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Afrobeat é diferente de Afrobeats, inclusive no Brasil

Afrobeat
📷: Emiliano Vittoriosi

Esgotadas quase todas as fontes do trap, grimme e drill, os MCs brasileiros descobriram que poderiam saciar sua sede criativa em outro fenômeno musical: o afrobeats. Porém, assim como os demais gêneros importados, a chegada dele com mais força no Brasil não aconteceu sem alguém se auto-declarando pioneiro. Neste caso, o pioneirismo deu lugar a um reinado inexistente.

Logo depois do Teto, um dos artistas do selo 30praum, encabeçado por Matuê, estrear a música “Minha Vida é um Filme”, o rapper Orochi o questionou por ter soltado um afrobeats antes dele. “Vagabundo é foda (risadas)… eu não vou roubar flow de gringo, vou trazer as pérolas. Confia”, escreveu no Twitter. No final, se auto-denominou o “Chico Rei do Afrobeat BR”.

Obviamente, o assunto rendeu. O próprio Matuê defendeu o seu artista, chamando Orochi para uma conversa e afirmou que o mesmo “se sentiu por algo que foge do meu controle”.

Essa não foi a primeira e, provavelmente, não será a última discussão em torno de algo que vem de fora, ganha destaque, principalmente através de artistas que estão fora do mainstream, e, logo em seguida, é “apropriado” por alguém com mais visibilidade no mercado da música. 

Para Dani Pimenta, jornalista e seletora do coletivo Feminini Hi-fi, quando o assunto é afrobeats Rincon Sapiência é a principal referência e encabeça o movimento “versão brasileira”, “considerando que suas músicas têm como linha principal o afrobeats, mas com uma importante presença de diversos elementos sonoros nossos, como o funk”.

“Essa proximidade conceitual do gênero com o que é feito aqui, com a nossa musicalidade afro brasileira – inclusive a similaridade das células rítmicas quando comparamos funk e afrobeats – somada a essa furada de bolha que citei, e considerando que o afrobeats tem galgado o alcance de seu espaço cada vez mais amplo no universo pop, pode ser o pacote perfeito para o crescimento do gênero com esse sauce brasileiro”, observa.

Correndo por fora da discussão, Rincon disse torcer muito para que “realmente exista uma cena BR e que os artistas pretos façam parte disso”.  Na visão dele, o fato dos “afrobeats estarem em ‘alta’ nos Estados Unidos, foi a carta de legitimidade para se interessarem por aqui. Uma cena que já existe há anos no próprio continente africano e também na Europa”.

“No resumo, seria legal uma cena de afrobeats por aqui que olhe para o continente africano, considerando que somos o país com mais pretos fora da África”, escreveu no Twitter. “A cultura de matriz africana é presente e discriminada por aqui. É mais que música essa resenha. No resumo em bloco, somos mais fortes. Um, dois ou três sempre existiram por aqui há muitos anos, só pesquisar. No mais, sigo sonhando com essa cena ‘Afrobeats BR”.

Afrobeats vs Afrobeat

Antes não tão fomentado na indústria da música global, o afrobeats ganhou ampla visibilidade com a ascensão do nigeriano Burna Boy, seguido por Wizkid, Tems, Rema, Omah Lay, Mr Eazi, Davido, Ayra Starr, Wande Coal, Fireboy, entre outros. Porém, o fenômeno não é novo. Nas palavras do baterista do Ifá, produtor e beatmaker Jorge Dubman A.K.A Dr. Drumah, o crescimento é normal por ser uma novidade para quem não o conhecia antes.

“Sempre temos esse delay de espera, mas em África e Europa esse estilo já vinha fervilhando há muito tempo. Lembro que aqui muita gente achava que o zouk e o afrobeats eram a mesma coisa e com a falta de inovação na cena ou destaque abraçaram com toda a força, já que o reggaeton não pegou por aqui. Eu acho esse respiro e diversidade importante”, disse à BANTUMEN.

Ao mesmo tempo que existe uma certa corrida para surfar na onda, é visível o desconhecimento sobre as origens e a diferença entre o afrobeat e o afrobeats. Apesar das estéticas totalmente diferentes, os nomes parecidos têm criando uma certa confusão na definição (sendo a palavra afrobeat mais usada para definir o afrobeats). Isso se dá também porque a grande maioria daqueles que estão bebendo da fonte não fazem ideia de quem foram os responsáveis por criar a base para que o alicerce do afrobeats fosse levantado: Fela Kuti, Tony Allen, Lekan Animashaun, Tunde Williams, Geraldo Pino, Lijadu Sisters.

“Tem uma diferença muito grande, tanto no estilo quanto no conceito musical”, afirma Drumah. “O afrobeat dos anos 1970, criado por Fela Kuti, fazendo um mix do highlife, jazz e funk 70’s, tem como base uma clave tradicional (clave é uma convenção para indicar ou marcar o tempo da música), clave essa que ficou muito conhecida nesse ritmo entre outros dentro dessas vertentes da música africana (afrobeat, afrofunk, entre outros), sem contar que o afrobeat é uma música de protesto, música contra qualquer tipo opressão. O afrobeats tem outro tipo de clave (rumba clave), que é conhecida como ‘clave mãe’ por se encaixar na maioria dos ritmos, clave oriunda de Cuba e que se encontra presente em alguns ritmos africanos desde a década de 60-70”.

O DJ e produtor musical angolano Joss Dee ressalta que o afrobeats também é influenciado pelo dancehall e produzido por beats eletrônicos, sintetizadores e envolve uma expressividade com temáticas relacionadas aos jovens, envolvendo festa, curtição, conquistas afetivas e amor. Apesar de seguir por esse caminho, o artista afirma que a palavra em si, de ambos os estilos, acarreta um significado muito maior do que um movimento musical africano. “Embora existam algumas tentativas de colocar outras palavras nesse lugar, o termo afrobeat (e afrobeats) equivale ao que usam para definir o que é K-Pop, por exemplo, que é a música popular Coreana. O afrobeats seria um equivalente disso, mas tratando de um modo genérico a música pop africana. É importante ter essa noção, porque retrata o movimento da música popular africana, que é exportada para o mundo”.

Um afrobeats genuinamente brasileiro?

É sempre importante saber quem veio antes e respeitar quem lutou e pavimentou todo um movimento. Não havendo essa pesquisa, automaticamente, tanto o afrobeat dos anos 1970, quanto os e as artistas remanescentes caem no esquecimento. Ao invés de afrobeats, Dr. Drumah diz que a nomeação mais apropriada seria Afro-Pop. “É decepcionante trocar uma ideia com essa geração do afrobeats, aqui no Brasil, e eles nem sequer sabem quem foi Fela Kuti”, diz decepcionado.

Essa geração, que em sua maioria desconhece toda a estrutura histórica, tem como objetivo criar um afrobeats BR, assim como aconteceu com os já citados trap, grime e dril. Mas essa é mais uma questão de mercado do que a vontade genuína de fazer esse tipo de sonoridade crescer e se desenvolver com uma identidade local. O mais provável é que com o passar do tempo aconteça um descarte após o surgimento de outra tendência.

Por outro lado, é possível que as raízes se firmem com artistas que estejam dispostos a fazer com que essa “árvore” cresça e dê frutos no futuro. O próprio Rincon Sapiência, Karen Francis e a dupla Dois Africanos são alguns nomes que há algum tempo vêm jogando essa semente na terra. Esse interesse também abre possibilidades para que se crie um movimento interno com a fusão e influências das mais variadas experiências musicais que se manifestam no país.

“O Brasil tem uma cultura vasta. Imagina você fazer um levantamento/ pesquisa de cada cultura local e tentar aplicar isso no afrobeats?”, diz Drumah. “Assim como o funk carioca fez, saca!? Eu acho que se as ou os produtores focarem nisso pode ser uma grande virada de chave”.

A mesma visão é compartilhada por Joss Dee, que apesar de acreditar que exista uma dificuldade de se aproximar da musicalidade original, principalmente por causa das línguas em que é interpretado (inglês e línguas nativas africanas), pode ser viável criar uma versão que tenha a identidade da região onde é fomentado. Segue a lógica da cultura que é desenvolvida no centro e adaptada pela periferia: o centro propõe a cultura e as tendências, e as periferias absorvem, reproduzem e vão criando coisas dentro disso. 

“A Nigéria e outros países africanos que produzem afrobeats desenvolvem o estilo e os outros países vão absorvendo o original e tentam fazer algo que esteja próximo a isso”, afirma Dee. “Acho que no Brasil ainda falta muito para se chegar no afrobeats que é feito fora. Mas aos poucos tem uma galera que tem conseguido fazer isso dentro do Brasil. É um processo”.

Ainda é difícil prever se o “hype” do afrobeats vai ganhar força no Brasil e América Latina mas é um campo vasto para ser explorado. Dani Pimenta diz que o impacto internacional do gênero pode ser a oportunidade para fazê-lo crescer localmente, chegando na massa, principalmente por meio de trends das redes sociais. “Se isso acontece, penso que também acaba influenciando os artistas locais, de diversos tamanhos, que cada vez mais incluem referências ao estilo em suas obras”.

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