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Carmen Mateia, quando o ativismo torna-se profissão

Uma mulher, negra, de dreadlocks um pouco abaixo do ombro, camisola preta de mangas compridas, braços cruzados e largo sorriso no rosto.
Carmen Mateia | DR

Com um potencial nato para a liderança, Carmen Mateia é uma jovem angolana, de 25 anos de idade, que tornou-se numa das vozes mais sonantes do pensamento crítico de uma juventude inconformada e que demanda políticas públicas que possam moldar um futuro promissor para a sua geração e para o país como um todo.

É revisora Linguística, criadora de conteúdos, ativista e professora de Organização para acção comunitária e criação e gestão de projectos sociais. Venceu os prémios Líder Revelação e de Melhor Projeto nos Young African Leaders Iniciative Awards, em 2021, e trabalhou para organizações como a Omunga, Amnistia Internacional, SOS Kalipongo, FNUAP e UNICEF.

Natural do sul de Angola, Mateia foi criada entre Benguela e Ondjiva (província do Cunene). É graduada em Linguística do Português, no Instituto Superior de Ciências da Educação de Benguela e criadora de vários projetos socais como Maus Maus Maus, Agitadores Culturais, Na Fila do Pão (NFL) e Coordenadora Geral da Academia de Liderança Comunitária de Benguela.

Em entrevista à BANTUMEN, Carmen, partilhou connosco as suas visões, reflexões e perspetivas sobre uma variedade de assuntos sociais, sobretudo, os que de alguma forma impactam a juventude angolana.

Para falarmos sobre e com Carmen Mateia, é preciso entender as bases da sua formação. Desde muito cedo, foi mergulhada na literatura e na necessidade de desenvolver pensamento crítico, influenciada pela exigência do pai e do avô paterno, que a supervisionavam. “Eu tinha um avô que era muito rigoroso (risos), ele mandava-nos fazer composições sobre tudo. Tu dizes ‘Bom dia!’ e ele questionava, ‘Bom dia é o quê?!’ E depois, mandava-nos escrever uma página sobre bom dia, sobre casa, sobre o cão, sobre tudo. O meu pai, quando viajava de Luanda para o Cunene, trazia sempre muitos livros, então eu sempre tive acesso à literatura.”

A sua jornada com o associativismo começou na adolescência, como membro da Associação dos Escuteiros de Angola. Porém, para uma miúda que viaja com pouco kumbú [dinheiro], seria inconcebível pensar no ativismo como algo que faria na vida como ofício. “Sempre fiz parte de projetos sociais, sempre gostei de fazer voluntariado, mas nunca olhei com uma perspectiva de trabalhar nisso profissionalmente”, contou-nos.

Em 2019, o curso “Liderança Cívica”, no programa Young African Leaders Iniciative (YALI), na África do Sul, mudou completamente a sua visão sobre o ativismo. Tentou implementar o projeto Oficina Literária Carmense”, mas este caiu em saco roto por ser incompatível com o contexto angolano. “Assim que saí do aeroporto 4 de Fevereiro, subi no candongueiro… apanhei uma depressão”, recordou.

Entretanto, a carência de espaços de refúgio para aqueles que procuram se desenvolver, aprender e receber orientação motivou Carmen a fundar o projeto Maus Maus Maus, Agitadores Culturais, em 2020. Sediada em Benguela, a organização comunitária dedica-se a trabalhar com jovens de diversas periferias da região. O objetivo central do projeto é capacitar esses jovens, despertar neles uma sede por conhecimento e ajudá-los a tornarem-se figuras proeminentes nas suas comunidades. Ao oferecer um ambiente seguro e estimulante, Maus Maus Maus, Agitadores Culturais procura também desenvolver habilidades práticas e intelectuais, fortalecer a autoconfiança e o senso de propósito desses jovens.

De acordo com os últimos indicadores publicados em janeiro de 2023, pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em Angola, a maioria das pessoas empregadas está no emprego informal. O relatório mostra que “a taxa de emprego informal é maior na zona rural que na urbana, com 95,5% e 69,2%, respectivamente”. Atualmente, Angola tem cerca de 5,4 milhões de pessoas desempregadas, divididas entre 2,5 milhões de homens e 2,9 milhões de mulheres.

Questionada sobre a sua visão quanto ao desemprego que afeta muitos jovens angolanos, Carmen vaticinou que a falta de emprego não está apenas relacionada a questões governamentais. Na sua reflexão aponta vários outros fatores. “Há desemprego porque os jovens não têm habilidades para os empregos que estão disponíveis; há desemprego porque até há empregos disponíveis, mas os salários não são suficientes para fazer os jovens saírem de casa e irem até lá; há empregos disponíveis, mas não há, por exemplo, meios de transportes públicos para os jovens se locomoverem…”

Diante do problema, Carmen não apenas identifica os fatores, mas também desenvolve novas estratégias para mitigar esse cenário. Em 2023, criou o projeto Na Fila da Pão – um grupo do WhatsApp que funciona como uma liga profissional de oportunidades, com mais de 1000 membros do país inteiro e de outras parte do mundo, promovendo desde empregos, estágios, bolsas de estudos, oportunidades de voluntariado e atualizações sobre eventos.

Enquanto organizadora de eventos e gestora de projetos comunitários, Carmen depara-se com dificuldades em encontrar espaços onde realizar as suas iniciativas. Não há uma abertura muito grande da parte dos gestores de espaços. Nem que, por exemplo, a atividade seja remunerada, em que vais pagar por isso”, lamentou, acrescentando que chega a ouvir coisas como “não quero relações com ativistas aqui, não quero problemas com o partido X e Y”.

Outro desafio está relacionado à obtenção de fundos para garantir a sustentabilidade dos seus projetos. Para enfrentar essa questão, Carmen optou por operar a nível da comunidade, realizando campanhas de doações. Ela exemplifica como conseguiu adquirir colunas de som através de uma campanha lançada na internet.“ Então, começamos com uma campanha de angariação em abril de 2021 e a nossa meta era 292 mil kwanzas. Angariámos 354 mil”.

A estas dificuldades acresce o facto de ser mulher e ainda por cima muito jovem, o que constitui também barreiras. “Para mim, a idade sempre veio antes do meu género, porque sempre fui a mais nova em tudo. Eu fui a mais nova na minha universidade quando entrei”.

Perguntamos ainda a Carmen o que os trabalhos humanitários que desenvolve representam para si, e a agitadora cultural respondeu: “São coisas nas quais acredito cegamente. Tenho grandes expectativas em relação a elas… São coisas das quais não consigo abrir mão, é a minha vida”, rematou.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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