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“O primeiro pensamento é o melhor pensamento”, tributo ao professor Miguel Gullander

Conquistei a sua confiança e amizade a tal ponto que me disse: “olha, à parte de tudo, podes tratar-me pelo meu nome”. Isso era para mim uma grande honra e, ao mesmo tempo, um enorme peso, ao pronunciar um nome tão significativo que, seja como Miguel Gullander ou apenas Miguel ou Gullander, isoladamente, a história por detrás deste ser é vasta como o universo. Imensurável e extremamente admirável.

Quando me recordo de pessoas pelas quais nutri um amor à primeira vista, penso igualmente no professor Gullander, capaz de me ensinar muito além do que nos transmitia entre as quatro paredes através da linguagem literária. Sobre a vida, os desafios de humanizar a humanidade, ser uma pessoa e cumprir com os próprios desígnios da existência, são alguns dos tópicos que aprendi e conservo comigo. Conheci-o numa oficina de escrita criativa em Bissau. Desde a primeira sessão, fiquei fascinado com a sua dicção, projeção vocal, postura e os conteúdos que partilhava.

Em cada palavra, um mundo de histórias por desvendar e aprender a recordar. Todos eram tratados por igual, independentemente da sua experiência prévia na escrita, sentindo-se incluídos nas suas aulas. Para aqueles que duvidavam do valor dos seus próprios escritos, o Professor Gullander encorajava sempre com a máxima: “o primeiro pensamento é o melhor pensamento”, incentivando os seus estimados alunos a se auto motivarem para escrever, escrever rapidamente e escrever bem. Por outro lado, para moderar o ego daqueles que presumiam saber tudo sobre a arte da escrita, ele advertia: “não esqueçam que the first draft is shit [o primeiro rascunho é mau]”.

Se estivermos à procura de uma pessoa equilibrada, que ensina com uma justiça ímpar, Gullander era a escolha acertada. Quanto a mim, em particular, nos nossos encontros extra, transmitia-me energia e motivação para escrever, desafiando-me com uma dupla missão: escrever para tocar o coração das pessoas e, simultaneamente, provocar mudança enquanto escritor. Infelizmente, publicarei o meu livro de contos infantojuvenis sem ele ser o meu editor, o que era um dos objetivos que nos unia profundamente.

É certo que, enquanto viver, não esquecerei os momentos mágicos partilhados, a falar sobre literatura, amizade, amor à humanidade e como o Projeto Muntu – Contrariar o Machismo pode fazer a diferença na sociedade guineense, estruturalmente machista. Todos esses momentos, entre Bissau e Lisboa, permanecerão bem guardados, e por realizar, fica o jantar ou almoço com a sobrinha dele. O que guardarei ainda com mais afeto é a sua mensagem sobre o 8 de Março, à qual não acrescentarei mais nada, pois concordo plenamente com a lição que deixou a todos os seus próximos sobre o papel das mulheres neste mundo.

Estimadas Senhoras, Amigas, Mães, bom dia. Feliz feriado.
Hoje é um dia em que – ao contrário da inebriação da celebração – devíamos fazer uma sóbria reflexão sobre os factos, realidade e números!
Há milhares de anos que
mais de metade da humanidade é brutalmente oprimida, silenciada e escravizada, frequentemente dentro da sua própria casa.
As estatísticas internacionais são ainda pavorosas no que se refere ao número de mulheres e crianças abusadas, espancadas, violadas. Uma em cada 5 mulheres será estuprada em algum momento da sua vida. E muitas nunca o contarão a ninguém.
A
realidade dos factos nunca nos faz ficar com vontade de celebrar, nem de festejar. Mas sim, de trabalhar pela urgente mudança do estado de coisas. Para que o futuro seja outro, o presente tem de mudar, outras sementes têm de ser plantadas para que o futuro nos dê frutos menos amargos.
As mulheres não são parideiras, as mulher não têm de ser “gostosas”. O mais importante numa mulher não é a sua sensualidade ou curvas , ou pior, a sua “bunda”. O mais importante numa mulher é a sua dignidade e a sua Alma. As mulheres não são as tais responsáveis pela expulsão do éden. Todos somos responsáveis! O jardim paradisíaco pode ser mesmo
aqui e agora se aprendessemos a compaixão e a benevolência.
Feliz dia da Mulher.
Professor Miguel Gullander

Passados quatro dias depois de ter lido isto, chega-nos a triste notícia de que o professor Gullander já não está, fisicamente, entre nós. Mas acredito convictamente que o seu legado continuará muito presente em todos os que aprenderam com ele.

Um abraço amigo e esteja sempre connosco quando decidimos escrever histórias para crianças e jovens menores.

[NDR] Miguel Gullander foi um professor que viveu mais de metade da sua vida em Cabo-Verde, Moçambique, Angola, África do Sul, Namíbia, Guiné-Bissau e São Tomé.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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