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Elga Fontes é Quem Me Lera, a influenciadora que quer pôr o mundo a ler

Elga Fontes, criado do perfil Quem Me lera | Dr
Elga Fontes, criado do perfil Quem Me lera | Dr

“Constante porque os livros sempre foram uma constante na minha vida. Quer seja no trabalho, nos meus momentos de prazer, de aprendizagem ou até mesmo quando me encontro à procura de paz.” Este é o poder que livros e a literatura têm em Elga Fontes, uma tradutora, de vários ofícios, com apenas 27 anos e que tem liderado o mundo dos bookfluencers nas redes sociais portuguesas.

Para além de ser tradutora, bookfluencer e revisora de texto, Elga conta-nos que é uma pessoa que necessita estar sempre em movimento e ocupada. Gosta muito de viajar e explorar coisas novas enquanto aprecia, simultaneamente, a sua zona de conforto. A sua jornada com o Quem Me Lera, uma plataforma online desenvolvida em 2019, marca não só o seu amor por trocadilhos mas também a sua vontade de criar um espaço mais inclusivo e diverso para outros leitores em Portugal.

“Foi uma jornada muito inesperada e orgânica porque, quando criei o Quem Me Lera, não tinha quaisquer perspetivas profissionais para a página ou mesmo para a área da edição. E o Quem Me Lera ajudou imenso nesse sentido. A página direcionou-me um bocado para aquilo que eu tanto procurava mas não fazia ideia que necessitava”, confessa Elga. “Então, o Quem Me Lera emergiu numa altura em que eu ainda estava um pouco perdida mas, eventualmente, encontrei-me a mim mesma neste mundo dos livros. Agora, quanto mais me conheço, mais me encontro em outras coisas, e tenho bastante que agradecer ao Quem Me Lera, e a dimensão que a página ganhou na minha vida pessoal e profissional.”

Num âmbito que requer muita motivação, após tarefas bastante repetitivas como revisão, verificação de factos ou verificação de fontes, como alguém dentro do mundo da edição, Elga explica honestamente que é puxado e exigente, manter-se motivada todos os dias. No final do dia, o seu diário exige muito no quesito mental, e quesito de disponibilidade e tempo, mas é algo que lhe dá muito prazer. “Primeiramente porque foi algo que nunca me imaginei a fazer”, diz.

Depois de se ter formado em tradução na licenciatura e ter praticado tradução literária, na altura, Elga lembra-se de pensar para si mesma que não se imaginava a fazer aquilo e que o seu foco estava em legendagem. “No entanto, surgiu a oportunidade de traduzir um livro e descobri que adorava fazer aquilo. E desde então que não tenho parado e tem sido incrível. Gosto muito de traduzir e de fazer revisão de texto. Todavia, prefiro tradução porque sinto que é algo que me permite exercitar a minha criatividade. E sinto que estou constantemente a nadar entre ideias e coisas que gosto e a tradução dá-me espaço para fazer tudo isso ao mesmo tempo”.

Na sua carreira de tradutora, a Elga revela que os seus trabalhos favoritos até à data incluem o Lendários, de Tracy Deonn. Porque é uma estória com que se identifica muito mas também tem uma mensagem que a tradutora considera importante. Um mensagem “que eu própria tento integrar no meu conteúdo e na forma como vivo”. E sendo um livro de fantasia, que introduz termos e conceitos novos, apresentou-se um desafio que “gosto muito, que é o tentar criar alternativas para o português. Aí parte um bocadinho de mim, “se tenho este conceito que existe neste mundo, como é que consigo transcendê-lo para português e estes leitores?”, é um exercício que gosto muito de fazer”, admite. “Também sou revisora de texto, então tento aplicar esses critérios na minha tradução. Porém, no mundo da revisão de texto, há que conhecer bem a língua portuguesa para que haja espaço para um contorno, se necessário. E pelo menos, no meu trabalho sempre houve espaço e liberdade para tal, sobretudo em géneros como a fantasia ou a ficção num âmbito menos realista, digamos assim.”

No mundo linguístico, grandes mentes como Ngũgĩ wa Thiong’o, escritor, professor e dramaturgo queniano, expressam preocupações em relação à tradução, argumentando que grandes trabalhos não deveriam ser traduzidos. Com embargo, a tradutora esclarece que mesmo percebendo, não concorda completamente. “Acho que a tradução é uma forma de tornar grandes trabalhos acessíveis. Por muito que se tenha normalizado a perda no processo de tradução, acho que quanto mais acessível um trabalho for, maior é a sua grandiosidade.” Não achando que a tradução em si leve, eventualmente, a um teor de genocídio linguístico, sendo que várias línguas, culturas e comunidades, não ocidentais perdem-se através da tradução, Elga adiciona que “a tradução de um livro de inglês para português não é direcionada ao leitores ingleses. Os leitores ingleses têm uma obra direcionada directamente a eles. E o mesmo acontecerá com os leitores portugueses. No fundo, uma tradução é uma reprodução, mesmo que nunca esteja à altura que o trabalho original. No final do dia, há sempre coisas que se perdem em tradução.”

Hoje em dia, mais leitores esperam poder ver um âmbito literário mais inclusivo, igualitário e diverso, especialmente um que inclua vozes não-brancas. Por conseguinte, com um olhar confiante, enquanto reflete no que mudaria no campo, Elga garante-nos que o seu primeiro passo seria fazer uma análise de todos os livros que são publicados, especificamente no que diz respeito à identidade étnica dos autores, e se calhar até mesmo do género. “Porque, antes de nos empenharmos a resolver o problema, é necessário reconhecer que o problema existe”, insiste. “E acredito que se fosse feita essa análise – ‘Que livros foram publicados este ano?’, ‘Que pessoas escreveram esses livros?’, ‘Quantas pessoas brancas e não-brancas fazem parte dos catálogos das maiores editoras?’ -, talvez aí sim seríamos capazes de reconhecer o problema de disparidades existentes e tomar medidas para o eliminar. Essa seria a minha primeira medida”.

Elga pondera ainda sobre o poder de plataformas como o Tik Tok, que influenciam hoje muito da qualidade de produção e aquisição para muitos autores e editores. A bookfluencer acredita que o Tik Tok e a criação de conteúdo digital direcionada aos livros nessas plataformas impulsiona muito as vendas, algo que já foi provado. “Automaticamente, isto cria uma mudança de paradigma, no sentido que tanto as editoras como os escritores, vão tentar escrever e comunicar para apelar a esse público e sector, enquanto se focam apenas em vendas, porque isto no fundo acaba por ser um negócio. E, infelizmente, esse lado vai ser sempre predominante nos interesses das editoras e empresas que lideram o mercado”.

Frequentemente, para muitos leitores a necessidade de acabar um livro, a todo o custo, mesmo quando um livro não combina com a sua alma, toma conta deles. Não obstante, mesmo apesar desse sentimento de culpa que emerge às vezes, a tradutora e devoradora de livros, clarifica que se for necessário, certos livros têm de ser deixados para trás. “Deixo de lado e às vezes nem chego até metade,” confessa. “Eu sei que se não dá para mim, não tenho problema nenhum com isso e, se for preciso, nunca mais volto a pegar nele”. Elga explica-nos que é uma leitora por disposição. Ou seja, o que lê tem de ir ao encontro da sua disposição, naquele exato momento. “E também, às vezes acontece muito, ‘agora vou ler um romance’ e pego num romance; contudo, posso bem mudar de ideias e não hesito em pegar noutro livro. E ali vejo que afinal precisava de algo diferente. Talvez dando tempo ao tempo, o romance me chame outra vez”. Com um sorriso confiante e uma aura radiante, Elga enfatiza que é uma questão de prioridades. “Valorizo demasiado o tempo que tenho para o gastar com livros que não são para mim”.

À medida que conta os livros que já leu este ano, Elga perde-se em pensamentos, “Ai, já perdi a conta!”, suspira. A leitora ávida afirma que ja foram alguns e que deve estar entre os 50 a 60 títulos, até agora. No que toca aos favoritos, este ano, também assegura que tem vários. “Gostei muito do Babel, do Heart Stopper Volume 4, Marca de Sangue – que foi um livro que traduzi, a sequela do Lendários, Felix Ever After, um livro com um protagonista trans, e Punching The Air, que ainda não tem tradução para português mas é uma narrativa escrita em verso que se foca no sistema prisional dos EUA e o racismo institucional, e é cruamente bonito e triste”.

Numa sociedade que facilmente se encontra mais presente nas redes sociais ou com uma rotina extremamente sobrecarregada, muitos acabam por achar difícil conseguir engajar com a literatura a tempo inteiro ou de todo e por isso Elga aconselha “começar por baixo.. A bookfluencer sugere navegarmos primeiro nos livros infantis ou um livro cuja leitura seja fácil, uma banda desenhada ou uma novela gráfica, que são estórias que, por norma, têm uma narrativa mais simples e que não são tão desafiantes para o cérebro. “Começa por aí e vai evoluindo”.

Mesmo tendo um coração aberto para tudo relacionado com literatura, edição e exploração de criatividade, no que diz respeito a um livro seu, Elga garante-nos que talvez haja a possibilidade um dia mas, para já, não está nos seus planos. “Gosto mais de trabalhar no livro dos outros”, explica.

Com o intuito de mudar as condições literárias para o público não-branco, em Portugal, Elga sugere que mentes como a dela, que tentam sobreviver aos ataques diários duma sociedade capitalista, racista e machista, mergulhem em livros como os da Tracy Deonn, para quem gosta de fantasia. Elga descreve Lendários como uma saga pertinente, em que a protagonista é negra e aborda temas muito importantes como racismo e instituições que excluem pessoas negras. A saga relata também um processo de auto-conhecimento, enquanto se procura a própria força e se explora a identidade num mundo ou sociedade que está sempre a deitar-nos para baixo.

“Fui a tradutora desses livros para Portugal e foi uma honra enorme porque senti esses livros como um abraço. Eu, como mulher negra, revi-me bastante em muitas das lutas da Bree e das violências que ela passou e consegui inspirar-me na força dela também, partilha. “Consequentemente, proponho Ontem à Noite no Telegraph Club, uma obra centrada numa família sino-americana, particularmente, sobre uma menina no seio dessa família que se descobre lésbica. Existe uma exploração profunda da sua identidade e toca não só em questões raciais mas também de género. É uma estória muito bonita”. E para finalizar com a cereja no topo do bolo, a bookfluencer recomenda o Memórias Da Plantação, de Grada Kilomba. “Foi um livro que li há anos mas pretendo relê-lo este ano visto que, para quem passa por isto, é um lembrete de que não estamos sozinhos. É muito disruptivo, forte e bastante educativo. E acredito que deveria ser daqueles livros obrigatórios no ensino escolar, também.”

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