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“A luta vai continuar, por isso, bebe mais água, ama e segue adiante”, Huca

Bruno Huca | DR
Bruno Huca | DR

Com pegadas ascendentes na música desde os seus 14 anos, o artista moçambicano Bruno Huca, mais conhecido por Huca, reluz hoje como uma das poucas figuras negras presentes no português Festival da Canção 2024, que decorreu entre 24 de fevereiro e 9 de março. Tendo participado com “Pé de Choro”, uma canção etérea e nostálgica, apesar de não ter ganho, Huca deixou a comunidade negra com uma grande mensagem ao longo do caminho: a cultura é nossa e as camadas do nosso trabalho que se erguem através de sangue, suor e lágrimas, também estão bastante presentes na fundação da música contemporânea portuguesa.

Sendo um ser de vários talentos, o cantor, ator, músico, compositor e diretor formou-se em Teatro – na Formação de Atores na Escola Superior de Teatro e Cinema em Lisboa, entre 2003e 2006 – e mergulhou profundamente na sua carreira em 2005, ao colaborar artisticamente com diferentes encenadores em vários projetos e países, incluindo Moçambique. Ao contemplar quem é realmente atrás dos bastidores, o artista não hesita e afirma poeticamente que é “uma árvore”. E ao refletir na sua resposta, garante-nos que não está louco. “Achei uma metáfora boa para o facto de me sentir sempre enraizado naquilo que quero fazer, de transmitir como um tronco forte essa solidez, a do trabalho. Porém, ao mesmo tempo conseguir ter ramos leves que seguram todos os detalhes e subtilezas de cada folha delicada que faz parte do que vai ser apresentado. E sobretudo sou muito sereno”.

Assim, Huca partilha connosco que desde muito jovem, aos 3 anos de idade, já revelava uma inclinação natural para a música. Ao longo do tempo, embora por vezes se sentisse um tanto solitário, o cantor descreve que uma das suas principais formas de entretenimento era praticar canções, o que inadvertidamente o preparou para os grandes palcos. Este processo de desenvolvimento musical não só moldou a sua identidade artística, como também o levou a criar um conteúdo musical singular, que ele descreve pessoalmente como uma mistura diversa e não limitada a um único estilo. “Aos sete, a minha brincadeira favorita, mesmo sendo solitária, era escolher uma música da Whitney Houston e dar-me uma semana para executá-la na perfeição. Mesmo sem o saber, ali estava eu a trabalhar o aparelho vocal. E a primeira vez que me apresentei em público, foi sete anos depois, em Maputo, num festival de música onde cantei “Nem um dia”, de Djavan, e o meu primeiro original, “Dama de Xanga”.

No que toca à sua música, o cantor enfatiza que o seu trabalho não tem etiqueta, ou seja, “sei que é uma resposta inesperada porque estão sempre à espera de um género musical, uma caixa. Mas eu próprio não consigo identificar um género único. E cada vez gosto menos dessa prisão”.

Ao considerar-se um indivíduo extremamente eclético e realçando o facto de que dentro de si ressoam vários estilos musicais, desde ópera a semba, de marrabenta a fado, e até mesmo música tradicional moçambicana e portuguesa, Huca esclarece que não é possível defini-lo numa única categoria. “Sou tudo isso [num só]”, explica. Devido ao conhecimento e sabedoria musical que foi adquirindo ao longo dos anos, inspirado por figuras como Lauryn Hill, Djavan, Prince e muitos outros, o artista também nos explica que, apesar de possuir um vasto material original pronto para partilhar com o mundo, não sente pressa em alcançar o que muitos consideram o momento certo. Ao desejar utilizar a sua voz como uma ferramenta ativamente social, revolucionária e política, Huca assegura-nos que o amor manifesta-se grandiosamente nas entrelinhas.

Hoje em dia, como artista multidisciplinar, Huca trabalha regularmente com a companhia de teatro “Mala Voadora” mas não se fica por aí. De apoio dramatúrgico, vocal e de movimento à criação e encenação de espetáculos, podemos encontrar impressões brilhantes em projetos de natureza muito distintos como “Aurora Negra”, o primeiro espetáculo liderado por mulheres negras no Teatro Nacional D. Maria II, a Tour mais recente de Dino D’Santiago, “Kriola/Badiu” ou outras criações contemporâneas e dança, com interseccionalidade texto-movimento-música sempre debaixo da manga.

Bruno Huca | DR

Num mundo alternativo, Huca diz-nos que se tivesse que escolher apenas entre cantar ou atuar, não seria uma decisão difícil porque afinal ambos os papéis estão bastante interconectados e presentes na sua vida. “Cantar atuando ou atuar cantando que já é o que faço”. No entanto, admite que neste momento, em que se encontra quase a completar 20 anos de carreira como ator de teatro profissional, sente-se seguro em dizer que ficaria pela música e daria mais 20 anos de si mesmo à indústria.

Em relação ao Festival da Canção, do qual fez parte este ano, Huca relembra-nos que presenças como dos artistas Eduardo Nascimento e Sara Tavares são momentos relevantes e poderosos num espaço predominantemente branco. “Infelizmente, em 60 anos de história do Festival da Canção não somos assim tantas figuras negras a representar a diversidade da música que se faz no país e, por isso, assumo como uma importância imensa esse lugar. Não só de ocupar espaço para relembrar mas também para que se ergam questões de quê e quem é composto o panorama musical e cultural português contemporâneo. Ademais, tenho a certeza de que a passagem pelo Festival inspirará mais artistas negros e negras portugueses de descendência africana a sentirem naquele lugar um lugar de pertença”, reflete o cantor.


Num tom mais pessoal e descontraído, Huca confessa que não daria nada pela sua falta de habilidade em criar designs de roupa incríveis para si mesmo, uma vez que simplesmente não tem esse talento. No entanto, o ator assegura-nos que um dos seus grandes objetivos para este ano é tornar-se o seu próprio estilista e alinhar o seu visual com o seu talento. Além disso, como bom artista que é, ele também não se acanha em exibir os seus talentos no chuveiro, acompanhado de todos os géneros possíveis. “De funk brega a pop brega, no chuveiro quanto mais brega melhor. Contudo, ultimamente ando viciado nas minhas últimas criações enquanto decido quais colocar no primeiro álbum ou EP”, revela o cantor.

De um modo geral, apesar de ter mil e uma colaborações em mente, o artista não hesita e aplaude o impacto que Maria João teve no seu desenvolvimento artístico. “Pergunta difícil do género ‘o pai ou a mãe?’, [ainda assim, eu diria,] Maria João, por ser das artistas que me deu a chave para desbloquear a minha liberdade para ser quem quiser, para me expressar pleno e sem medo de existir e de me colorir fora dos limites do padrão. Ela ensinou-me que não faz mal eu ser plural. Ser anjo e besta. A João não é apenas uma inspiração musical mas também é inspiração de um estilo de vida”.  

Finalmente, ao reflectir na sua jornada até aqui e no que ainda há para vir, Huca deixa-nos com uma mensagem carinhosa, dirigida a um Bruno Huca de dez anos, alguém que o artista guarda docemente no peito e faz questão de deixar orgulhoso: “Não mudes nada e continua a escolher os caminhos com o coração e a humanidade no sítio que os teus antepassados te ensinaram. Continua a existir fora do padrão e usar as calças do avesso. És plural e isso é belo. Vais chegar aqui com algumas dores de crescimento e isso também é belo. A luta vai continuar, por isso, bebe mais água, ama e segue adiante!”.

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