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Há dez anos que Marfox leva a “batida de Lisboa” para o mundo

DJ Marfox
DJ Marfox | BANTUMEN

Spoiler: este artigo deve ser lido entre 100 a 140 BPMs, a frequência que pauta a batida de Lisboa, que tem alma portuguesa e africana, e com a qual Marlon Quintas dos Santos e Silva, aka DJ Marfox, começou a sua aventura na música.

Foi aos 18 anos que o artista lançou-se na arte do deejaying, com “Un Bes Bai”, em colaboração com o Kota Lume, que fez parte do lançamento da compilação “DJs do Guetto Vol. 1” (2006). O projeto contou com nomes como DJ NK, DJ Nervoso, DJ Pausas, entre outros.

Estivemos em casa de Marfox, que é também o seu home studio. A música que ali produz sai “do Mocho para o mundo”, como o próprio afirma. O produtor é um dos pioneiros daquilo a que muitos chamam de música afro-portuguesa, apelidada pelo próprio de batida, muito influenciado e inspirado pelo movimento do kuduro angolano, que chegou a Portugal no início da década de 90. Desde então, começou uma mesclagem sonora o que se ia ouvindo nos bairros portugueses de maioria afrodescendente e a batida que chegava de Angola. O kuduro cantado deixou de fazer parte da produção, cedendo o lugar a um kuduro mais eletrónico, com elementos de funaná e outros géneros musicais, mas sempre dentro da cena africana PALOP.

Era só fazer, nós não tínhamos noção. Uma vez, de estar tão emocionado, partilhei com o grupo que ainda íamos ser os melhores DJs de Portugal e eles riram-se de mim. Hoje, já demos duas voltas ao mundo.

Marfox

Isso só foi possível após o lançamento de “Un Bes Bai”, tema que popularizou o nome Marfox e que o levou a conhecer outras paragens geográficas. “Esse foi o som que me abriu as portas internacionais. Para as pessoas terem uma ideia, fui a França, Luxemburgo, Suíça, entre 2007 a 2008. Fui um dos primeiros DJs afro a ‘atacar’ esses países(…). Na altura, [as pessoas] só queriam ouvir funaná e as minhas batidas, então isso deu-me a certeza que estava a fazer a coisa certa. Quando vês que o teu trabalho passou fronteiras e está a tocar em outros países, e até em lojas, ficas feliz. E dizes: quem diria, que um miúdo que nasceu na periferia, a música dele estaria a ‘rolar’?”, explicou Marfox com um sorriso nos lábios.

Na altura, o produtor, juntamente com alguns companheiros DJs, faziam música por fazer, sem grandes compromissos. Juntavam-se com o único propósito de criar música nova, com uma sonoridade diferente mas que ao mesmo tempo fizesse lembrar as raizes de Angola, Cabo-Verde, São Tomé, Moçambique ou Guiné-Bissau. Com um som renovado a ecoar pelas colunas das festas nos bairros e a adesão em massa dos moradores àquela batida, um sonho começou a materializar-se. “Era só fazer, nós não tínhamos noção. Uma vez, de estar tão emocionado, partilhei com o grupo que ainda íamos ser os melhores DJs de Portugal e eles riram-se de mim. Hoje, já demos duas voltas ao mundo [para tocar]” explicou.

Numa altura em que estava a descobrir-se como DJ e produtor, Marlon sabia o que queria fazer, tinha vontade, só desconhecia o caminho a seguir. Com o tempo, as arestas foram sendo limadas, a sua visão tornou-se muito própria assim como a sua música e criou uma identidade reconhecida em qualquer lugar do mundo. A batida de Lisboa, que vem das preferias da capital portuguesa e cujo beat é autosuficiente.

Para Marfox, a música que faz é continuidade de quem é; é sentir a alma a passar para a track. É um som que vem do coração, que começa no quarto, saí pela janela e chega a qualquer lado. O artista pode até ser ouvido a nível internacional, mas quando tem de explicar o que quer passar com a sua música, são os “seus” que lhe vêm à mente: “Ver os miúdos do bairro dançarem o que estão a ouvir, sem qualquer tipo de explicação, apenas dançam e sentem o groove”.

Em 2011 foi pela primeira vez editado internacionalmente um tema seu: “Rádio Oxigénio AM”, na compilação “Bazzerk – African Digital Dance Music”, da editora suíça Mental Groove Records. Eu Sei Quem Sou, o seu EP de estreia surgiu em fevereiro de 2012 e foi o primeiro lançamento da editora lisboeta Príncipe.

No mesmo ano, lançou o EP Unknown Artist, com a londrina Pollinate Records; a seguir chegou o EP Subliminar, pela Enchufada, e, em 2014, Lucky Punch, com a norte-americana Lit City Trax.

Em 2015, Marfox participou no primeiro volume da série “Cargaa”, da britânica Warp Records, e lançou na NOS Discos o Revolução 2005 – 2008. O EP Chapa Quente foi disponibilizado em 2016, de novo com a Príncipe.

Príncipe é a editora discográfica da qual Marfox faz parte e é totalmente dedicada a lançar 100% de música de dança, quer seja contemporânea, quer venha dos subúrbios ou bairros, desde que traga uma nova sonoridade, formas e estruturas com a sua própria poética e identidade cultural.

”A Príncipe só surge porque há uma exclusão da própria noite africana a estas batidas, latarias, sons do gueto, como já ouvi. E a Príncipe reciclou isso, até mesmo nas nossas mentes. Quando me foi feito o primeiro contacto, disseram que ia criar uma noite só com este tipo de música. Eu achava que era mentira. Depois, apresentei a Príncipe a outros músicos, falei e expliquei mais ou menos o que o projeto acentuava. Eles riam-se”, porque o feedback que tínham tido nas várias casas noturnas onde tocavam era negativo, como se a música deles não fosse boa. “Isso foi algo que nos venderam. Só nos incutiram isso porque nada vende mais do que o medo, então, se eu te vender o medo de que tu não és bom, tu não és bom, mesmo. Mas se eu te encorajar, tu vais tornar-te em alguém. E foi isso que a Príncipe fez. Teve a sensibilidade de perceber a nossa riqueza musical. Dez anos de Music Box, zero problemas, vamos para todo o lado com esta música, tocamos dez horas, zero problemas” ressaltou Marfox.

Na altura em que Marfox começou a fazer música – especialmente música conotada como sendo de gueto -, sair das quatro paredes do bairro era um sonho que parecia impossível de realizar, mas bastou alguém acreditar no seu potencial e dos seus, para as coisas tornarem-se mais palpáveis e tangíveis, que foi o que aconteceu com a editora Príncipe. “Hoje em dia bazamos para o outro lado. Ou seja, o que para ti é mau para o outro é arte”.

DJ Marfox tem atuado ao vivo um pouco por toda a Europa e Reino Unido, em clubes e festivais de referência, além das várias visitas aos EUA, Canadá, Brasil, Angola, Uganda e Ásia Oriental. O seu percurso inclui ainda colaborações e remisturas para nomes como tUnE-yArDs, Elza Soares, Fever Ray, Capicua, Panda Bear (Animal Collective) ou KOKOKO!.

Abaixo podes conhecer um pouco mais sobre o percurso do DJ Marfox e arte que cria através das colunas do seu quarto.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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