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Nos preparativos da abertura do Armando Cabral Mercado em Nova Iorque, Armando Cabral, modelo, designer e fundador da marca homónima de calçados e acessórios masculinos de luxo, conversou com a BANTUMEN sobre a sua visão do mundo da moda, o início da sua carreira, a sua vida nos Estados Unidos e como as raízes guineenses desempenham um papel único na sua obra.
Armando Cabral nasceu na Guiné-Bissau e aos três anos mudou-se com a família para Lisboa. Cresceu na Amadora e foi com a irmã – que já era modelo – que deu os primeiros passos no mundo da Moda. “Lembro-me perfeitamente. Foi num dia em que vim da escola e ela convidou-me e disse: “Olha, queres vir comigo na minha aula de passerelle?’”
Aos 18 foi para Londres estudar Gestão na London Metropolitan, enquanto consolidava a carreira no mundo da moda. Aos 21 anos, Cabral assinou o contrato com uma agência de modelos, após três tentativas falhadas. O problema “não era propriamente eu, era o meu book. Precisava de trabalhar um bocadinho o meu book antes de eles considerarem-me”, disse-nos.
Uma vez agenciado em Londres – fase que considera ter sido a mais difícil da sua carreira – o primeiro trabalho como modelo foi para a i-D Magazine, com o fotógrafo Nick Knight, “um dos mais conceituados em Londres, em Inglaterra”, relembra.
Após concluir a faculdade, mudou-se para Nova Iorque, trabalhou na Wall Street, mas foi em 2008 que a sua paixão por sapatos o fez transicionar para o mundo do design de moda. O veterano da passerelle lançou a sua coleção homónima de mocassins, botas e calçados clássicos.
O ex-modelo descreve o seu estilo pessoal como “confortável, elegante, clássico e muito individual.” Não gosta de tendências, gosta de ser um pouco diferente, mas à sua maneira. “Gosto de me sentir confortável na minha pele”, confirma.
A marca Armando Cabral tem sido, segundo o criador, uma evolução contínua, uma extensão da sua pessoa e agora quer explorar mais a herança têxtil da Guiné-Bissau, o país que o viu nascer.
O designer disse que – apesar de todos os males que advieram dos últimos dois anos e que o mundo tem vivenciado – a quarentena ajudou-o a reorganizar as prioridades e ressalta que a trágica morte de George Floyd fê-lo refletir. “Apesar de ser negro a viver nos Estados Unidos, nunca tive experiências em que possa dizer que sofri de racismo, senti isto ou alguém me tratou dessa forma. Vendo que aquilo era uma coisa diária aqui na comunidade negra, teve um impacto enorme em mim”, relata.
Foi daí que certas questões começaram a surgir. “Como, com a marca, podemos comunicar e dar às pessoas a conhecer mais as minhas origens e falar um pouco mais daquilo que é para nós o nosso orgulho: ser africano e toda a história africana que parece que muitas pessoas desconhecem?”. Assim começou uma nova etapa de mudar o conceito da marca e tentar contar um pouco da sua história. O resultado foi a coleção de 2021, “A new vision”, que inspira-se na herança cultural guineense do designer e que “marca o início de uma nova direção para Armando Cabral . À medida que abraçamos os têxteis artesanais africanos combinados com o artesanato italiano sob medida”, como se pode ler no site oficial.
Armando define a brand como uma comunidade que pode educar e transformar a vida das pessoas. “Cada trimestre, fazemos doações, por exemplo, de vendas para causas que têm a ver com a educação e desenvolvimento em África. Por exemplo, até agora já fizemos uma doação de 15 mil dólares, portanto é uma marca que é uma comunidade”, explica. Com a coleção de outono/inverno 2021, a marca vai doar os rendimentos de cada compra para apoiar causas como Black Lives Matter e a Educação na Guiné-Bissau. O objetivo maior é ter a possibilidade de contribuir de forma positiva a um nível global e “divulgar aquilo que sou, aquilo que conheço, aquilo que é nosso”, afirma.
Com mais de 15 anos a desfilar nas grandes capitais da moda para a nata da alta costura internacional, o supermodelo, galardoado como GQ Man of the year, em 2013, e como uma das Personalidades Negras Mais Influentes da Lusofonia, na PowerList100, em 2021, Armando acredita que a inclusividade no mundo da moda é um caminho traçado. “Espero que isto não seja só uma coisa que é temporária ou que simplesmente é uma trend como é habitual na moda, mas é um momento excepcional de ver pessoas e diversidade e inclusividade que existe na moda.”
O modelo veterano inspira-se em tudo o que o rodeia, principalmente nas viagens que faz e nas pessoas que vai encontrando pelo caminho. No entanto, o processo criativo arranca só depois de responder às suas próprias perguntas: “Como é que eu me vestiria se estivesse aqui, se fosse o consumidor desta marca e, a partir daí, pensamos e, dependendo da estação, faço algumas propostas e, juntamente com a equipa de design, fazemos design técnico e vamos aos protótipos”.
Apesar de não ter formação em design, Armando diz que o curso de Gestão e Finanças que fez é uma mais-valia, pois trouxe dele o “pensamento de um consumidor.” Nessa lógica, identificou-nos dois critérios que refletem a sua marca mas também a sua pessoa: o conforto e a funcionalidade do produto.
Desenhados em Nova Iorque e feitos à mão em Itália, os sapatos Armando Cabral têm nomes com uma finalidade específica. “Temos um mocassin que se chama Bissau, temos Quebo, temos Bula. Porque, mais uma vez, é uma forma de poder iniciar uma conversa. Uma pessoa pergunta ‘mas porquê Quebo?’ e a partir daí começa uma explicação e em que podemos explicar o que é Quebo, onde é que é, o que é que isto”, esclarece.
Já a cor e a textura que cobrem cada produto dependem “muito da estação e dependem muito dos materiais na verdade. Gosto de cores, gosto de tudo o que tem a ver com África de uma certa forma. Tem uma vibração.”
Falando de texturas, o empreendedor ainda pretende explorar os padrões camaleónicos e as cores vibrantes do pano de pente, um pano tradicional da Guiné-Bissau, que vê a sua concretização através de diferentes etnias e diferentes formas de savoir-faire. Além disso, também tem o desejo de explorar o “tie-dye que também faz parte de uma técnica africana.”
A marca não se resume a sapatos, também fazem-se malas. A variação nos produtos é o que o empreendedor considera ser uma “evolução natural”. Agora, estão prestes a lançar uma coleção de jóias.
No dia 7 de abril, o Armando Cabral Mercado abriu as portas em Nova Iorque com a oferta diversificada, da moda à decoração. Além da Guiné-Bissau, todo o conceito da loja foi pensado à volta de uma experiência em que as pessoas são “transportadas” para o continente africano. “O que vais descobrir é tudo africano. Desde artistas aos designers. Por exemplo, vamos ter móveis que vão vir de Abidjan e o conceito é: tudo o que está na loja podes comprar.”
Além da sua própria marca, Armando Cabral Mercado vai reunir nove designers africanos emergentes que, de dois em dois meses, abrirão uma série rotativa de pop-ups na loja. A primeira começa em junho.
O programa pop-up faz parte de uma parceria entre Cabral e o Afreximbank, um banco africano de importações e de exportações, e o seu projeto Canex, que fornece financiamento e promoção de negócios africanos.
A inauguração coroa mais de uma década de trabalho e é o “mercado mais africano de Nova Iorque”. Este é o seu primeiro ponto de venda nos Estados Unidos e, neste momento, a única loja física da marca em terras de Tio Sam.
“Estamos no Médio Oriente, na Europa, nos Estados Unidos e no Japão e temos a nossa loja online, obviamente, que faz um serviço worldwide, portanto está aberta para o mundo”, enfatiza.
Armando diz estar na fase da vida em que está a adorar o que está a fazer mas ainda tem muitas curiosidades para satisfazer. Provavelmente, num futuro próximo, essas descobertas poderão vir a desabrochar novos frutos.
Para um jovem que queira enveredar pelo mundo da moda, Cabral deixa um conselho simples. “É seres honesto contigo próprio, trabalhar arduamente. Muitas das vezes, as pessoas não vão ouvir ou conseguir perceber as tuas ideias logo à primeira mas é preciso ser persistente, é preciso continuar e tudo isso parte de uma base muito sólida: “eu sei porque é que estou a fazer isto e qual é o objetivo””, conclui.
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