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Klaudio Hoshai, o angolano que “Emigrou” do anonimato para o sucesso na Europa

Klaudio Hoshai / Foto: BANTUMEN
Klaudio Hoshai / Foto: BANTUMEN

Antes mesmo de lançar os seus primeiros singles, Klaudio Hoshai compôs para vários artistas renomados como Pérola, Celma Ribas, Maya Cool, Puto Português, Abiude, Tamara Nzage, entre outros.

Desde 2017 que tem feito o seu caminho como cantor, lançou o single “Pió Pió”, que se tornou num dos hinos de Angola e um dos seus maiores sucessos. Lançou “Zungueiro” dois anos depois e, mais recentemente, “Emigrou”, cuja letra desenha um retrato, na primeira pessoa, das dificuldades enfrentadas por um estrangeiro ao tentar estabelecer-se na Europa.

Em 2023, Klaudio Hoshai esteve em tour com passagens pela França, Itália, Polónia, Holanda e Suíça, no contexto de festivais de kizomba, semba e cultura angolana. Este ano, foi um dos nomes da 10ª edição da feira de música Atlantic Music Expo (AME), na cidade da Praia (Cabo Verde), onde aproveitamos para falar com o artista angolano. A conversa passou sobretudo pelo lançamento do single “Emigrou”, pela sua perspetiva de emigrante na Europa e projeções para o futuro.

Apesar da atemporalidade do hit, que permite a música viver na linha do tempo, depois de um hit, há uma necessidade quase inconsciente que interpela o artista para reinventar-se e achar a fórmula certa para superar as estatísticas dessa música. É o caso de “Pió Pió”, de Klaudio Hoshai, tema “obrigatório” no seu repertório sempre que sobe a palco. “Não contava com esse sucesso. Tenho muitas músicas, mais de 60, mas pensei de seguinte forma: ‘não tenho que fazer uma música à altura’. Não que as outras não estejam à altura, mas queria tentar falar algo diferente. Quis falar de algo que estivéssemos a viver agora, nos últimos tempos, e quando se fala de temáticas sensíveis, somos muito mais acarinhados e prestam [o público] mais atenção”, explicou-nos Hoshai.

Como artista, não se deixa pressionar pelo sucesso, focando-se na sua missão de cantar sempre o que sente ou vive. “Emigrou”, lançado em novembro de 2023, é o reflexo desse sentimento. Hoshai chegou a trabalhar na construção civil, depois de se ter mudado de Angola para Portugal à procura de melhores condições de vida e de prosperar no universo da música. “Nem sempre é um mar de rosas no estrangeiro. A vida real aqui tem bastidores também, mas quem não arrisca não petisca”, reflete a letra de “Emigrou”.

A repercussão do single tem sido boa e o artista recebe, inclusive, mensagens de agradecimento de pessoas que não falam português, desde a Polónia à Holanda. “Emigrou” é um desabafo, é uma história de superação e empatia para com todos os emigrantes. “É importante falar, até para poder partilhar aquilo que é a tua aflição. E nós, artistas, temos essa facilidade de falar connosco mesmos, às vezes [através da música]. Eu não sou muito de escrever no papel, nenhuma música minha escrevo no papel. É incrível, não sei como é que consigo, mas tenho essa capacidade. Deus deu-me essa sabedoria e capacidade. Desenho, faço áudio no telefone. Até memorizo os áudios que fiz. Foi assim que apareceu o ‘Emigrou’. Tudo que vivia, [na altura] estava a trabalhar na obras, porque aqui [Lisboa] não tinha outra forma de me sustentar. Vim com sonhos, né? Sonhos de Angola para tentar fazer o melhor com a música, mas também tinha de pagar a renda. Tive que trabalhar. Fui entretanto também para França e comecei a trabalhar nas obras lá, a montar andaimes. Era aquela a minha situação. A que eu estava a viver. Acordar às cinco da manhã, com frio, lá caía neve… Então, tinha de falar sobre isso na minha música”, confessou-nos.

Falar sobre imigrantes é, muitas vezes, falar sobre desvalorização e discriminação, resultado de um sistema que marginaliza. De acordo com o jornal português Público, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social atingiram em 2022 “o valor mais elevado de sempre”. Os imigrantes foram responsáveis por um saldo positivo de 1.604,2 milhões de euros, representando quase o dobro de há quatro anos. Ou seja, os imigrantes pesam 7,5% no total da população em Portugal e têm, segundo dados do relatório anual do Observatório das Migrações, uma taxa de atividade mais alta do que os portugueses, desempenhando sobretudo trabalhos mal pagos, mais arriscados e onde trabalham mais horas semanalmente do que os portugueses. “Então isso aqui é um choque. Nós somos africanos, estamos muito habituados ao afecto, somos muito afetivos, saímos da nossa família e depois vamos para a casa do primo e queremos já voltar no dia seguinte. E fora de Angola, comecei a sentir essa dificuldade e necessidade”. Essas não eram as únicas palavras que queria cantar, mas abordar também “o trabalho, a discriminação, o racismo, comecei a viver uma cena muito intensa. Quis falar e desabafar, dar voz e fazer as pessoas sentirem-se corajosas e continuar na luta dos seus objetivos”.

Questionamos o artista a sua perspetiva e opinião sobre o atual ambiente politico-social que se vive em terras lusas, onde um partido de extrema-direita passou de 12 para 50 deputados na Assembleia da República. “No meu ponto de vista, essa situação que estamos a viver em Portugal, quase que parece uma rivalidade [do branco contra o negro], existe uma falta de ligação cultural, de se aceitar, de diferentes povos se aceitarem e coabitarem. Sinto que há um racismo esfarrapado, dizem negro vai para a tua terra… Essa discriminação, essa separação que existe… Nessas frases está camuflado o racismo Pior que não nos aceitarem é verem-nos como invasores, quando temos uma história que não mente. É até ridículo, sem [mencionar que não houve] qualquer pedido de desculpas pelo que nos fizeram passar e pelo que os nossos ancestrais passaram e chamaram de descobrimentos”, afirmou Klaudio.

Ainda assim, através da sua música, Klaudio Hoshai quer educar, trazer harmonia e reconhecimento, sobretudo dos seus. O artista sente cada vez mais o apoio de pessoas que não percebem ou falam português, mas sente falta do apoio dos seus conterrâneos. “Queremos que sejam os nossos a aplaudir também. Não é só uma conquista minha, é nossa. É difícil ter que sair do nosso habitat, para ir a um sítio desconhecido e ser aplaudido, quando na nossa terra devemos ser bem-vindos, devemos ser acarinhados, devemos ser motivados. Mas, infelizmente, ainda não é uma realidade. Porque trabalhamos muito, queremos mostrar que a nossa cultura, que a nossa identidade cultural está presente”, concluiu.

A trabalhar com outros cantores angolanos e não só, Klaudio promete mais ousadia musical e sonora nas próximas músicas, não fugindo do seu registo musical, que é o semba, maS vai trazer uma roupagem mais atual e jovem à música que compõe.

Clica abaixo para veres a entrevista em vídeo.

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