Procurar
Close this search box.

Do batuque à programação: a história sonora de Ricardo Abreu e da Midicircuit

Ricardo Abreu e Délcio Baptista da Midicircuit | DR
Ricardo Abreu e Délcio Baptista da Midicircuit | DR

Para Ricardo Abreu, engenheiro de software, developer e empreendedor, foram as suas raízes que o impulsionaram a criar a Midicircuit – uma plataforma musical que ajuda principiantes a fazer música através de uma experiência interativa de aprendizagem e de um playground, onde podem criar e, por fim, partilhar as suas criações com outros.

Enquanto mergulha nas memórias de uma infância meiga e doce na Guiné-Bissau, ao lado do avô, o melhor “copincha” que já teve, Ricardo conta-nos que as peripécias e os anos que passou em Bissau marcaram a pessoa que é hoje. “O que vivi até aos sete anos lá é uma grande base para o que sou hoje e o que vim a ser em Portugal.” Mesmo não tendo regressado desde os sete anos, as experiências foram marcantes o suficiente para que Ricardo garanta que voltará: “acredito que tenho de estar emocionalmente e fisicamente preparado porque, além de estar com a minha família, quero também conectar-me às minhas raízes, ver partes de Bissau que não estavam ao meu alcance e ir a Bolama, que se tornou um sítio especial para mim e para o meu avô.”

Devido às circunstâncias em que foi criado e à sua curiosidade nata, depois de perguntar ao professor de música se a arte de contar histórias ou até mesmo a capacidade da fala surgiram antes da habilidade para comunicar emoções de forma musical, Ricardo apercebeu-se de que a música tinha muito para lhe dizer e que ele estava disposto a aprender mais. “Se pensarmos bem, antes não falávamos, mas tínhamos cantarolados e grunhidos, e assim conseguíamos fazer música sem falar. Seja acalmar uma criança, através de batuques e cantar, ou animar pessoas, penso que a música sempre teve um papel relevante e esteve presente desde o início da humanidade, na união de pessoas em pequenas vilas e mesmo em grupos nómadas,” explica. “Por isso, vejo a música como algo extremamente ligado a vários aspetos da vida. E para mim, é isso que significa: vida.”

A partir desse momento, o empreendedor mergulhou profundamente na indústria da música e foi construindo não só ao seu redor, mas também mais além, o seu próprio destino. “Lembro-me de explorar o meu lado criativo desde cedo, através de desenhos ou engenhocas que construía com as ampolas das vacinas do meu avô. Além disso, o meu pai estudou engenharia civil e sempre tivemos esse mesmo espírito construtivo, diria, porque também me influenciou. Sempre fomos pessoas práticas,” diz ele. “Mais tarde, comecei a fazer rap, a escrever poemas, e o meu interesse não se limitava apenas a isso. Tanto que hoje não consigo definir bem quem sou. Tenho interesse em várias coisas. A poesia levou-me ao rap, o rap conduziu-me à criação dos meus próprios beats para obter a sonoridade que pretendia, e por aí adiante. Mas, acima de tudo, os beats trouxeram-me até aqui.”

Apesar de várias construções terem desabado ao longo do tempo, que poderia hoje chamar de fracassos no âmbito empresarial, o engenheiro de software reconhece que todos os altos e baixos foram muito importantes porque lhe deram a oportunidade de trabalhar em empresas excelentes e, eventualmente, aumentar o seu valor no mercado laboral. “Assim sendo, nessa perspetiva não foram falhanços. A partir do momento em que me juntava a um novo projeto e entrava numa empresa, trazia muitas habilidades de empreendedorismo e como alguém capaz de inovar e construir,” declara Ricardo. Entretanto, depois de adquirir bastante conhecimento, o fundador decidiu avançar ao criar algo que se alinhasse à sua paixão pela música, que teve de abandonar quando emigrou para Inglaterra, devido à necessidade e à pressão para ganhar dinheiro. “Tornamo-nos adultos, queremos ter o nosso espaço e desenvolver as nossas capacidades como qualquer outro adulto. No entanto, eu queria conciliar essa parte musical com o que aprendi ao longo dos últimos oito anos em software.”

Durante a pandemia, ao deparar-se com um problema recorrente que consistia em aprender a utilizar alguns softwares e hardware para desenvolver as suas habilidades musicais, Ricardo testemunhou que muitas outras pessoas, como ele e os amigos, estavam na mesma posição. “Todos nós comprámos este hardware e vimos muitos tutoriais no YouTube, fóruns e PDFs, mas as pessoas continuavam sempre com as mesmas perguntas e não obtinham grandes respostas. Automaticamente, surge um padrão e uma lacuna no mercado. Se as pessoas têm sempre os mesmos problemas, será que há maneira de automatizar isto? E torná-lo interativo, para que elas possam aprender sozinhas e não dependam de outros?”. Passo a passo, o empreendedor criou a Midicircuit, com um foco especial: ajudar as pessoas a aprender a utilizar os seus instrumentos eletrónicos, de forma independente. “Uma aplicação que te ajuda a crescer, até chegares a um ponto em que podes elevar isto a outro nível. Queremos ajudar os principiantes a começar,” acrescenta.

No que diz respeito à promoção de sistemas sustentáveis, o Midicircuit é um produto de software e a equipa não tenta introduzir hardware ou fazer com que se tenha que comprar mais instrumentos para começar a aprendizagem. “É um software que podes utilizar com dispositivos que já tens ao teu alcance ou que estão disponíveis na tua casa, possivelmente. Como somos uma plataforma recente e os nossos recursos são limitados, decidimos focar-nos na plataforma que nos daria mais valor, alcance e lucro, que neste caso seria a App Store, mas eventualmente iremos chegar a outros dispositivos também. Estamos a adotar uma abordagem que nos permita navegar num mercado mais próspero, para depois conseguirmos torná-lo mais acessível e barato em outras plataformas, como Android, Windows ou até mesmo na Web, tornando-o mais democratizado.”

Ao ponderar sobre o envolvimento do Midicircuit a nível de sustentabilidade, Ricardo encontra dificuldade em explicar o que fazem porque não têm missões concretas, proativas ou focadas na sustentabilidade. No entanto, toda a equipa tem experiências e personalidades que já estão alinhadas com esse aspeto e, inconscientemente, isso reflete-se no seu modelo empresarial. “Temos em mente o tipo de recursos que utilizamos através do dispositivo do utilizador, pois não podemos criar algoritmos que consumam imensa bateria. Não só porque estamos a competir com outras aplicações, mas também porque se estivermos a contribuir para o desgaste das baterias e dos próprios telemóveis ou dispositivos, a substituição dos produtos acontecerá mais rapidamente e todos estaremos a contribuir para um consumo massivo que não é sustentável. Além disso, tentamos adquirir os nossos dispositivos em segunda mão, encontrando um equilíbrio entre o valor que nos trará no desenvolvimento e o nosso orçamento.”

Até ao momento, a plataforma não teve investidores. Contudo, o fundador enfatiza com bastante honestidade que talvez, devido ao que chama de ‘síndrome do homem negro’ e a toda a educação que recebeu, através do seu pai, “sempre senti que tinha de ser cinco vezes melhor que todos à minha volta, especialmente se fossem pessoas privilegiadas e brancas.”. Ele menciona também que sempre foi importante ser autossustentável, independente, e poder começar tudo com o seu próprio dinheiro e recursos. Portanto, não tem investidores por agora, mas “foi também uma escolha consciente, porque não vou pedir dinheiro ou um empréstimo quando não sei como gastar esse dinheiro.”

Quanto à relação entre inovação e integridade na indústria tecnológica, Ricardo esclarece que ambas funcionam em conjunto devido à sua natureza simbiótica. “Não podemos ter uma sem a outra, pois é necessário fazer com que a tecnologia seja utilizada para facilitar ou colmatar aspetos que a sociedade enfrenta, especialmente na educação. E esta não pode evoluir à custa da humanidade. Tem de haver um equilíbrio e a beleza está nisso. Saber que estamos a criar algo íntegro que possa ter resultados benéficos para várias sociedades a nível mundial.”

O Midicircuit abriu muitas portas para Ricardo e ele não mudaria nada no processo de desenvolvimento. “É difícil [pensar nisso] porque, olhando para trás, podemos imaginar vários cenários, mas acho que não mudaria nada. Estou agora a ver fotografias e a recordar-me de certos momentos que tivemos, como a nossa participação em Toronto ou no Apple Entrepreneur Camp, e as memórias são únicas. Conheci muitas pessoas valiosas que, com certeza, nos acompanharão no futuro do Midicircuit e isso não tem preço. Ao mesmo tempo, há sempre a sensação de impostor que me leva a pensar se haveria um CEO melhor para liderar a plataforma.”

Ao ter mudado a dinâmica do ensino de produção musical a nível mundial, online e offline, o pensamento coletivo da equipa é que, quer seja um influenciador do YouTube, um artista ou um estudante, o objetivo é incluir todos. “Queremos estar nas escolas ao longo do ano letivo ou implementados em programas extracurriculares, enquanto subimos ao nível de outras plataformas na mesma indústria que nós. Em cinco anos, queremos ter ajudado 5.000 pessoas a aprender a fazer música,” afirma o engenheiro confiantemente. “Estamos prontos para criar uma economia circular que nos beneficie a nós e à comunidade, monetariamente e na educação ou compreensão de que o conhecimento [é poder].”

De modo geral, o objetivo é democratizar, melhorar e expandir tudo o que esteja relacionado com a educação musical e garantir que seja facilmente acessível para todos. E para que isso seja possível, Ricardo assegura que mais importante do que o sucesso, grandes ambições e ser o melhor em tudo, é mesmo estar rodeado de amigos e seguir as coisas que amamos. “Quando temos uma família e um teto, tudo o resto vem naturalmente, acredita.”

A recordar que a Midicircuit foi selecionada como uma das 15 startups a integrar o programa Road 2 Web Summit, de 2023, numa colaboração entre a Djassi Africa e a Startup Portugal e promovida pela BANTUMEN.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

Recomendações

Procurar
Close this search box.

OUTROS

Um espaço plural, onde experimentamos o  potencial da angolanidade.

Toda a actualidade sobre Comunicação, Publicidade, Empreendedorismo e o Impacto das marcas da Lusofonia.

MAIS POPULARES