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The Fam Kitchen: uma jornada de sabor e família no coração de Lisboa

Após vários anos a liderar um negócio em Lisboa sozinha, Domingas Alves, mais conhecida por Aida, explica que foi a ambição que a levou a abrir o The Fam Kitchen. Precisava de algo muito maior e melhor e ao mesmo tempo o prazer de poder trabalhar com a filha, Ana Martins. “Aprecio bastante ter a minha mãe como minha parceira porque ela já está no ramo da restauração há muitos anos e é por causa dela que aqui estamos hoje”, diz Ana.

O The Fam Kitchen, localizado na Avenida da Liberdade, rua nobre da capital portuguesa, tem apenas quatro anos, mas já se tornou num ponto turístico e num spot favorito para muitos. Liderado por Aida, Ana e pelo irmão de Aida, António Fernandes, este restaurante de família ergueu-se entre tempestades e tormentas, mas hoje encontra-se bem assente na bonança.

Ao mudar-se do Reino Unido para Portugal e houve a oportunidade de ajudar a expandir o negócio da mãe, “literalmente na porta ao lado” do primeiro negócio, não pensou duas vezes. “Resolvi dar uma mão ao negócio porque não estava muito feliz no meu trabalho e não era algo que me puxasse. Então, deparei-me a dar uma chance a mim mesma e juntei-me à minha mãe.”

Depois de gerir durante muitos anos um restaurante muito mais pequeno, que a tinha apenas a ela e outra pessoa na equipa, Aida encontra-se agora com um espaço que é o dobro ou triplo do tamanho do restaurante precedente. “Eu faço um pouco de tudo, o meu tio dá-nos um maior suporte à noite porque ele tem outro trabalho para além deste, e a minha mãe cozinha. Ela não precisou de incentivo para expandir o restaurante porque mesmo sendo tímida, ela é uma pessoa destemida e aventureira”, explica Ana. “No restaurante anterior, em que era somente ela, a gestão era fácil de fazer mas era muito pequeno. O dinheiro que se fazia não dava muita volta e sentimo-nos estagnadas. Entretanto, a loja ao lado ficou disponível e não se pensou duas vezes. Foi uma oportunidade que não se podia perder.”

Aida, a chefe e dona do The Fam Kitchen, é uma mãe envergonhada e que a filha Ana descreve como “impossível ser celebridade de tão acanhada que é”. No entanto, o seu brilho e talento exibem-se além da cozinha e do conhecimento geracional que tem transmitido para a filha. Ao escolherem o conceito do restaurante, Ana conta que o facto de ser uma sociedade em família fez com que tudo acontecesse naturalmente. “Na altura, tentei caçar nomes e ideias relacionados com os meus avós mas a imaginação não fruía. Ainda assim, eu sabia que o conceito teria de estar enraizado na nossa família, porque a minha mãe é a mão e cabeça do restaurante e dos pratos, e este restaurante é uma reflexão do trabalho e dedicação que ela já faz há anos. Então, o The Fam Kitchen é exatamente um exemplo disso, mas com uma visibilidade e espaço mais amplos. Uma amplificação do que ela fazia na porta ao lado.”

Ana partilha que a mãe tem uma personalidade muito forte e nervosa, enquanto ela, no meio da confusão, consegue manter a calma e ser a paz que o ambiente precisa. “Sendo ela mais emotiva, eu acredito que automaticamente existe um balanço ideal entre ambas. A divisão de tarefas também ajuda porque dá-nos liberdade para dominar o que está à nossa volta sem nos atropelarmos uma à outra. Mesmo decidindo os pratos juntas, a cozinha é o domínio dela”, expõe, enquanto pondera como se deixa o ego de lado num negócio de família.

“Em relação ao meu tio, nós costumamos dizer que a mulher que se casar com ele é muito sortuda porque ele tem uma bela veia para a decoração. Nós, os três, complementamo-nos porque cada um toma conta de uma área e em qualquer negócio, sejam os responsáveis amigos, família ou o que quer que seja, atritos são parte do dia-a-dia. Como mãe e filha, claro que existe tendência a pegarmo-nos em momentos que roçam além do restaurante, mas acredito que não o deixamos transparecer para os clientes, sendo que o lema é fazer com que se sintam todos em família e nunca tivemos ninguém que mencionasse o contrário.”

No que diz respeito à evolução da sua relação, desde que começaram a trabalhar juntas, Aida, com um sorriso salpicado de orgulho e timidez, diz que a sua relação com a filha tem evoluído bem e bastante. E o restaurante tornou-as muito mais apegadas. “Há muito mais responsabilidade e honestidade uma com a outra. Mas, por outro lado, da gestão do restaurante ao dinheiro, comunicação e transparência tornaram-se também algo muito mais significante entre nós. Sem dúvida, também posso confirmar que os últimos anos, particularmente, devido à Covid, a nossa união cresceu imenso. Não só como mãe e filha, mas também como uma família resiliente que se estende até ao nosso staff. E podemos dizer de coração cheio que sem muitas das pessoas, incluindo a Wagna e a Marlete, que lá estavam na altura [no restaurante anterior] e cá estão hoje, talvez não estivéssemos aqui hoje”, esclarece a Ana.

Ao contemplar a influência das suas raízes no estabelecimento, Aida afirma que estando dentro da cozinha implica estar numa constante procura das suas raízes e assim dá-se uma fusão do ambiente em que está e a sua identidade. Enquanto Ana concorda com a mãe, também esclarece que já tiveram várias críticas e comentários menos positivos por serem um restaurante PALOP que não faz ‘comida da terra’. “Infelizmente, as pessoas esperam por sermos negras ou Africanas, que temos de nos limitar com a nossa culinária Cabo-Verdiana e não expandir horizontes. Mas destas mesmas raízes, conseguimos extrair a nossa resiliência, capacidade para mais, e também a nossa força. E daí termos às vezes pessoas que não acreditam que existem duas mulheres a liderar este negócio, no centro de Lisboa”.

Como qualquer outro negócio, o The Fam Kitchen teve de travar uma dura batalha para se manter de pé durante a pandemia. “Há que relembrar aqui que a nossa renda não é barata e que os maiores anos de qualquer negócio são usualmente os primeiros dois anos. Foi um desafio poder manter as portas abertas e puxar para a frente devido à falta de financiamento”, revela Ana. “Tanto que a minha mãe nunca esteve interessada em fazer take-aways e eu sempre a incentivei. No início, fazíamos somente doze take-aways por dia, e a pé, durante a pandemia. Com uma renda altíssima, sem ajudas do estado como um negócio novo, a manter o staff todo, tenho mesmo que deixar o resto para a vossa imaginação. Foi uma batalha para angariar mundos e fundos, mas com o tempo chegamos lá. Graças a Deus, hoje ao almoço damos facilmente noventa e quatro almoços, com uma média de oitenta para cima”. E além disso, Ana divulga também que tem sido extremamente difícil para a família conseguir recrutar membros para o turno da noite. “Corremos e dividimos-nos bastante mas só podemos correr até a um ponto”.

Ao pensar nas maiores dificuldades que já tiveram, Ana larga um sorriso solene mas também hesitante. “Tivemos um chefe de cozinha, o Esteves, que após o segundo confinamento cometeu suicídio. Ele é o nosso grande chefe Esteves e nós honrámo-lo com um prato intitulado Bacalhau à Esteves, um dos seus melhores pratos, que se encontra até hoje e permanentemente na nossa carta, seguido de um retrato dele que todos podem visualizar no nosso restaurante”. Mesmo explicando as complexidades de lidar com chefes de cozinha, Ana enfatiza que sem considerar as diferenças no trabalho, ela perdeu um irmão naquele momento. “Na minha opinião, os chefes de cozinha vivem no mundo deles. São pessoas muito focadas e quando estão na cozinha é como se estivessem num universo à parte. Há que saber navegar esse mundo e separá-lo da realidade. E amanhã estar pronto para voltar ao mesmo. E hoje, ao ver a minha mãe na cozinha, vejo que chefes e suas cozinhas são algo único. É o mundo dela e não há espaço para invasores”.

Como resultado, enquanto ponderam em como certas decisões afetam o negócio, ambas concordam que a perda do chefe Esteves foi definitivamente algo bastante marcante para todos no restaurante e na família. “Para mim, um momento muito difícil foi ter perdido o meu grande amigo Esteves, porque nunca tinha tido um negócio e muito menos imaginava perder alguém que me tivesse acompanhado de tão perto nessa jornada. Isto foi uma experiência traumática e acho que a decisão mais difícil foi chegarmos à conclusão que teríamos de substituir aquela pessoa”. Ana adiciona que no final do dia, um restaurante requer que coloquemos os nossos sentimentos de lado porque precisamos que o negócio prossiga. “Foi muito doloroso e estranho estar nesta situação mas havia e há contas para pagar e existem pessoas que dependiam e dependem de nós. Agora temos a minha mãe mas na altura ela ainda geria dois estabelecimentos e custou fazer essa decisão porque pareceu que estávamos a substituir alguém”.

Comecem na humildade, não desanimem e batalhem bastante no vosso crédito”, aconselha Aida a quem quiser seguir-lhe os passos. “Porque a dificuldade é mesmo o financiamento”. Por outro ângulo, tendo a sua mãe um restaurante mais pequeno na altura, Ana conta que o espaço corrente necessitava de obras e ambas participaram na reconstrução do espaço, como também a sua família. “O nosso primeiro balcão era feito de paletes e as mesas, cadeiras e utensílios de cozinha foram todos comprados em segunda mão. Fizemos uns quantos menus no computador, beneficiamos da localização e arrancamos daí.” Hoje, já com um balcão novo, a família pensa em investir em mesas novas, e muito mais. “Cuidadosamente, aprendemos que somos cautelosas e humildes com o nosso negócio e damos tempo ao tempo, sem ir com muita sede ao pote”.

Ademais, através duma crítica construtiva, Ana aconselha novos empreendedores, dentro da restauração, especialmente na nossa comunidade, a sentirem-se mais confortáveis em abrir espaços em zonas com que não estão familiarizados, e que arrisquem passo a passo. “Inevitavelmente, muitos fazem o oposto sem perceberem como isto pode impactar um negócio a longo prazo. Desde o poder de compra a gastos secundários, a remuneração não corresponde às despesas”.

Ao passo que idealizam quando e como se sentirão bem sucedidas, ambas partilham com bastante orgulho que o auge já foi tirarem férias. “Fomos para Marrocos e depois para o Vietnam. Depois de anos sem férias mas que têm valido muito a pena”.

Em geral, The Fam Kitchen tem sido uma montanha-russa para esta família e, como Ana esclarece, “o desânimo não tem espaço no empreendedorismo porque ele é feito de lindos altos e baixos mas principalmente, muitos baixos”. E no final do dia, esta jornada ensinou-lhes bastante também. “Aprendi que agora só tenho que trabalhar menos porque já dei muito de mim ao trabalho”, reflecte Aida. “E encontro-me mais fria também. Talvez porque houve muitos pontapés, então tive que assentar os pés na terra e ver que as coisas nem sempre vão correr como espero. Apesar disso, não mudaria nada porque aprendemos com tudo o que nos trouxe aqui e valeu tudo a pena”. Simultaneamente, Ana garante que, a bem ou a mal, esta jornada levou-a longe também, aprendendo bastante em termos de gerência, gestão empresarial e como delegar, permitindo assim que o seu corpo possa descansar e evitar ser uma super-heroína constantemente.

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