugal. Sou bisneto de africanas que muito ouviram falar de Portugal. E de onde sou eu? Eu até sou nascido em Lisboa, mas sou tão tido como estrangeiro. Não por minha opção, no princípio, mas depois com o tempo, com as pessoas, apercebi-me de que era um dos inúmeros lisboetas não considerados alfacinhas. O meu nome é João mas eu conheço-me como Budjurra, ainda que este não esteja no meu BI [Bilhete de Identificação] Amarelo, esse documento que me foi tão difícil obter.”
Lê-se ao folhear as primeiras páginas do livro que nasceu de rimas. “Eu cantava rap, estava a escrever umas rimas, queria apenas 16 barras [risos]. E não consegui parar por aí, estás a ver quando estás a escrever bué com bué ideias e não conseguess parar? E quando dei por mim já tinha duas páginas de word(…) continuei a escrever e já tinha 20 páginas e depois 50. A minha irmã foi quem sugeriu escrever um livro, não acreditei que quisessem ler o que eu estava a escrever, mas apostei e foi tudo muito rápido, desde o aparecimento da editora ao lançamento do livro”, disse Tvon.
A temática do livro foi o que chamou a atenção da editora Chiado, vivemos neste momento numa altura em que a afrodescendência se faz notar, há muito por onde debater sobre isso. E um livro pode escalrecer algumas dúvidas.
Se fizermos uma análise à sociedade portuguesa, podemos constatar que o número de afrodescendentes aumentou. Mas ao mesmo tempo, há cerca de 10 anos atrás era impensável dizermos que existem pretos portugueses, a reação recebida não era das melhores, mas agora já podemos falar disso sem tabus. Telma está neste momento no processo criativo de uma nova edição do seu livro, com o mesmo título, mas focada nas mulheres. E enquanto isso não acontece, aqui deixamos quatro motivos pelos quais deves ler Um Preto Muito Português: