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Play, uns prémios com ou sem querer?

premios play

Estamos a pouco menos de um mês de serem revelados os melhores da música em Portugal. Nesta edição dos Prémios Play estão nomeados 46 artistas e bandas, em 13 categorias. O número de chamadas que temos recebido na BANTUMEN sobre este assunto levou-nos a querer aprofundar o tema. Quais os números que motivam as nomeações? Qual é o verdadeiro peso do streaming na indústria e consequentemente nestas nomeações? Quem são as pessoas que votam na Academia? Qual é o peso da música negra na indústria portuguesa?

Apesar de todos entendermos o intuito deste tipo de premiações, fica-nos sempre um gosto amargo na boca quando percebemos que as nomeações não fazem match com os nossos gostos pessoais. Aquela música que ouvimos em modo repeat o ano quase todo e aquele artista com quem tanto nos identificamos ficaram de fora. Se é justo? Talvez não, mas ainda bem que há um regulamento, disponível para consulta, que justifique e balize as escolhas da organização.

Ora, à excepção dos Prémios Carreira, Crítica, Melhor Álbum de Jazz e Melhor Álbum de Música Clássica – que são indicados por um comité próprio -, os prémios são determinados pela Academia, composta por 200 a 300 membros, “direta ou indiretamente ligados à indústria da música portuguesa, ou a outros setores representativos da comunidade artística cultural ou da sociedade, bem como por representantes dos patrocinadores”, tal como está indicado no site oficial da iniciativa.

Para quem não está de todo familiarizado com o processo de nomeação, aqui vai uma muito sucinta explicação: todos os artistas portugueses, com obras lançadas entre 1 de outubro de 2020 e 1 de dezembro de 2021 (para o caso da edição de 2022), que tenham submetido a sua candidatura, que preencham todos os critérios elegíveis, ou que sejam indicados pelo grupo de peritos (desde que cumpram os mesmo critérios), vão a votação para ser apurada a lista de nomeados de cada categoria. Depois, a lista final é então submetida a uma segunda volta de votações para serem apurados os vencedores.

A reter sobre os tais termos elegíveis há: o critério da limitação volumétrica – que garante a identificação do público com as nomeações -, que abrange o top anual da venda de álbuns (físicos e digitais e cujos números são apurados e publicados pela AUDIOGEST e AFP), top de streaming de áudio e o top de Sinlges e EPs streaming das produtoras líder da indústria. Estas duas últimas estatísticas são “recolhidas pela AUDIOGEST e AFP por uma empresa de estudos de mercado de reconhecida idoneidade”, tal como indica o regulamento dos Prémios Play. Há ainda a acrescentar as visualizações no YouTube, a partir de Portugal, e Airplay Nacional (as músicas mais tocadas nos programas radiofónicos de cobertura generalizada).

Portanto, no fundo, os números feitos por cada artista são, supostamente, a base que sustenta a nomeação à premiação. O que acaba por causar alguma estranheza quando olhamos para a lista final de candidatos e comparamos com as listagens públicas divulgadas pela AUDIOGEST e AFP (Associação Fonográfica Portuguesa).

Vamos aos números. Se excluirmos os artistas internacionais, em 2021, no top 10 de streaming e no top de singles e EPs portugueses há um domínio claro da cena musical urbana, com o hip hop e o afropop em destaque.

No total das duas listas, Gson e Ivandro são os artistas cujos nomes mais vezes aparecem, com quatro vezes cada um. Gson em três colaborações e uma com os Wet Wet Bed Gang e Ivandro tem o seu nome repetido duas vezes numa colaboração e outras duas a solo. A sublinhar que, Gson está nomeado com os Wet Bed Gang a Melhor Grupo, pelo segundo ano consecutivo, e Ivandro está na corrida para ser declarado Artista Revelação.

Numa primeira observação às nomeações – empírica e com base no que vamos ouvindo em off -, há vários questionamentos que vão surgindo sobre a indústria da música em si e quem elege os melhores artistas. Poderíamos por exemplo fazer uma analogia entre quem compra álbuns – considerando o top dos mais vendidos da AUDIOGEST- e os membros da Academia, que estão potencialmente dentro da mesma faixa etária.

Fomos então olhar para a lista de 2021 dos membros da Academia, visto que a desta edição só estará disponível depois do evento de premiação. De 206 membros 45 são mulheres e 9 não são brancos (não, não foram aqui contabilizados aqueles cujos pais e avós nasceram nas colónias). Um outro estudo interessante que fica por realizar (visto não haver dados disponíveis) é o da média de idades, para podermos apagar a sensação de que os membros da Academia são, na sua maioria, aquilo a que a gíria popular denomina como os Velhos do Restelo – que, muito provavelmente, não seguem as tendências que marcam as tabelas de streaming.

Sublinho aqui a importância do streaming por uma razão muito simples. Em 2020 (os dados de 2021 ainda não estão disponíveis para consulta pública) o streaming garantiu 15.192 milhões de euros, de um total de 37.089 milhões arrecadados pela indústria da música portuguesa. A outra grande fatia do bolo, 15.676 milhões de euros, diz respeito aos direitos de produtores e artistas (broadcasting, execução pública e dubbing, cópia privada, entre outros).

Resumindo, há aqui pelo menos três considerações a fazer. A primeira é que 80% do top 10 de streaming em Portugal, no ano de 2021, foi dominado pelos artistas negros. O streaming representa cerca de metade das receitas de toda a indústria da música no país e estes artistas representam apenas cerca de 10% das nomeações aos únicos prémios com selo institucional.

A segunda é que, sem descurar o mérito dos artistas em questão, ficamos com a sensação de que a hegemonia masculina, de meia idade e branca dispõe de um cartão verde e outro vermelho utilizados para para selecionar quem pode ou não representar a música negra em Portugal.

A terceira é que, hélas, as listas de nomeações não fazem match com a primeira regra do regulamento da premiação: “o de garantir uma identificação do público com as nomeações e com os prémios”.

Depois de três edições, o erro passa de inconsciente a consciente e o peão do costume para preenchimento de cotas já não satisfaz. Aguardamos a próxima edição ou a primeira edição de uns BET à portuguesa?

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Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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