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Naky Gaglo, do Togo aos tours pela Lisboa Africana

Naky Gaglo | DR
Naky Gaglo | DR

Naky Gaglo é togolês e está a viver em Lisboa há oito anos. Viveu na Alemanha, em Espanha e viver numa cidade em que o sol bate com a mesma intensidade que na sua cidade natal ou aprender a língua de Camões não foi planeado. O aficionado por história, depois de ter chegado a Lisboa, notou, na cidade, uma forte presença africana que não tinha uma história contada. Decidiu então propor uma alternativa às visitas turísticas tradicionais e fundou, em 2014, a African Lisbon Tour, uma excursão turística de quatro horas, pelas ruas da capital portuguesa, que, num vaivém entre o presente e o passado, com a gastronomia e a cultura pelo caminho, pretende partilhar a história silenciada de Lisboa, Lisboa dos africanos escravizados, através dos vestígios que remontam do século XV. 

Naky esteve à conversa com a BANTUMEN. Desde a infância no togo até aos dias de hoje – em que ajuda a manter viva a memória dos nossos antepassados – Naky Gaglo, fez-nos uma excursão pelo que foram os últimos oitos anos a viver em Portugal. 

Como é que se pode incluir a história da escravatura nas escolas portuguesas sem marginalizar as atrocidades cometidas pelo império Português nem objetificar as pessoas escravizadas? Como é que em Portugal podem haver praças públicas com referências ao colonialismo que dignifiquem as populações colonizadas? Estas são questões que o entusiasta de História considera fundamentais refletir. 

Naky, nascido no Togo, diz ter tido uma infância “muito agradável, numa família com muita história.” Devido à situação política e social do país da altura, viu-se obrigado a fugir com a família, na esperança de uma vida melhor. Refugiados, no Gana, relembra que das foi das experiências mais difíceis que teve de enfrentar. O importante foi ter chegado a solo seco e ter tido a oportunidade de estudar na universidade. Uma paixão que descreve como sendo aquela “acima de outras paixões”, a paixão pela história. “Sempre gostei de história,  de qualquer tipo de história, todas as histórias eram a minha disciplina favorita. Então fiquei neste ramo, fiquei nesta direção sempre e, no final, ao crescer tive a curiosidade de conhecer a história de muitos países.” No entanto, é a história do continente africano, sendo uma delas a da escravatura e do colonialismo, que considera como prioridade.  

Quando chegou a Portugal, destino que, segundo ele, foi um “acidente”, deparou-se com o fato de os africanos que vivem no país não terem história. “Quando digo que não têm história é que a história deles não está a ser contada de forma justa e não está a ser contada da forma humana”, explicou. 

Começou primeiramente a interessar-se pela história portuguesa, em particular a escravatura em Lisboa e o colonialismo unicamente para enriquecer a sua bagagem cultural. No entanto, a conclusão a que diz ter chegado é que “todos têm, ou não, a narrativa mais europeia.” 

A African Lisbon Tour surge da necessidade de desmantelar essa constatação porque nas palavras de Marcus Garvey, que faz questão de espalhar: “Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.”

Naky decidiu fazer uma investigação mais profunda sobre a história africana em Portugal, “através de alguns livros escritos por portugueses”.

O seu percurso na criação deste projeto começou com as escritas da historiadora Isabel Castro Henriques, autora dos livros Os negros em Portugal e Os pretos do Sado que, segundo Naky, o ajudou a compreender “algumas coisas escondidas atrás dos escritos.”

Na sua extensa lista de referências bibliográficas – para quem queira aprofundar mais sobre a escravatura e a história africana em Lisboa -, cita também Escravos em Portugal, de Manuel Caldeiras, Lisbonne: Dans la ville noire, de Jean-Yves Loude e o lugar de memória anticolonial, Casa dos Estudantes do Império.

Além dos livros e de algumas pessoas que puderam ajudar nessa trajetória, Naky não teve arquivos como fontes diretas, até porque “o trabalho de Isabel Castro Henriques, Manuel Caldeira, Jorge Fonseca, José Ramos, essas pessoas, são trabalhos já baseados em arquivos”, explica. Também diz ir consultando trabalhos de autores estrangeiros que fizeram investigações sobre história e sobre Portugal.

2019 foi o ano em que Naky e o seu projeto tiveram mais cobertura  mediática. Conta que de lá para cá o interesse dos portugueses cresceu após a publicação da reportagem do Público: “Naky percorre a Lisboa africana que a história silenciou”.  “Acho que deu interesse a alguns portugueses em saber exatamente o que é possível conhecer, o que é possível saber de Portugal e sobretudo da cidade de Lisboa. Houve várias pessoas, não só as que moram em Portugal.” No entanto, o que não mudou muito foi o público constituído maioritariamente por estrangeiros.

Quando foi-lhe perguntado o porquê dos portugueses e dos portugueses afrodescendentes não aderirem a este tipo de atividade turistica, Naky explica que, às vezes, “é difícil para nós quando vivemos no nosso país aceitar que não conhecemos a história do nosso país.” 

Prossegue dizendo que quando se pensa que se sabe, as pessoas não vêem algo que se possa acrescentar ao conhecimento e que é difícil ser-se turista no próprio país. Depois tem a parte “crítica” que é quando as pessoas “acham que a história que está a ser contada vai contra o país.”

O que para Naky é uma constatação absurda. “Se compreendermos ou se analisarmos o facto de falar de uma história que não está contada a ser vista como uma arma contra o público português, é que não compreendemos nada da história, porque a história não vai num sentido, vai em dois sentidos”, explica. Para si, contar a história da escravatura não é fomentar o ódio, é, primeiramente, educar-se e, depois, educar as outras pessoas. 

A sua preocupação é que os factos sejam conhecidos e contados por pessoas negras, portugueses que estão no país, mas infelizmente diz ter consciência de que, “entre aspas”, não é a prioridade de algumas pessoas da comunidade [africana], porque a prioridade hoje em dia é trabalhar, é trazer comida para casa, então compreendo que isto pode ser um impedimento para pessoas negras irem à visita”, constata. 

Relembrando os primeiros tempos a viver em Lisboa, o guia turístico confessa que, inicialmente, foi difícil penetrar na comunidade africana em Portugal, pois não falava português e, por isso, diz ter-se sentido um “outsider”. Hoje, olhando para estes últimos oito anos, acredita que falta união na comunidade africana em Portugal, porque a nacionalidade e proximidade de costumes fala mais alto, “cabo-verdianos com cabo-verdianos, angolanos com angolanos, moçambicanos com moçambicanos”, lamenta.

À semelhança dos que acontece nos Estados Unidos da América com o The Black History Month, em fevereiro, e o Dia da Consciência Negra no Brasil, a 20 de novembro, Naky compreende a importância de também existir uma data comemorativa em Portugal, porque pode ser “considerado como um passo para o reconhecimento de uma história e o reconhecimento de uma luta que está ser feita por pessoas”, explica. Segundo o próprio, o movimento anti-racista existe, porque há racismo e o racismo “vem da história” e a história precisa ser reconhecida, contada, partilhada. No entanto, prossegue dizendo que o que mais conta para ele é o que acontece depois do The Black History Month, depois do dia da Consciência Negra ou depois do Mês da Identidade Africana. 

Para o entusiasta de história, o que é problemático é que o racismo vai continuar, as desigualdades vão continuar e “o discurso de ódio de extrema-direita e de outras pessoas vão sempre continuar nos Media e os negros não vão poder ter acesso aos media para também darem a opinião deles.”

Haverá sempre algo que convirá contar sobre as comunidades africanas e os media europeus continuam 24/7, 365 dias “a mostrar a supremacia branca.” Para Naky, tem que se deixar de colaborar com a compaixão alheia e passar a fazer igual. 

“365 dias, porque ninguém está a partilhar os seus dias de vida para nós, não. A vida são 365 dias como a vida de um branco, então temos de ter os dias todos esta consciência de que somos negros e que temos msis história e que isso seja partilhado, que seja uma educação para o nosso povo. Para mim é importante, porque um mês não é suficiente”, defende.

É preciso pôr um ponto final na narrativa de outrem, que perpassa a história da escravatura e começar a utilizar as ferramentas que estão ao nosso dispor para escrever a história, olhando sempre para o passado, porque “se nós não relembrarmos a história, estamos a escrever uma história em branco, vamos escrever outra história em branco que não tem uma base histórica. ”

Numa referência à forma como o período das “descobertas portuguesas” e como este é referido nas escolas, o guia revela que, no Togo, “pessoas também têm essa dificuldade de conhecer mais da história verdadeira do colonialismo do Togo, porque a influência francesa era muito, muito, forte.” No entanto, ressalta que quando  “crescemos cada um tem também a oportunidade de poder fazer as suas pesquisas”, que podem ir muito além do conhecimento recebido nas escolas.

E é nessa linha que, enquanto pai, introduzir a história africana e da escravatura – vale sublinhar que uma não é indissociável da outra – aos seus filhos ou mesmo às crianças que participam nas suas tours é uma questão “delicada”.

O melhor método para falar deste assunto complexo e tenso é usar “exemplos palpáveis” do quotidiano para explicar o que foi o colonialismo, como por exemplo: “há coisas aqui em Portugal ou na Europa, onde elas nasceram, que não são daqui”, porque têm origem nos reinos africanos que foram colonizados.

E tanto para os pequenos, como para os grandes, Naky diz que há um fato histórico que muita gente não sabe, mas que é fundamental conhecer: a escravatura foi uma prática mundial, “existia em todos os lugares”. No entanto, no século XIV, o comércio transatlântico assinala o início da maior movimentação escravocrata de que há memória, contra o continente africano e as suas populações e que marca a fundação de sistemas sociais e políticos ocidentais ancorados no racismo.

Naky faz também parte do “Projeto Destino: Integração”, uma iniciativa do Conselho Português para os Refugiados que visa a empregabilidade dos refugiados no país. Ali, revê-se e recorda a sua própria condição de refugiado na infância. “Quando vejo a reação e o discurso de algumas pessoas, fico triste, porque parece que essas pessoas escolheram ser refugiadas e sempre quis fazer alguma coisa para ajudar”, relata. 

Naky diz usar a sua experiência para motivar as pessoas que estão nessa condição mas também para sensibilizar os setores empresariais na importância de ter um mundo laboral multicultural nas suas empresas. 

Das suas palavras, podemos concluir que esse processo não é dependente mas acaba por ser também uma consequência de uma maior união entre uma comunidade africana que se interessa e espelha a sua própria história e cultura. Até porque “é importante saber de onde vens, [de onde vêm] os teus pais, porque, quem sabe, se calhar, um dia ou outro, o teu destino final vai ser ali.”

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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