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Ivan Almeida, um basquetebolista, cantor e produtor, movido pelo amor

Ivan Almeida / Foto: Irís Maximiano
Ivan Almeida / Foto: Irís Maximiano

Ivan Almeida é músico mas é reconhecido principalmente no mundo do desporto, como jogador profissional de basquetebol. Atualmente, representa o Benfica, clube com que conquistou o título de campeão nacional de basquetebol em Portugal, no ano passado. Ivan Almeida destaca-se verdadeiramente quando se trata da modalidade que pratica, tendo sido um dos principais responsáveis pela inédita qualificação da seleção cabo-verdiana para o Mundial de Basquetebol.

Além do seu talento na quadra, Ivan tem vindo a surpreender os seus fãs ao revelar-se também como artista. Para além de jogador, é cantor, produtor e compositor. Fundou a iAlmeida Music, uma produtora discográfica com foco em rappers e cantores cabo-verdianos, como Ga DaLomba, Kappa B, August Silva, entre outros.

Neste momento, Ivan encontra-se, juntamente com August Silva, na fase final de preparação do primeiro EP, com lançamento previsto para este mês de abril, após já terem lançado singles como “Korreria” e “F.A.M.E”.

Num encontro marcado no Centro Cultural de Cabo Verde, em Lisboa, aproveitando uma das folgas de Ivan Almeida, sem treinos e sem um horário definido no seu home studio, sentamo-nos para conversar sobre esta jornada entre o basquetebol e a música, enquanto desfrutamos das delícias da gastronomia cabo-verdiana, como a mousse de Kamoka, e apreciamos quadros de artistas locais que decoravam o ambiente da sala.

Além de atleta, és também cantor e produtor mas vamos começar pelo basket. Tudo começou aos teus 11 anos. Podemos culpar o professor Francisco Romero e a Ami Basket?

Na altura jogava futebol, mas já tinha dado tudo. Queria algo novo, um novo desporto, isso entre os anos 2000 e 2001. Certo dia, estava na cidade da Praia (Cabo Verde) e havia um jogo ou um treino de basket, que era precisamente da escola do professor Francisco Romero, a Ami Basket. E umas das cenas que me deixou admirado foi a forma como estavam vestidos. Todos de camisolas brancas, bem vestidos, tudo organizadinho a fazer exercícios de basket. Gostei muito do que vi e virei-me para o meu pai e disse que era aquilo que eu queria fazer (risos). Na verdade, eu já tinha tido contacto com o basket, mas nunca me tinha despertado a atenção como naquele dia. O meu irmão também jogava, mas naquele dia deu aquele clique.

Fizeste futsal, karaté, capoeira, mas foi o basquetebol que te deixou apaixonado e isso fez com que viesses para Portugal entre 2006/2007. Nessa altura foste campeão de Portugal, pelo Ovarense, mas só em 2012 tornaste-te profissional. Porquê tanto tempo depois?

A educação dos meus pais era rígida. Tu não podias ser profissional sem ter estudos. E também para mim, mesmo para os meus objetivos, a escola sempre esteve em primeiro lugar. Na altura o meu sonho era mesmo sair de Cabo Verde. Tinha terminado o liceu aos 17 anos e era para ir direto para os Estados Unidos, para terminar lá o secundário, e tentar ir fazer pelo menos o prep school, que é um ano de preparação entre o liceu e a universidade, para depois entrar numa universidade lá. Mas os meus pais acharam melhor que eu viesse para Portugal, primeiro porque ainda era menor de idade e, segundo, porque era a mesma língua e seria mais fácil eu adaptar-me fora de Cabo Verde. Consegui então vaga na Universidade de Aveiro, em Engenharia Informática, e fui para Ovarense no intuito de estudar e jogar. Eu morava em Ovar que fica mais ou menos à 40 minutos de Aveiro de comboio, treinava três vezes por dia e eles não perdoavam (risos). Não havia tempo para estudar, então acabei por deixar a Universidade e naquele ano foquei-me apenas no basket. E disse aos meus pais que tinha de ir para os Estados Unidos, porque em Portugal era impossível fazer os meus estudos e jogar ao mesmo tempo e eu queria fazer os dois. Então, daí essa pausa, entre 2007 e 2012, embora eu não fosse profissional, treinava com a equipa profissional, já fazia parte do plantel. Mas jogava com a equipa B e os juniores B, na altura.

Quando cheguei aos Estados Unidos, no ano seguinte, foi um choque de realidade, algo completamente diferente do que eu estava habituado. Lá, tens de estudar para poder jogar, onde priorizam os teus estudos, ou seja, eles estão mais preocupados com o teu desenvolvimento pessoal e académico do que com os resultados no desporto. Claro que existe uma preocupação, mas primeiro tens de ter a parte académica. O que acabou por facilitar muito nos meus objectivos pessoais e também no meu desenvolvimento pessoal. E pronto, tive quatro anos e meio nos Estados Unidos, que foi de 2007 até 2011, em Dezembro, quando terminei tudo. Tive direito a uma bolsa, na Universidade de Stonehill College. Fiz bacherelato em Ciências da Computação e Licenciatura em Designer Gráfico.

Ivan Almeida | ©Iris Maximiliano/BANTUMEN

Depois disso, vieste novamente para Portugal. Estiveste no Sampaense, depois no Vitória SC, foste eleito MVP, ganhaste taça de Portugal, como foi para ti tão jovem a conseguir tanta coisa num país que não era o teu?

Posso te garantir que não mexeu com o meu ego. Tem muito a ver com a educação do meu pai. Quando comecei a jogar profissionalmente, ele não me largou, do género “estou livre para fazer a minha vida”. Eles [os meus pais] estão sempre presentes na minha vida, e essa estrutura familiar foi e é bastante importante nesse aspecto, de ter os pés bem assentes na terra.

E uma coisa que o meu pai dizia era que tinha de sair de Portugal e ir em busca de campeonatos melhores. O meu pai obrigava-me a escrever os meus objetivos. E ele tinha metas do que é que eu tinha de fazer para poder ter uma oportunidade para sair do Portugal. Ou seja, aquilo não era ego, era mais por objetivos a curto e a longo prazo. E ele ajudava-me bastante nisso, e até mesmo nos meus contratos. Eu não assinava nenhum contrato que o meu pai não lesse antes. Estava sempre presente, com os meus agentes, via os jogos e dizia onde podia melhorar. Ele não me parabenizava pelos bons jogos, mas no que podia melhorar na próxima vez. Era a sua forma de mostrar amor. Nunca levei isso a mal, pelo contrário. Ajudou-me bastante a ser crítico de mim mesmo e lidar melhor com o que os outros pudessem dizer.

Jogaste em vários países, França, Itália, República Chega, Polónia onde conquistaste a liga polaca, duas vezes, e foste dos melhores jogadores. Depois de uma pausa devido a cirurgias, assinaste com o Benfica. Porquê?

Bem, essa decisão de vir jogar para o Benfica, foi uma junção da minha vida pessoal e profissional. Tinha-se passado muito coisa, estava nos meus 32 ou 33 anos, e depois o Covid. O Benfica é um clube cheio de cultura, é um clube de fogo. Há coisas que não se explicam, sentem-se e assinar com o Benfica é uma delas. Depois de estares dentro do clube é que entendes a dimensão que o Benfica tem. O que tinha conseguido alcançar nos últimos anos, a forma como me abordaram, tinha lá antigos colegas com quem joguei, como o Beto Gomes, o Aran Versado e o Betinho, que faz parte da seleção, então tudo ajudou para que eu assinasse.

E eu estava numa altura má, estava a recuperar de lesões, tinha feito cirurgias em 2021, em março e abril, um no pé esquerdo e outro no pé direito, em agosto estive a representar a Cabo Verde, no Afro Basket. Ficamos em quarto lugar, mas basicamente nem estava a 30% [do meu desempenho habitual], ou seja, estava a arriscar a minha carreira durante o Afrobasket. Estava de rastos, depois de todos os jogos, depois de todos os treinos fazia a minha própria recuperação, muito gelo, ter os pés ao alto para melhor circulação e etc. E claro que depois tive de recomeçar a minha fisioterapia, que tinha interrompido para jogar. Fiz fisioterapia até fevereiro. E, quando assinei em fevereiro de 2022 com o Benfica, continuei a fazer fisioterapia e recomecei a jogar, mas eles tinham visto o estado dos meus pés. Toda a estrutura clínica do Benfica, dos fisioterapeutas e ao preparador físico, ajudaram-me bastante. E isso fez com que eu desse um novo salto para reabrir a minha carreira, como atleta, no mesmo nível físico em que tinha estado antes.

Antes disso, eu estava mal, chorava, tinha choques e dores nos pés, e pensei que fosse o meu fim. Antes de assinar, ia treinar, todos os dias, tinha esperança que ia ficar bem. Felizmente correu tudo bem, mas se fosse o fim, embora eu não quisesse, eu estava a tentar, porque para ser o fim sem tentar, não vale a pena. E é essa a mentalidade que tenho.

Representas também o teu país, Cabo Verde, já há mais de 17 anos. Foram ao mundial de basket em 2023, pela primeira vez, onde tiveste bons números. Como foi?

Foi a primeira vez e estar dentro do campo e saber que estou a representar todos os cabo-verdianos, digamos assim, espalhados pela diáspora em busca de uma vida melhor, e eu estar num palco onde todos pudessem ver, transmite esperança. Que podemos todos sonhar, que podemos agarrar-nos a alguma coisa e lutar para a conseguir. Isso para mim é a maior vitória, porque nós sabemos qual é a realidade em Cabo Verde. Muitos vivem com o sonho de poder sair de Cabo Verde e ser alguém lá fora. E, às vezes, esquecemos que é importante teres aquela janela em que possas ver os teus singrar primeiro.

Para além de existirem muitos ídolos de quem possamos gostar, as coisas tornam-se mais reais e palpáveis, quando, por exemplo os nossos jovens e crianças, veem o Edy Tavares ou o Ivan Almeida a jogar, porque vimos de uma realidade muito parecida em Cabo Verde. Foi um sonho, um orgulho para mim, poder representar o meu país e o meu povo, sem contar que a minha música tornou-se a música da seleção naquela altura, o “Fame”. Imagina, não estava à espera. Só tenho a agradecer.

O clipe saiu, está no YouTube, e está a ter sucesso. Não vou dizer sucesso, pronto. Está a bater mais que as minhas outras músicas. Porque o pessoal gostou da música, o pessoal manda mensagem. Para mim é uma satisfação ouvir que as pessoas gostaram e que ouvem a música e que lhes dá motivação, pelo menos para a maioria das pessoas que mandam mensagem. É a minha música favorita quando estou a fazer o meu workout. É o que imaginei quando a fiz, e saber que consegui transmitir isso, transmitir força para fazer o que queres fazer, não é só a vibe, mas a mensagem.

Falando de música, em 2018 criaste a tua própria editora, a IA Music. Qual foi a necessidade que sentiste para o fazer?

Senti que a editora pode ser muito um reflexo do que gostaria de ver a ser feito. A música que fazemos e a maioria dos artistas que temos, sempre foi de querer ajudar e também de eu ter a possibilidade de ajudar outros artistas, para dar um passo em frente.

Não quero bloquear o processo criativo de ninguém, se o artista sentir que quer dar um salto maior na sua carreira, é livre. A IA Music vem muito da minha experiência enquanto atleta e o facto de ter sempre os meus pais como apoio e orientação. E quero também poder passar essa disciplina que tive, usar a editora para os ajudar nas suas carreira musicais. Não é do género “que eu “vim aqui só para te assinar, para tu cantares”. Não, é mesmo um conceito familiar. São pessoas por quem tenho muito carinho, quero vê-las crescer. Foi isso que incentivou-me a compor, produzir e cantar, e isso é que é bonito, de ter as pessoas certas na tua vida. Da mesma maneira que eu os ajudo, eles também ajudam-me e retribuem ao fazer música com amor.

Além do basket, também estás focado na tua música. É fácil conciliar os dois mundos?

Às vezes custa-me encontrar tempo, porque venho dos treinos e jogos cansado, e o cansaço físico está ligado diretamente ao meu cansaço mental. É a parte mais complicada, porque gosto muito de estar no estúdio, curto muito as vibes que se podem criar e o ambiente. Já me tinham dito antes para apostar nessa minha vertente, mas o que me fez acreditar é o que sinto quando estou em estúdio com os meus.

Por exemplo, durante a produção da música “Ah Ahaha“, em que participei com o Hilar e a guitarra de Jorge Almeida, em 2019, sendo o primeiro single, nasceu da boa vibe que sentimos no estúdio. Foi tão boa que a música ficou pronta em duas horas. São vibes que não consegues explicar e é isso que eu gosto na e da música, aquela parte criativa. E depois disso o pessoal começou a puxar mais por mim. A pedir que fizesse a produção, o mix e master. Curioso como sou, comecei a descobrir e a aprender e hoje já faço tudo.

Há um lema no qual me rejo, que é o talento é trabalho. Não há aqui essa conversa de que nasci com isto ou aquilo, não. Tudo o que tens é trabalho. Nós sabemos que é assim na vida. Muitas vezes ouvimos a mesma conversa, “ah, o Cristiano Ronaldo tem talento. O Messi tem… Não, para além de talento é preciso trabalhá-lo e melhorá-lo. Muitas vezes não conseguimos perceber isso, mas aprendi desde cedo que na vida é tudo trabalho. Vi o meu pai, Engenheiro de Telecomunicações, ser gestor de uma das maiores empresas em Cabo Verde e dar o maior lucro de todos os tempos. Ou seja, um engenheiro de telecomunicações a passar para gestor da empresa, diretor-geral, a fazer isso. É devido ao trabalho. Antes de ele fazer isso, teve que fazer o Master de Business e Gestão. Uma área que ele não conhecia e completamente diferente da sua área de formação. E em cinco anos mudou tudo. É possível quando se trabalha para fazer acontecer.

Ivan Almeida | ©Iris Maximiliano/BANTUMEN
Ivan Almeida | ©Iris Maximiliano/BANTUMEN

És atleta de alta competição, és músico, dás também a tua voz para várias causas, és um ativista no que toca as questões e desigualdades raciais.

Quando cheguei a Portugal e depois de ter passado alguns momentos menos felizes, só o facto de estar a bater uma bola, já é motivo suficiente para atos racistas, desde ofensas a agressões. Tive entretanto contato com pessoas que passam por situações piores de racismo e preconceito. Há quem o sofra todos os dias. Há pessoas que estão num trabalho que sofrem racismo e que não podem dizer nada, porque se são despedidos é uma família de sete ou oito em casa que não tem dinheiro para comer. Pessoas que não estão legais ou registadas aqui em Portugal porque são filhos de imigrantes. Há muita coisa. Chego no centro de treino, e o segurança agradece-me por me ter levantado e abordar essas questões sempre que tenho possibilidade, porque, como homem negro, ainda enfrento episódios racistas em vários lugares, a estrutura é racista.

E há muitas pessoas que não sabem como contornar essas pequenas grandes barreiras. Já fui chamado de traficante por ter um bom carro e tinha os meus pais dentro dele… O objetivo aqui é tentar encontrar uma forma para que consigamos ajudar pessoas que precisem ser ajudadas e parar de discriminar pessoas que não fizeram nada para ser discriminadas e que estão aqui para tentar. Há pessoas que só precisam de um prato na mesa e não serem julgadas e pessoas de bairros sociais sofrem muito esse preconceito.

Talvez, quando eu fale e aborde certos temas e assuntos, isso pode dar motivação ao outro também a falar. E se todos falarmos, acho que conseguimos mudar alguma coisa, agora. Se eu estiver em silêncio, se tu também estiveres em silêncio, vamos ficar onde estamos. Vou expressar-me sempre, seja através do basket (sempre que possa) ou através da música. E claro, uso as redes sociais também para esse fim, porque por mais que eu esteja bem e não queiram que fale de certas cenas por trazerem consequências mais negativas, não posso e não consigo estar apenas focado em mim.

Tudo o que tenho, consegui à custa do meu próprio suor, tive um bom suporte das minhas pessoas que, de certa forma, ajudaram a construir o meu caminho. E também quero ser esse suporte para outras pessoas, porque nós não vivemos numa sociedade sozinhos. Se eu hoje conseguir ajudar-te ou melhorar algum aspecto da tua vida, tu depois consegues melhorar a vida de outro, e assim acho que conseguimos fazer uma sociedade melhor.

Depois da música e do ativismo, o que é para ti o basket depois destes anos todos?

Nha mano [meu irmão, traduzido do crioulo de Cabo-Verde para português] para mim, o basket é amor. Eu digo sempre isso. Se algum dia o amor por essa modalidade acabar, não vou jogar apenas pelo dinheiro. Por isso ainda jogo, dou o melhor de mim. Desde os treinos aos jogos, as competições, no Benfica, na seleção de Cabo-Verde, porque eu amo mesmo. Não vou fazer aquilo só porque tenho que fazer, só porque tenho que colocar pão na mesa. Não. Quando acabar o amor, quero sair, mas vou sair digno, sabendo que fiz de tudo e, mais importante, fiz com amor.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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