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Tekilla: “Olhos de Vidro é um album maduro, adulto e intemporal”

Tekilla

Se tivermos de fazer um roteiro mental do caminho que percorre as várias etapas da construção e validação do hip hop em Portugal, Tekilla seria indiscutivelmente um dos pontos de passagem obrigatória. Com 40 anos de vida, onde mais de metade dedicados à cultura, o artista, curador, skater e fashionista está prestes a lançar o quarto álbum de estúdio. Olhos de Vidro, disponível a partir do dia 2 de julho, é um álbum que faz uma retrospetiva à carreira de Tekilla, que começou em 1995. “Esta é a minha busca pela essência do hip hop que cresci a ouvir. Não é um disco nostálgico, é um disco de hoje, de 2021, mas com raízes profundas, de mais de 20 anos disto, com quarenta de vida, de muitos encontros, de desencontros, de vitórias e algumas derrotas.”

Olhos de Vidro é o primeiro álbum do artista que sai com o selo da mítica editora britânica BBE, que conta no seu catálogo com artistas como J Dilla, Will I Am, Madlib.

Em entrevista, que reproduzimos abaixo, Tekilla explica-nos o processo de produção, o conceito e a mensagem inspiradora que pretende passar com este novo trabalho.

Como nasce esta tua parceria com a britânica BBE?

O Boddhi Satva ouviu o meu disco e levou-o até à BBE. Gostaram muito da sonoridade do álbum, sentiram que era algo diferente e que queriam apostar em mim. Fiquei muito contente por uma editora mítica como eles apostarem na minha música.

Quais as diferenças que sentiste a trabalhar com uma Label que não é portuguesa?

A grande diferença está no pragmatismo. Ninguém me diz para ir mais para a esquerda ou direita, eu faço a minha parte e eles a deles. Eles acreditam na minha música e isso é realmente o mais importante. Espero que consiga abrir algumas portas internacionais, fazer chegar a minha música até onde ainda não chegou. É uma honra para um artista português de origem africana estar numa editora indie internacional, com trabalhos editados com nomes icónicos como Quaestlove (The Roots), JDilla (Slum Village), Pete Rock, Madlib , Will I.AM , Dj Spinna, Dj Jazzy Jeff, entre tantos outros. Uma editora desta magnitude eleva a fasquia da minha visão, carreira e perspetiva musical.

Os ingleses não sentiram a falta de faixas em inglês para o álbum?

A língua da BBE é a música, traduzi as minhas letras para que percebessem exatamente a mensagem das minhas letras mas ninguém me pediu nada, respeitam-me enquanto artista. Mas não descarto a ideia de poder vir a fazer algo noutra língua.

O que significa ser o primeiro artista de hiphop português da Barely Breaking Even Records (BBE), casa de artistas como Will I am, Jay Dilla, e fazer parte deste catálogo de elite do Hip Hop internacional?

É uma honra e benção o meu álbum sair com um editora tão respeitada. Demonstra que a perseverança, a persistência e consistência, o ser fiel ao que acredito, sem precisar de me tornar noutro artista que nunca serei, traz resultados positivos. Este é mais um marco para mim e espero que possa inspirar outros também a que acreditem neles, no seu produto e no seu empenho. Deus não dorme e o que está destinado para ti será.

Quem acompanha e conhece o teu trabalho sabe que Olhos de Vidro está pronto há algum tempo. Além da pandemia, quais os outros factores que levaram com que o album saísse apenas agora?

Sempre fui meio individualista e sempre fiz tudo sozinho. Hoje em dia, tenho o privilégio de me focar apenas na música, composição, produção executiva e certificar-me que tudo corre da melhor maneira e estou feliz com o resultado final. Não queria desperdiçar este disco, fazê-lo e pô-lo cá fora sem uma equipa coesa que pudesse fazer tudo certo para que a minha música consiga chegar às pessoas.

Fred Ferreira é o senhor da produção desta quarta obra discográfica. Como foi trabalhar com ele?

O Fred é um músico e produtor experiente, gosto muito dele e do seu trabalho e quando me propus trabalhar com ele já sabia que ia ser um processo longo e de grande aprendizagem. Acredito que, para ambos, especialmente por sermos de meios diferentes, no final conseguimos chegar onde queríamos, à essência e liberdade crua, alternativa do hip hop, um disco com uma sonoridade atual e única.

Quais as principais divergências e concordâncias durante a produção?

O facto de o Fred ser o único produtor deste disco deve-se justamente ao seu factor principal, de ser de um meio diferente do meu, mais alternativo. Ele contém elementos e pontos de vista completamente opostos aos meus. Com a minha visão e abertura para beber de outras águas também fui surpreendido pela positiva e correu muito bem. Não houve muitas divergências nesse aspecto, aliás houve concordâncias porque ele também começou a compreender o meu lado e entendeu desde o início que eu não era apenas mais um rapper. O processo foi sempre de percebermos o lado de cada um, ter ideias e experimentar. Os egos ficaram de lado e pusemos o coração, e isso é raro, principalmente nos dias de hoje.

Com o feedback dos primeiros singles promocionais do álbum, achas que o pessoal da nova geração está pronto para o Olhos de Vidro?

Olhos de Vidro é um album maduro, adulto e intemporal, não sei se vão perceber já o disco, mas certamente que no futuro sim. Esta geração faz música para hoje, eu faço música para sempre, é o meu legado. A minha finalidade é expor o ontem, o hoje e o amanhã através da música, respeitar o que tantos deram e continuam a dar a este movimento, homenagear mas também inovar. Se ouvirem este disco, espero que absorvam não apenas a mensagem mas também a sua diversidade, a busca por novas sonoridades, mas também a raiz desta cultura.

Sendo um OG do rap em português, com as mudança que têm ocorrido, seja nas formas de se consumir ou de fazer hip-hop hoje, sentes que o que fizeste noutra era é valorizado em Portugal e pelos portugueses?

Posso dizer que hoje as pessoas abordam-me duma forma madura, consciente e com uma genuína curiosidade. Desde que lancei os novos singles, sinto que valorizam muito o meu trabalho e tem levado muitas pessoas a descobrir o que fiz no passado. E acho que com o lançamento do disco terei ainda mais pessoas a ouvir a minha música e que se identifiquem com o meu trabalho. Sei que a partir deste disco não quero continuar só num nicho, quero chegar a toda a gente, dentro e fora do país.

“Lendas”, com Papillon, acabou por ter uma repercussão negativa em alguns meios, devido a algumas expressões que utilizaste. Como te defendes disso ou de que forma isso mexeu contigo?

Não preciso de explicar o óbvio, que respeito todas as pessoas. As redes sociais têm sede de sangue e levam sempre a discussão para o “estás comigo ou contra mim”, que é rapidamente consumida para depois também rapidamente cair no esquecimento. Ou seja, ninguém quer perceber ou entender as partes envolvidas. As coisas não são nem podem ser assim, portanto não alimentei nem alimento polémicas. Mas fez-me pensar, porque o hip hop é uma das culturas que mais preserva a integridade artística, é provavelmente a última cultura verdadeiramente livre para criar. E todos os que percebem o hip hop sabem o que é uma ego trip e que o que é dito não é literal, não tem o propósito que quiseram tentar dar.

Alguma vez sentiste ou sentes necessidade de pedir desculpas pelas tuas rimas por de alguma forma ferires susceptibilidades? Ou apenas escreves e cantas a pensar na tua liberdade como artista?

Eu sou humilde o suficiente para pedir desculpa, seja a quem for, se realmente estiver errado e se tiver alguma atitude mais imprópria, e aqui não é caso, e já expliquei porquê. Mas vamos pôr as coisas assim: vais perguntar a um comediante se vai pedir desculpa a todos os que se sentiram ofendidos no final do seu espetáculo? Não faz sentido.

Achas que existe um ataque à liberdade criativa do pessoal do hip-hop em especial aos rappers negros?

Os negros são constantemente alvos de descriminação em qualquer área, é sistémico.

Como chegaste aos nomes das participações e quem deveria entrar e ficou de fora?

Não houve nenhum plano. As coisas foram fluindo consoante as sonoridades e fui selecionando mais músicos do que rappers porque era o que faltava, a meu ver. Em relação ao Dino, Sara , Ana Semedo, Amaura, August Bernard e Papillon isso era family com quem queria trabalhar e concretizou-se. Estou muito contente por tê-los comigo, são artistas e músicos que admiro e tornam este disco ainda mais especial.

Sendo colecionador de obras de música físicas, podemos também esperar cópias físicas de Olhos de Vidro, seja em vinil ou em CD ?

Com certeza. Farei questão como é óbvio de ter tanto em CD como em Vinil mas, por enquanto, e numa primeira fase será apenas digital.

Já agora, o que pensas sobre o streaming e o que achas do atual consumo dos formato físicos que tem caído a pique, ano após ano?

Eu venho da old school, coleciono e honro o formato fisico como um culto, portanto os streamings são bons e facilitam a percepção da obra do artista mas, se for mesmo bom e gostares, o formato fisico é simplesmente a forma de fortalecer o artista ainda mais. Eu incentivo sempre a adquirir o formato fisico seja ele CD ou vinil, simple as that.

O teu nome tem surgido em mercados como Angola, Moçambique e mesmo Cabo-Verde. Já pensaste em dar mais atenção a estes mercados em ascensão e que até já têm serviços de streaming ativos, como Spotify e Apple Music, e onde a cultura de venda de obras físicas é uma pratica comum ainda?

Estou mega atento. Aliás, em 2019 fui tocar a Moçambique, Maputo, ao Jam Fast e foi lindo os laços que estabelecemos. Participo no novo álbum do Allan, que é um dos rappers de lá, estou linkado com Angola, Cabo-Verde e  Brasil, não apenas para colaborar mas para fazer shows e ir falar e partilhar knowledge e sabedoria nas comunidades mais carenciadas. Está tudo encaminhado e também estou aberto a esse intercâmbio e levar o formato fisico lá, que ainda faz uma grande diferença.

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