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MIA 2024

Da essência humana ao maquínico: considerações sobre os sistemas de seleção

5 de Março de 2024
Da essência humana ao maquínico: considerações sobre os sistemas de seleção

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Em um cenário onde as escolhas são moldadas pela constante presença da inteligência artificial, surge a indagação: o que representam os processos de curadoria? Quem cura quem cura?

(se·le·ci·o·nar), do latim selectio.onis + ar, como do fr. selectionner
Fazer seleção ou escolha de; escolher conforme determinadas preferências.
Escolher e pôr à parte dentre muitas opções.
Fonte: Michaelis.

(cu·ra·do·ri·a), do latim curatoria.ae.
Ato ou efeito de curar.
Cargo, poder, função ou administração de curador; curatela.
Fonte: Michaelis.

Escrever um texto é essencialmente fazer escolhas: escolher palavras, caminhos, narrativas e intenções. E este texto, antes de tudo, é um diálogo entre palavras escolhidas pelo humano e pela máquina.

Selecionar obras para uma exposição, espetáculos para um festival, livros para uma premiação ou pessoas para um cargo são escolhas. Contudo, é também um exercício de poder. A pessoa ou o grupo que faz o trabalho de escolha se acumulou de técnicas, experiências e vivências, alguns com um vasto repertório e outros com especializações aprofundadas em tema único, os respectivos generalistas e especialistas. Entretanto, se voltarmos um pouco no tempo, perceberemos que a relação entre humano e máquina existe há alguns bons pares de décadas. Como descrito no artigo de Beiguelman sobre o diálogo entre o artista e a máquina, há caminhos de funcionalidade e de criação nessa relação. Na perspectiva de seleção dentro dos ambientes corporativos, o uso de IA hoje é amplamente visto em plataformas de filtragem e seleção de currículos. Algoritmos colaboram para a seleção com base em desenhos propostos pelo ser humano: o “poder” de inserção de inputs para o desenho de um perfil a ser selecionado é de quem escolhe. No campo das artes, nesse mesmo artigo, a artista traz como exemplo o poema Um Lance de Dados, de 1897. Mallarmé, poeta e crítico literário francês, usou diversos suportes de mídia para criar aquele poema. Podemos ainda citar AARON, de Harold Cohen, criado e desenvolvido entre 1972 e 2010, reconhecido como o primeiro e mais complexo software generativo nas criações artísticas. A IA está também no preditivo das mídias sociais, ou seja, no feed que aparece em nosso perfil e ainda nos usos de e-commerce, bancos, músicas e filmes em streamings.

Em uma realidade onde as seleções acontecem com a presença constante da inteligência artificial, o que passam a ser os resultados de curadoria? Quem cura quem cura? Como se dão os entrelaçamentos nas relações de poder? Essas são algumas perguntas basilares para a compreensão do emaranhado nas relações de poder.

Na esfera das artes, a curadoria é o exercício das escolhas para condução de observação do mundo. Quando vamos a uma exposição, as escolhas feitas por profissionais da área foram feitas com a intenção de intermediar produção e recepção, ou produção e consumo. Um papel que podemos chamar de “narrar mundos”. Um percurso foi escolhido e ele pode ser da ordem das disputas do presente, das histórias do passado ou das intenções do futuro. Cada escolha carrega as subjetividades individuais e coletivas de quem escolhe. Ainda que argumentemos sobre imparcialidades, são as subjetividades constituídas no sujeito que falam sobre suas escolhas técnicas. As escolhas individuais expressam as construções mais íntimas do sujeito, e as coletivas, sua presença dentro de uma geração ou dos recortes temporais cartesianos. Na história da arte difundida pela Europa, a Renaissance é uma escolha política, econômica e cultural de formação da sociedade entre os séculos XIV e XVI; as Vanguardas Europeias (​​avant-garde) são incentivos às rupturas entre a arte moderna, início do século XX e as tradições culturais do século anterior, cumprindo também um caráter político, social e artístico na formação da sociedade. Quando saímos da Europa e pensamos nos artefatos africanos (objetos de ação), também podemos refletir sobre escolhas ritualísticas e artísticas em que tais produções estão inseridas. É importante salientar que o termo artefato, usado neste texto, tem o papel apenas de direcionamento daquilo que está inserido na cultura africana – como a não dissociação entre arte e artefato, pois seus objetos têm sentidos de construção coletiva e diálogos comunitários, não se separam.

Ao avançarmos em direção ao ambiente corporativo, as escolhas curatoriais desempenham papéis cruciais: processos seletivos para formação de equipes, curadoria de conteúdos para a construção e posicionamento de uma marca no mercado, ou, ainda, em estratégias para promoção do diálogo entre marca e público. Novamente, apesar de muitas vezes serem apresentadas como escolhas imparciais e estritamente técnicas, são as subjetividades individuais e coletivas que, na perspectiva do olhar humano, delineiam o curso das narrativas. Os integrantes de conselhos de grandes empresas, ao serem escolhidos, devem preencher uma série de requisitos para serem aceitos. Contudo, é, como diz Cida Bento, O Pacto da Branquitude e suas relações no café da manhã, contribuidoras para as tomadas de decisão sobre quem entra e quem sai, são as escolhas baseadas nas relações que darão a direção. Por conseguinte, são os conselhos que definem quem serão suas lideranças e, em cascata, as lideranças decidem quem fará parte de suas equipes. Na ponta, ou melhor, na operacionalização das escolhas, o fio de decisão e de escolha, ainda que exista, é sustentado por uma linha muito fina – momento em que se utilizar de técnicas ou de artefatos tecnológicos (algoritmos, por exemplo) se torna a estratégia mais segura. Afinal, não são somente as relações que definirão as escolhas: a orientação, o pacto entre pares e imagem a ser viralizada são também ferramentas de proteção da escolha.

Seja no âmbito humano ou maquínico, a pergunta persiste: quem, de fato, escolhe? Se reconhecemos que não há imparcialidade nas escolhas, devemos indagar sobre a natureza delas, seja no humano ou no maquínico. Em um mundo em constante evolução do trabalho, é imperativo considerar não apenas a técnica em si, mas também quem está por trás das escolhas. Ao pensarmos em que se constitui um sistema de escolhas, como podemos atuar para que haja uma presença mais diversificada dentro dos espaços de tomada de decisão?

No diálogo entre o humano e a máquina sugerimos algumas direções:

Sugestões da máquina – Chat GPTSugestões de quem escreve este texto
Promoção de Educação e Conscientização: Sugira a implementação de programas educativos que promovam a conscientização sobre a importância da diversidade e inclusão.
Revisão de Políticas Internas: Incentive as organizações a revisarem suas políticas internas de recrutamento, promoção e liderança para garantir práticas mais inclusivas.
Utilização de Tecnologias com Consciência: Ao adotar sistemas automatizados, destaque a importância de desenvolver e utilizar tecnologias com consciência da diversidade e com mecanismos para evitar preconceitos algorítmicos.
Fomento à Cultura Organizacional Inclusiva: Sugira a promoção de uma cultura organizacional que valorize e celebre a diversidade, incentivando o respeito às diferentes perspectivas e experiências.
Monitoramento e Avaliação Contínua: Proporcione diretrizes para implementar sistemas de monitoramento e avaliação contínua para garantir a eficácia das iniciativas de diversidade.

Incentivar a prática de se fazerem perguntas. São as perguntas, mais do que as respostas, as grandes propulsoras das transformações na humanidade. Dessa forma, contribua para que as pessoas aprendam a fazer bons questionamentos. 
Incentivar relações de autonomia e emancipação ao invés de relações assistencialistas. Garanta acesso à pesquisa, desenvolvimento e estudos complementares em temáticas para além da formação técnica.
Reconhecer o campo das artes como espaço de produção de subjetividades, pensamento crítico e ampliação de visão de mundo. Fomente ações culturais dentro e fora das estruturas institucionais.
Incentivar e promover formas de inclusão das pessoas funcionárias nos programas e projetos culturais promovidos dentro das instituições e nas cidades. Inclua nas propostas: formação voluntária nos temas dos programas de projetos, mobilidade para acesso às atividades propostas, programas de aquisição de ingressos.
Inserir processos criativos na implementação de programas de diversidade e inclusão. Busque aproximar artistas criadores e equipes que promovem processos de seleção, tendo olhar atento para o diálogo entre os diversos setores das instituições.

No exercício proposto, um diálogo entre o humano e a máquina, à esquerda temos uma listagem de ações comum às propostas que estão sendo feitas para lidar com a urgência de transformações nas relações de trabalho, seja no âmbito das artes ou do ambiente corporativo. No segundo quadrante, sugestões de ações de mobilidade e transformação social, listagem que propõe ações no âmbito de mudanças estruturais, incluindo a forma de pensar. 

Pergunto: 

  • Se estamos em busca de transformações profundas na sociedade, ir mais fundo nas proposições não seria um gesto mais efetivo? 
  • Os investimentos em ações pontuais e superficiais não implicariam gastos desnecessários de energias mobilizadoras, tempo e dinheiro? 
  • Quem escolhe quem escolhe estaria mais interessado em transformações estruturais ou está sereno quanto aos prejuízos, inclusive já os prevendo nos planejamentos?

Em um sistema de escolhas, garantir o acesso às diversas formas de pensar, discutir, decidir e executar ações é um gesto para futuros mais dinâmicos e criativos. Um futuro em diálogo com e para o humano!

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