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Maïmouna Elle fugiu da medicina para promover a bela vida africana na Internet

Maïmouna Elle | DR
Maïmouna Elle | DR

Depois de terminar o curso introdutório à medicina (Pre-Medical) na Universidade Howard, seguido de um ano na faculdade de Medicina na Universidade de Chicago, a norte-americana Maïmouna Elle reconheceu que talvez a medicina não fosse a sua verdadeira paixão. Decidida a refletir sobre o futuro, optou por uma mudança radical e mudou-se para o Senegal, país de origem do pai. Quase por acaso, Maïmouna acabou por dar vida a uma popular e original página de Instagram voltada para o continente africano: Romanticizing African Countries (RAC).

Tal como o nome deixa adivinhar, o perfil visa romantizar a pureza, a alegria e a normalidade da vida do dia-a-dia nos países africanos e dos seus residentes. O propósito é desmistificar e contrariar a percepção negativa que muitos ainda têm sobre o continente, considerando as décadas de propaganda ocidental repleta de desinformação e com base quase exclusiva nas guerras e demais atribulações sociais.

Com vídeos curtos, mas autênticos, a criadora de conteúdo conquistou a Internet com representações mais positivas e honestas das nações africanas. “Originalmente, quando cheguei aqui [no Senegal], não era claro por quanto tempo ficaria e fiquei essencialmente por causa da plataforma. Tenho uma casa aqui, por isso é mais fácil viajar entre países africanos. Ainda assim, não sabemos o que virá a seguir. Não sei se ficarei aqui para sempre”, partilha Maïmouna Elle com a BANTUMEN.

Do seu ponto de vista, a palavra que melhor define a RAC é inovação. “Embora pareça um pouco pretensioso dizer isto, criar e passar pelo processo de desenvolvimento de uma plataforma de nicho, com um foco completamente novo como faço, inovador é definitivamente a palavra que define isso”.

Por a videografia estar sempre presente na sua vida, Maïmouna não hesitou em embarcar nesta aventura e investir totalmente no que define como felicidade. “Sempre adorei gravar vídeos. Fazia os vídeos de reunião de turma, quando estava no ensino médio, depois passei para vídeos de casamento. Até quando era interna de cirurgia, quando queria fugir e encontrar a felicidade, ia para a floresta e fazia vídeos [da natureza]. Essa foi realmente a melhor maneira que encontrei para superar os momentos difíceis ou a vida em geral. Acho que sou alguém que adora capturar a beleza como ela é. E foi assim que encontrei a felicidade e, essencialmente, é o que tento fazer com esta página também: capturar a beleza como ela é”, reafirma.

Até então, as suas opções de vida não a satisfaziam e, ainda assim, para sair da sua zona de conforto e abdicar de um futuro estável nos EUA, Maïmouna teve de dar um salto de fé. Apesar da transição improvável entre o estetoscópio e a câmera, a videógrafa explica que, embora gratificante, não foi um processo fácil e que muitas vezes usa a sua história como exemplo para quem duvida de si mesmo. “Sei que não é fácil e quero definitivamente que as pessoas olhem para o meu exemplo e percebam que não é fácil!”, exclama alegremente.

“Quando cheguei aqui, via isto como uma pausa. Não sabia se voltaria para a Medicina ou se me aventuraria noutro setor. Mas tinha certeza de que ainda precisava ser produtiva. Instantaneamente, foi fácil passar os meus dias a fazer o que amo, que era fazer vídeos, principalmente vídeos da bela vida ao meu redor, que acabei por decidir partilhar com outras pessoas”.

Maïmouna queria partilhar essa experiência porque, apesar de ter crescido em Washington DC – onde existe alguma diversidade em termos de pessoas com origens africanas – imaginar ou intepretar África, as suas populações, estilos de vida e condições sociais de forma positiva ou além do propagado pelo ocidente, ainda parecia estranha para muitos. “Havia muitos africanos naquela zona mas ainda não temos muitas imagens de África lá. Então, acho que muitas pessoas nem sequer entendem o que é estar de volta a um país africano. Aproveitei essa oportunidade simplesmente partilhando a minha realidade”.

Para qualquer criador de conteúdos digitais, o principal objetivo passa por monetizar o seu produto, para haver retorno sobre o investimento que, eventualmente, teve de ser feito e para poder subsistir às suas necessidades pessoais. Contudo, é necessário compreender o ecossistema das redes sociais e os seus jogos pela conquista de audiência. Apesar de o primeiro post da RAC ter sido feito apenas em agosto de 2023, Maïmouna reconhece a dificuldade de gerar dinheiro através do Instagram. “Tem sido uma experiência de humildade. É sair da segurança e do prestígio da medicina, chegar ao terreno e fazer o que realmente quero fazer, e simultaneamente reconhecer que não vai ser simples. É uma experiência que adoro, mas requer muita paciência”, diz. “Além disso, nas redes sociais, quando temos esses grandes momentos virais, eles são úteis, mas isso não é tudo. Na minha opinião, estamos muito habituados a ver esses grandes momentos virais, [e instantaneamente] associá-los a ‘tu conseguiste’. Mas o que é “fazer acontecer” ou “conseguir” e que trabalho implica isso depois? Foi tudo apenas um momento.”

E é através desse questionamento que floresce a evolução da RAC, com a criadora de conteúdo a publicar alguns dos seus vídeos favoritos e, ao mesmo tempo, pressionando-se a si mesma para produzir cada vez mais. “Eu queria que cada vídeo fosse bonito e com uma estética particular, mas isso não é sustentável. Os meus amigos costumam dizer que sou muito dura comigo mesma e acho que qualquer pessoa muito ambiciosa é dura consigo mesma. Mas, felizmente, cheguei a um ponto de compreensão de que não poderia ter sucessos todos os dias. Isso ajudou-me porque levou-me ao início: apenas capturar a vida como ela é e nem sempre procurar o que há de mais bonito. E é assim que posso continuar a produzir vídeos consistentes, tão simples quanto servir chá”.

Relativamente ao seu processo criativo, Maïmouna conta-nos que começa com a pergunta “para que novo país posso ir?”, especialmente sendo alguém que não possui passaporte senegalês, neste momento. “Estou limitada aos vistos que posso pagar ou aos países que não têm visto e são poucos os que não exigem”, admite com tristeza. “Pesquiso viagens acessíveis. Se há possíveis negócios a serem feitos, com Airbnb ou restaurantes, que impliquem economizar dinheiro e por quanto tempo ficarei lá. Tento comprometer-me com três noites, mas automaticamente, isso também significa que todo o meu tempo lá não inclui nenhuma diversão. Estarei lá pelas experiências, vendo e conversando com as pessoas, ou dependendo de tradutores”.

Entre os vários países africanos que já visitou, Cabo Verde é um deles. Foram dois dias com uma check list cheia de coisas para fazer. Devido à semelhança de certos espaços africanos, como mercados, praias, comida e música, Maïmouna aposta em captar momentos genuínos nesses espaços. Seja família, amigos ou namorados, há uma procura diferenciada por conceitos unificadores. “Quando estou à procura desses momentos, tento ao máximo captar pelo menos dez vídeos porque, quando volto para o Senegal, pretendo esticar esses dez vídeos ao longo de três semanas”.

Com o crescimento da página, o envolvimento da comunidade também começou a impactar a forma como Maïmouna via e partilhava o seu conteúdo. “No início, quando escolhia lindos áudios instrumentais, era muito mais fácil porque o que quer que fosse a tendência online serviria e eu poderia simplesmente sobrepor isso [as imagens]. Mas à medida que a comunidade se expandia, as pessoas enfatizavam a necessidade de ouvir música africana. [Inevitavelmente], isso levou à criação de uma grande playlist com todas estas músicas africanas, que agora são as minhas preferidas, quando não tenho ideias. Aumentou o meu tempo de scrolling enquanto procuro a música perfeita que se alinhe com um momento específico mas, como tudo à minha volta, como a perfeccionista que sou, ainda quero que pareça especial e eventualmente chego lá”.

A invasão de privacidade

Em contraste com os EUA, Maïmouna afirma que ao embarcar no seu processo criativo apercebeu-se que as reações, ao gravar pessoas em momentos tão vulneráveis ​​e sinceros, variam bastante. Embora acredite que há uma sensação de invasão normalizada ao gravar outras pessoas nos EUA, daí a razão pela qual muitas vezes tendemos a ter acesso aos momentos mais bizarros e vulneráveis ​​dos outros, teve que analisar profundamente o que estava ao seu redor antes de mergulhar na mesma onda de invasão de privacidade. “Se for um grande espaço público e eu não esteja focada especificamente em ninguém, não digo necessariamente nada, mas quando é algo muito pessoal ou muito visível, pergunto. Aí, depende de como abordas isso também. Normalmente, as pessoas querem saber mais, então mostro o Instagram, conto a minha missão e a partir daí é com eles. No final do dia, a audiência quer alguns vídeos close up, querem conectar-se com as pessoas nos vídeos, querem ver os seus rostos, emoções, o amor que sentem um pelo outro e assim por diante. No geral, tem sido uma jornada agradável, onde sou forçada a fazer as pazes com um sim ou um não, porque é o que é”.

Além disso, apesar de a RAC ainda ser uma recém-nascida, com menos de um ano nas redes sociais, a produção de conteúdo, “sem rosto”, proporcionou a Maïmouna conhecimento e lições de vida pelo caminho. Apesar dos altos e baixos, tem plena consciência de que existem pessoas em diferentes partes do mundo que valorizam o que faz e encara isso como um passo importante para transformar a narrativa em torno de África. “Muitos chamam-me de corajosa por afastar-me da medicina e investir na RAC. No entanto, penso que estas coisas só podem acontecer porque, embora possa parecer horrível isto que vou dizer, não pensei bem”, confessa. “Sempre que pensas sobre algo demasiado, com uma certa profundidade, e examinas todas as maneiras pelas quais isso pode dar errado ou quão errático pode ser, podes convencer-te a não fazê-lo. Então, se eu tivesse pensado nisso metodicamente, não teria criado a RAC. E mesmo que não possa garantir o seu sucesso, tudo o que posso fazer é continuar a arriscar e ver qual é a recompensa porque com grandes riscos vem uma grande recompensa”.

Elle destaca ainda que nunca toma uma grande decisão sozinha. Geralmente, está ligada a uma luta potencial. “Quando me especializava em cirurgia, a luta era a realização e a sensação diária de vazio. Agora, não tenho esse sentimento, mas tenho a luta da insegurança e de não saber onde isto vai dar.” Mesmo assim, a insegurança que acompanha o trabalho freelance também a abalou. “Na verdade, tudo resume-se a finanças, viagens e barreiras linguísticas. Por exemplo: se precisar de um tradutor que talvez não consiga pagar integralmente. Acho que as pessoas presumem que ter uma grande plataforma no Instagram significa que podes monetizar com ela, mas não é tão simples porque o Instagram não nos paga. E outras plataformas que talvez pudesse explorar são bastante desafiadoras porque o meu tipo de conteúdo é uma apresentação ‘sem rosto’ e um pouco de nicho”.

E, além disso, viajar também é um grande desafio devido à pouca disponibilidade de meios de transporte práticos, acessíveis e eficientes. Maïmouna relata a sua experiência quando ia para a Gâmbia, um país fronteiriço do Senegal e que deveria ter sido uma viagem de quatro horas. Em vez disso, levou sete horas. “Geralmente, viajar entre países africanos não é fácil, com ou sem visto, voo ou por via terrestre”.

Tens que saber de onde vens para entenderes o teu próprio senso de identidade.

Numa próxima fase, Maïmouna está a pensar incluir no projeto um rubrica de dicas práticas nas quais outras pessoas possam confiar e adoptar nas suas próprias viagens. “Desde quanto custa um visto até quais as vacinas exigidas para cada destino. Deparei-me com essas questões e gostaria de ter tido a informação mais à mão”.

No geral, para aqueles que talvez tenham crescido no Ocidente e ainda não tenham descoberto a felicidade e a energia que rodeia os países africanos, Maïmouna enfatiza que, embora tenha havido uma mudança em torno da cobertura mediática africana, “o mundo não saberá o que está a acontecer nos países africanos se não controlarmos essa narrativa. Como pessoa da diáspora, além do conforto, da família e da rotina, tu tens o direito de saber que grande parte da tua vida não se passa inteiramente no teu país de residência. Tens que saber de onde vens para entenderes o teu próprio senso de identidade. Muito provavelmente, [todo o teu ser] e os teus ideais derivam, na verdade, do continente. Então, deixo-vos com uma citação da biografia de Malcolm X que me diz bastante: ‘Ninguém saberá quem somos, até sabermos quem somos! Nunca seremos capazes de ir a qualquer lugar, se não soubermos onde estamos’”.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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