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Nos últimos anos, a indústria da moda tem passado por transformações drásticas na percepção que os consumidores têm da indústria em si e no impacto das suas escolhas de consumo. Se antes o sector era tido como um viveiro de inovação, criatividade e singularidade, atualmente, os questionamentos inundam as diversas áreas do setor, sobretudo as relacionadas com as práticas económicas, ambientais e sociais.
A fast fashion, a exploração infantil, as condições precárias, entre outros desafios da produção desmesurada, são algumas das consequências enfrentadas por várias comunidades, especialmente do Sul Global.
Esta problemática leva a que muitos se levantem para pressionar a indústria a fazer melhor pelo ambiente, pela sociedade no geral e pelas gerações futuras. Giovanna Vieira Có e Misi Ogunlana uniram-se orientadas por essas linhas diretrizes e criaram o The Fashion Blueprint (TFB), uma agência de consultoria visionária e de produção de moda circular. Vieira Có e Ogunlana estão a liderar o caminho para uma indústria da moda mais consciente e inclusiva.
A BANTUMEN teve a oportunidade de falar com Giovanna e aprofundar-se na história no TFB, na sua promoção da sustentabilidade e missão como uma alternativa para acelerar mudanças.
Designs da TFB
Designs da TBF
Sobre o modelo de negócios da TFB, Giovanna detalha que, além dos serviços de consultoria, elas começaram a testar o terreno com eventos de networking, paineis, workshops e festas. “A comunidade TFB sempre estará no topo, mas agora, além da consultoria, também oferecemos serviços de fabricação interna através dos estúdios TFB. Somos fabricantes de moda circular. Não pedimos às pessoas que encomendem quantidades mínimas. Muitas marcas independentes lutam para começar porque precisam investir muito dinheiro antecipadamente para comprar todo o seu stock e, às vezes, não vendem. Connosco, não existem pedidos mínimos e podes fazer uma ou duas peças localmente, em Londres. O que é benéfico, já que muitos dos nossos clientes são marcas sediadas em Londres e eles acham fácil simplesmente vir para ao estúdio e discutir cara a cara o que desejam. Por exemplo, se uma marca não vendeu todo o seu stock, o que é muito provável acontecer, oferecemos-lhe serviços de upcycling [reutilização criativa] para que nos possam trazer os seus projetos. A partir daí, usamos o design de moda 3D para desconstruir o projeto e criar algo novo, fisicamente, para eles. Usamos design 3D antes e depois da fabricação, e é algo que incorporamos no nosso processo, além de adquirirmos materiais mais ecológicos. A sustentabilidade é muito importante para nós e é algo que defendemos fortemente, mas sabemos que as pessoas não estão dispostas a sacrificar a rentabilidade para serem sustentáveis, por isso, é algo que combinamos exclusivamente através da nossa plataforma.”
Para muitos que tentam tomar uma posição contra a fast fashion e o seu tremendo impacto no nosso ambiente, a moda sustentável surge como uma opção razoável. No entanto, devido à crise do custo de vida e à recessão em que o mundo se encontra, muitas pessoas só conseguem visualizar o preço associado a essa solução. Assim, quando questionada sobre o maior mito ou equívoco sobre a moda sustentável, Giovanna não se esquivou e destacou que os custos da moda sustentável são, sem dúvida, mais justos e éticos para todos e, portanto, devem ser considerados a longo prazo. No sentido empresarial, a especialista afirma que “tudo depende de como olhas para isso, porque se vais produzir no exterior com um fabricante que vai usar apenas materiais sintéticos e te pede para que faças o pedido a granel, o teu preço unitário será menor. Mas, no geral, vais acabar por gastar mais dinheiro porque encomendaste mais unidades e, sendo enviado do exterior, também tens encargos de importação e taxas ocultas o tempo todo”, disse ela. “Produzir no exterior não é mais tão lucrativo. O que é um bom argumento para produzirmos localmente e de forma mais sustentável, porque, para começar, podes encomendar menos. Mesmo que o teu preço por unidade seja mais alto, estás a encomendar apenas o que podes vender. Então, o teu fluxo de caixa como negócio é mais saudável e é disso que precisamos”.
Naturalmente, as pessoas assumem que comprar melhor é mais caro, porque, por norma, estamos a falar de um produto produzido com materiais de melhor qualidade. "No final das contas, também estás a comprar menos [porque o produto dura mais tempo], e é exatamente isso que a sustentabilidade implica."
A empreendedora sugere ainda que, em vez de comprar um vestido novo a cada sexta-feira ou evento especial, pode-se sempre fazer uso de criatividade e dar um novo visual às peças que já se tem no armário. Se a única opção viável for realmente comprar uma peça nova, a alternativa é optar por lojas de segunda mão. Existem diversas plataformas online e lojas físicas onde podes encontrar roupas, acessórios e calçados em excelente estado e a preços muito mais baixos do que nas lojas tradicionais.
Ao reformularmos o nosso mindset de consumo, podemos poupar dinheiro e contribuir para um futuro mais sustentável. Reparar roupas danificadas, comprar em segunda mão e reduzir o consumo geral de vestuário são apenas algumas das formas de adotarmos hábitos mais conscientes.
Quando questionada sobre os principais pilares da promoção das práticas sustentáveis das marcas, Giovanna enfatiza que a Ganni é um exemplo a seguir e que trabalhar com a marca ampliou os seus horizontes e conhecimentos em geral. “A Ganni não compromete o que implica ser uma marca desejável porque a sustentabilidade é quase como a cereja no topo do bolo para eles. Do ponto de vista do cliente, é bom ser sustentável, mas para a marca é obrigatório. Havia uma discrepância entre a marca e o consumidor e eles viram isso. A marca conectou-se com os seus clientes construindo um senso de comunidade e tendo uma estética atraente que as pessoas aspiram. Tudo começou com a hashtag #gannigirls e, a partir daí, tu passas a querer fazer parte porque está associado a ser cool. Eles criaram quase uma persona ao redor da marca e era muito mais do que apenas ser sustentável, é como se fosse fazer parte de um culto, mas num sentido positivo”, partilhou Giovanna esboçando uma gargalhada.
Giovanna Có
Ainda que a vontade de adoptar medidas mais éticas e amigas do ambiente, combater a fast fashion não é tarefa fácil. Além da questão da acessibilidade em termos financeiros, há ainda a questão da falta de conhecimento das massas sobre a origem das roupas que compram ou que fim é dado às sobras dos stocks. Sem contar que, “as lojas tradicionais são acessíveis, não apenas em termos de preços, mas também em termos de locais físicos que as pessoas podem visitar ou de políticas favoráveis de entrega e devolução. Isso faz com que os consumidores tenham maior probabilidade de escolhê-los em vez de marcas independentes”.
Devido à falta de proteção dos nossos ecossistemas e ao constante desprezo das alterações climáticas, Giovanna afirma que gostaria que as coisas fossem completamente diferentes. Ela gostaria que as pessoas soubessem que a moda sustentável é, na verdade, como a moda foi originalmente feita para ser. “A sobreexploração dos recursos naturais e humanos tornou-se normalizada como resultado do capitalismo e da globalização. Não conseguimos ter em conta o custo ambiental da sobreprodução e do consumo excessivo. Não é normal que as empresas fabriquem centenas de milhares de unidades por ano, das quais uma grande percentagem nunca chega a ser vendida. A moda sustentável foi a norma no passado e é certamente a do futuro”.
Além disso, numa era em que o empreendedorismo é o sonho de vida de muitos, Giovanna aconselha os futuros empreendedores de moda a não seguirem velhos hábitos da indústria e a não terem medo de agitar as coisas. “Pensem no que faz sentido para vocês financeiramente, no que o mercado quer/precisa e encontrem um modelo de negócio eficiente que funcione nos tempos atuais. Empreendedorismo é inovação. Se seguires o status quo, estarás fadado ao fracasso, com recessão ou não. Fica à frente da curva e cria o futuro que desejas ver”, sublinha.
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