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O que realmente aconteceu no dia 5 de agosto, no caso “Black Avengers”

Harriot II Riverboat, em Montgomery (Alabama) | DR)
Harriot II Riverboat, em Montgomery (Alabama) | DR)

Os vídeos já correram a Internet de ponta a ponta mas parece que ainda há quem não tenha percebido quais os factos que levaram à cena de pancadaria coletiva em Montgomery, (Alabama, EUA), no dia 5 de agosto. Neste artigo recapitulamos os detalhes dos acontecimentos, que começam com a agressão de várias pessoas brancas a um homem negro (mais à frente, vais perceber o porquê de destacarmos a questão racial) e acrescentamos algum contexto histórico da região.

Estacionamento abusivo

De acordo com o relatado pelo chefe de polícia de Montgomery, Darryl J. Albert, um barco privado de recreio estava estacionado numa zona onde não tinha permissão, impedindo a atracagem de um grande barco fluvial, o Harriot II Riverboat, com 227 pessoas a bordo. Foram precisos 45 minutos de várias chamadas no sistema de som do Harriot II Riverboat, para obter uma resposta dos donos do barco privado e esta aconteceu por via de “gestos obscenos, palavrões e insultos”, confirmou o agente de autoridade.

Damien Pickett, o co-capitão, foi levado ao cais por outra embarcação, para tentar conversar com os proprietários do barco. Lá, foi recebido com uma bárbara agressão coletiva. “O co-capitão estava a fazer o seu trabalho”, disse Albert durante a conferência de imprensa da polícia sobre o sucedido. “Ele estava simplesmente a tentar mover o barco apenas o suficiente para que o navio de cruzeiro pudesse estacionar com segurança no seu local identificado”, acrescentou.

Populares decidem unir-se para defender o co-capitão

É no momento em que Pickett, um homem negro, começa a ser agredido, por várias pessoas brancas, que nos vídeos vemos vários homens e mulheres negros a acorrerem ao local para defender o co-capitão. O conflito intensifica-se quando cerca de seis homens negros, que a imprensa norte-americana descreve como trabalhadores do barco fluvial, chegam para confrontar o grupo branco, seguidos por vários outras pessoas igualmente negras.

Um jovem de 16 anos, identificado apenas como Aaren (e que nas redes sociais, ironicamente, passou a chamar-se Aquaman), decide atirar-se ao rio para chegar rapidamente à outra margem e ajudar a vítima. A tensão aumenta e a pancadaria generaliza-se, numa luta de pretos contra brancos. Os ânimos só acalmaram com a chegada de mais agentes da polícia (os primeiros a chegarem ao local não foram suficientes para impedir a escalada da situação).

No total, 13 pessoas foram detidas e interrogadas por várias horas, no sábado 5, até serem entretanto libertadas. A briga foi “causada por indivíduos imprudentes que não usaram bom senso e causaram um evento que certamente poderia ter sido evitado”, disse o prefeito da cidade, Steven Reed. “Dito isso, o departamento de polícia reagiu de forma muito rápida e intencional para lidar com a questão, assim como outros cidadãos da comunidade.”

A NBC WSFA de Montgomery relatou que foram emitidos quatro mandatos de prisão relacionados ao conflito e “existe a possibilidade de mais após a análise de vídeos adicionais”. Foi também feito um apelo para que o homem que nos vídeos vemos a desferir um golpe com uma cadeira dobrável contra uma mulher se apresente para novo interrogatório.

A questão racial no centro do conflito

Num dos milhares de comentários nas redes sociais lemos “não estamos mais em… 1963”, em referência ao ano anterior à assinatura do Ato dos Direitos Civis, que proibiu a discriminação com base na raça. Para compreender a comoção da comunidade negra e a viralização dos posts sobre o ocorrido, é preciso recordar alguns factos históricos. Montgomery (capital do estado de Alabama) desempenhou um papel central no comércio de pessoas escravizadas. Não muito longe do local onde tudo aconteceu, há um marco histórico que celebra o papel da cidade no comércio transatlântico. Joshua D. Rothman, historiador e presidente do Departamento de História da Universidade do Alabama, disse à CNN que o estado desempenhou um “papel substancial no comércio doméstico” até à Guerra Civil. Em meados de 1800, milhares de pessoas escravizadas foram transportadas em barcos a vapor e ferrovias de Nova Orleans pelo rio Alabama até Montgomery, de acordo com a Equal Justice Initiative, com sede em Montgomery. Muitas das rotas ferroviárias foram construídas com mão de obra escrava.

Em 1860, havia mais de 435 mil pessoas escravizadas no estado, ainda segundo a Equal Justice Initiative. No início da Guerra Civil, Montgomery posicionava-se entre as comunidades de comércio de pessoas mais proeminentes do estado. “O impacto da escravidão pode ser visto em tudo”, disse Rothman à CNN, acrescentando que o trabalho escravo alimentava a economia local e influenciava desde a ordem política até à vida religiosa.

O berço do Movimento dos Direitos Civis

Em 1861, a cidade serviu brevemente como a primeira capital dos Estados Confederados da América, depois de 11 estados decidirem separar-se da união, como consequência da eleição de Abraham Lincoln como presidente dos Estados Unidos, um ano antes. Delegados de seis desses estados – Carolina do Sul, Mississippi, Alabama, Flórida, Geórgia e Louisiana – reuniram-se em Montgomery em fevereiro de 1861, para estabelecer oficialmente o seu próprio governo.

Foi ali também que, 94 anos depois, em 1955, foi definido o marco zero para os protestos do Movimento dos Direitos Civis. O boicote aos autocarros de Montgomery, iniciado por Rosa Parks, chamou a atenção nacional porque foi o primeiro grande protesto contra a segregação racial. Parks recusou-se a ceder o seu assento a um homem branco, conforme exigia a lei do Alabama, na época. Em resposta à prisão de Rosa Parks, os afro-americanos boicotaram a utilização dos autocarros da cidade, num esforço conjunto para forçar o fim da segregação. Após 381 dias de protesto, em novembro de 1956, a Suprema Corte dos EUA decretou o fim da separação racial nos transportes públicos.

Conhecendo a história de Montgomery, conhecendo todos os factos sobre direitos civis que passamos aqui na cidade de Montgomery e o que isso significa para a nação, estamos determinados em resolver isto”, disse o chefe de polícia à CNN. “À medida que novos desenvolvimentos surgirem, alteraremos as acusações conforme necessário… Se chegar ao nível de crimes de ódio, se subir ao nível de incitar um motim, ou o que quer que se pareça… faremos exatamente isso [alterar o número de acusações]”, continuou.

Além de todas as questões sociais e históricas que acabam por estar conectadas ao acontecimento, há uma última questão a destacar. Socialmente, a violência contra corpos negros é difundida e entendida com naturalidade, levando à normalização e à indiferença pela vida de pessoas negras. Por isso, o socorro imediato de outras pessoas negras (que ficaram conhecidas como os “black avengers“, numa referência aos heróis da Marvel) levou ao regozijo quase geral da comunidade negra, nos Estados Unidos e além fronteiras.

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