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“Foreigners Everywhere“ (estrangeiros em todo o lado) é uma afirmação, uma celebração ou um lema existencial que tanto pode ser visto como um mote que comemora a diversidade ou como um hino que exalta a xenofobia na extrema-direita. Tal como a arte, o tema deste ano está aberto à interpretação, provoca uma reflexão sobre o tempo em que vivemos e estimula a imaginação.
Estamos num mundo onde muitos da geração Y e Z, e mesmo da X, são nómadas digitais em busca de um estilo de vida ideal, juntando-se ao fenómeno que já vem de gerações onde mudanças socioeconómicas, culturais ou ecológicas obrigam à migração de várias pessoas. Igualmente, estamos num mundo de dilemas. É bem sabido que vários países do sul da Europa como a Itália (entre outros no famoso Norte Global) estão com problemas de natalidade, onde as gerações não se renovam, e muita juventude emigra para outras geografias em busca de oportunidades melhores. Enquanto isso, vários no Sul Global tentam encontrar fórmulas contra a “fuga de cérebros“.
E o que a arte tem a ver com isto tudo?
Além de me sentir um “estrangeiro em todo o lado“, desde a minha infância, dentro e fora do que seriam o(s) meu(s) lugar(es) biológico-culturais (ou seja, Angola e/ou Portugal), também posso considerar-me um “estrangeiro“ no mundo das artes.
Como praticante de disciplinas criativas, profissionalmente com rótulo de ser um criador de “arte comercial“, sempre me fascinou o eterno conflito que existe no mundo da arte entre arte e comércio. Afinal, para muitos no mundo da “arte“ (high art ou belas artes/altas artes), ainda existe um certo preconceito para praticantes de formas de “low art“ (arte baixa ou arte comercial) como as que eu e meus homólogos praticamos, por ser de fácil acesso ou consumo pelas massas e sem barreiras de consumo, seja ele económico ou académico. Ironicamente, tanto a high art como a low art não sobrevivem sem o seu comércio, consumo ou financiamento, seja ele por mecenas privados, entidades públicas, marcas comerciais ou pelo consumidor final.
Eventos como a Bienal de Veneza são o equivalente a parques de diversões para artistas, galeristas, colecionadores e espectadores amantes das artes. Presenciar este tipo de fenómeno relembra-me de facto o quanto o mundo da high art visual é um microcosmo fascinante de ironia, contradições e muita poesia.
Afinal, seja na Biennale de Veneza ou eventos semelhantes ou nas galerias que representam os artistas presentes, estamos a falar de mentes provocadoras de uma elite económica muito específica que, habitualmente, contesta o capitalismo enquanto está a vender uma visão criativa às elites económico-financeiras de variadas geografias. Várias tendências são criadas, diálogos complexos criados e milhares de mentes são inspiradas, incluindo amantes das artes de vários géneros, raças, credos, etnias e situações sociais.
Navegando nesta maré de reflexões existenciais sobre a dança constante entre arte e comércio, bem como entre o Mundo das Artes e Sustentabilidade, o Engenho Humano versus a Inteligência Artificial, ou do Ser Humano versus Planeta Terra, encontram-se o grupo de “estrangeiros“ mais badalados do último meio século e desta década: As/Os/x Filhas/os/X de África.
Este ano é notório o furor, curiosidade e encanto dos pavilhões dos países africanos que marcaram presença, incluindo a Nigéria (com a curadoria de Aindrea Emelife), o Benin (com a curadoria de Azu Nwagbogu, Yassine Lassissi, Franck Houndégla), o Zimbabwe (com a curadoria de Fadzai Veronica Muchemwa), o Senegal (com a curadoria de Massamba Mbaye), a Tanzânia (com a curadoria de Enrico Bittoto), a Etiópia (com a curadoria de Lemn Sissay), os Camarões (com a curadoria de Paul Emmanuel Loga Mahop), República Democrática do Congo (com a curadoria de Michele Gervasuti), Côte D’Ivoire (com a curadoria de Simon Njami), a África do Sul (com a curadoria de Portia Malatjie), Uganda (com a curadoria de Elizabeth Acaye Kerunen) e o Egito (com a curadoria de Wael Shawky).
Além de um grande orgulho para o continente berço, estas presenças que representam diversas geografias e estéticas africanas contribuem ao mosaico visual desenvolvido pelo curador da Bienal Veneza, o curador brasileiro e diretor do Museu de Arte de São Paulo, Adriano Pedrosa.
Os pavilhões centrais deixam uma clara ode à indignidade. A envolvência estética da Biennale deixa nítida a sensação de que somos todos estrangeiros em algum lugar e indígenas de alguma raiz. As texturas são um inequívoco recurso a estereótipos de estéticas indígenas pré-colombianas mesoamericanas e uma celebração arrojada da cultura visual das Américas, utilizando componentes que remontam às raízes indígenas dos continentes Africano, Asiático, Europeu, das Américas e Oceânia num mosaico que quebra barreiras entre a ancestralidade e a contemporaneidade.
A 60ª edição da Bienal de Veneza abriu no dia 20 de abril de 2024 e encerra no dia 24 de novembro de 2024 na cidade de Veneza (Itália).
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