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Manifesto da Escuta

Manifesto da Escuta
📷: Dylann Hendricks

Se me fosse desafiado a escolher a palavra do ano, optaria, como é óbvio, pela “escuta”. Não porque é a palavra mais usada nos meios de comunicação social guineenses ou a mais utilizada pela população em geral ou pelos políticos em suas diferentes declarações nas inúmeras conferências de imprensa, mas porque é a palavra que está ausente nas nossas diversas ações político-sociais enquanto país.

De forma restrita, enquanto pessoas individuais e/ou coletivas pertencentes a um determinado território que outrora se honrou na luta e conquistou a “glória”, mas que, atualmente, ainda anda a palpar na escuridão em busca da claridade que lhe guiará.

Neste sentido, sou pela opção daquilo que nos faz falta e não por aquilo que temos em abundância. Como, por exemplo, o que estaria um guineense, atento a tudo, a pensar sobre qual foi a pior palavra ou frase do ano? Essa pior palavra ou frase do ano, em suas diversas formas, é imensamente repetida em quase cada virar da esquina de uma cidade que se encobre de lixo por toda a parte, mas que a mistura de gente, sons, cores, sabores e saberes que se envolve nela continua a manter a sua gente orgulhosa e firme.

No entanto, para que essa firmeza orgulhe, de forma mais pura e honrosa, a qualquer fidju di tchon, cada um tem que interiorizar o ritual de escuta enquanto alguém que quer prosperidade neste chão sagrado da Guiné-Bissau. Pois, durante este ano que nos larga do pé e da mão, curiosamente, ano em que completamos 50 anos enquanto nação livre e independente do jugo colonial, não soubemos curar para nos escutarmos uns aos outros. Não tivemos a maturidade suficiente para escutarmos o chão. Não fomos corajosos à risca para escutarmos a gente da terra, a gente do interior do país.

Saltamos “todos” com a bandeira daquilo que é uma das piores coisas que temos, que são os partidos, e fomos nos mobilizando, cada um à sua maneira, para ter a aceitação do povo. E essa aceitação acabou por não ser escutada e por não ser honrada da verdadeira forma como merecia o povo que, há mais de 50 anos, continua a ter na sua consciência de que “sufridur ta padi fidalgo” e continuamos a alimentar essa mátria sofredora que precisa ser forçada a parir revoltados. Ou seja, se quem sofre dá luz a nobre, como a frase em kriol nos diz, mas que os “ditos” nobres não nos estão a dar frutos que merecemos enquanto povo, então a mátria precisa ser forçada a dar luz a revoltado. Pois, já vivemos 50 anos de pátria amada que não nos resultou no sossego que todos merecemos. Então que a “mátria amada” tenha coragem de parir revoltados que terão ousadia, determinação, maturidade de saber escutar a gente do chão e saberão agir para o benefício de todos os fidjus di tchon.

É e será a partir dessa firmeza. Pela escuta. Pela escuta verdadeira. Uns aos outros. Escutar a terra. Escutar o mar. Escutar o mato. Escutar as pessoas. Escutar os velhos, os novos. Escutar as mulheres, os homens. Escutar os que vêm, os que foram. Escutar atentamente para que não tenhamos mais, num ano de marco histórico, como este 2023, campanhas eleitorais extremamente fracas, porque razão? Porque só foram ouvir as comunidades para conseguirem votos. Mas não foram escutá-las atentamente para poderem acabar com o desassossego no país.

E é neste mesmo ano que não se juntou com o povo para celebrar honrosamente a conquista dos 50 anos enquanto país libertado do colonialismo. Alguns que montam disfarçadamente celebração de um dia sagrado para a nossa nação no espaço onde nascemos enquanto povo que se libertou, sem, no entanto, melhorarem efetivamente a vida da comunidade local ao longo dos anos, quanto aos aspetos infraestruturais, sanitários, educativos e afins. Outros, que se reinventam trocando as voltas na tentativa de reescrever falsamente a história que não se pode confundir, organizando com pompas e circunstâncias a celebração que só de bonito tem, mas de substância que possa beneficiar significativamente o povo, nada. E é nesse mesmo ano dos 50, que se fez tremer a nação inteira, fazendo repensar que voltaríamos ao que passou no período pré-mudança de século. É precisamente neste ano que aconteceu aquilo que repetidas vezes continua a acontecer, sem no entanto, voltar atrás e reconhecer o erro cometido.

Isto tudo, porque a coragem está a ser banalizada por outras coisas, satisfazendo grupinhos de interesse e sem coragem suficiente para parar e se auto-escutar, escutar os outros, escutar gente da terra e escutar o próprio chão que tanto absorveu líquido vermelho.

Está-se, novamente, a caminhar para um ano simbolicamente muito marcante. Espero, profundamente, que não tenhamos a ousadia de voltar a envergonhar o nosso herói da luta no seu ano de centenário de nascimento. Se, enquanto país, deixarmos este 2023 ir com todas as vergonhas causadas aos nossos combatentes, e começar o novo ano, ano do centenário de nascimento de Amílcar Cabral, entrar e abraçar ventos de mudança e, acima de tudo, de sossego para o resto das nossas vidas, certamente, os antigos combatentes perdoar-nos-hão toda a vergonha que lhes causamos ao longo 50 pobres anos passados.

A ver se escutamos-nos. Se escutamos. Se agimos pelo bem de todos e pelo sossêgo, sempre!

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