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Zudizilla: “O meu agora, o meu hoje grita e pede mais espaço”

Zudzilla | 📸 @noenajera_
Zudzilla | 📸 @noenajera_

A “quarta parede” é uma divisória imaginária que fica na frente do palco separando os atores da plateia, que apenas aprecia o que está acontecendo em cena. Quando essa quarta parede do teatro é quebrada acontece a interação da plateia no ato apresentado.

É basicamente isso que Zudizila faz no Volume 3 da sua ópera preta, iniciada com  “De Onde Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão (Vol. 1)”, e passando por “De César a Cristo (Vol.). Nele, o personagem “Zulu se vê pai, traumatizado, ainda sonhador, ora com dinheiro e poder que não o protegem e nem lhe proporcionam segurança e nem acesso, ora com raiva, mas com uma vontade imensa de dizer para o mundo: eu quero ser comum”. 

Tudo isso, o artista explica na conversa que tivemos semanas depois do lançamento de “Quarta Parede (Vol. 3)”, que nos dias subsequentes ultrapassou um milhão de plays no Spotify. Mas apesar do tema central ser o álbum, falamos também sobre a indústria musical, rap, cultura e a sobrevivência financeira de artistas que não fazem parte do mainstream. Como em outras ocasiões, Zudi não guarda apenas para si o que pensa. Sempre sorrindo, mostra a sua visão do que tem observado.

“A gente permite que o ser humano crie um personagem para que ele possa coexistir e ter sucesso financeiro”, observa. “Então, eu tento questionar qual é a necessidade que a gente tem de criar essa outra persona para que se tenha sucesso. Eu falo muito disso, especialmente em ‘Egot’, que ele fala: ‘será que eu preciso nessa minha vida de artista deixar aquilo que eu acho de verdade de lado… Tenho mesmo que me jogar para o lance da vida fácil? Tenho que arrastar esse personagem para que eu tenha sucesso, ou será que minha verdade um dia vai ser suficiente?'”

Da última vez que a gente conversou, você tinha acabado de lançar o segundo volume (De César à Cristo) e o Dayo estava pequenininho. Como ele tá agora?

Zudizilla: Acabei de deixar ele na escolinha, o negrão tá mil grau, tá ligado!? Daquele jeitão, efusivo, correndo, falando, cheio de exigências, cheio de não quero, cheio de… (como é que ele diz??) Não quero saber de nada. Falo: “Dayo, vai tomar banho”. Ele responde: Não quero saber de nada. (risadas)

É, cara. É daí para pior…

Zudizilla: ‘Tá de sacanagem! (risadas)

O volume 3 chegou para encerrar a trilogia. Foi feita em paralelo com o volume 2 ou foram todos desenvolvidos separadamente?

Cara, alguns beats foram separados… porque na tônica da minha trilogia, esse disco já vem sendo produzido há muito, muito, muito tempo. Então, tem muita coisa ali que já estava definida desde o volume 1. Algumas coisas foram entrando no meio do caminho e outras paradas foram acontecendo no processo de produção do próprio álbum. O (808) Luke é muito perspicaz, muito dinâmico… É muito fácil de trabalhar porque ele sempre vem com ideias modernas do som que às vezes eu não tenho. Por isso, escolhi trabalhar com ele, enquanto engenheiro de som e produtor, porque o seu olhar é mais contemporâneo, inclusive com uma visão de mercado que eu não tenho, e ele pode me ajudar a chegar em outros lugares, que também é um dos meus objetivos. A gente produziu a quatro mãos e, às vezes, com outras pessoas nos ajudando esteticamente no trabalho como um todo. Assim como foi com o Nyack, que colou junto… Mas é isso, a mão do Luke foi imprescindível para esse trabalho.

O primeiro volume foi “De Onde Possa Alcançar o Céu Sem Deixar o Chão”, o segundo “De César a Cristo” e o terceiro é a “Quarta Parede”. Os seus títulos sempre trazem o conceito do que vamos ouvir ao longo do disco, nesse não é diferente. Mas qual a ideia por trás dele?

Zudizilla: Esse trabalho liga muito com uma dinâmica cinematográfica ou de teatro, tá ligado!? É muito lúdica, trabalho muito com essa questão da criação de um espaço imaginativo para a existência de um personagem, ainda que esse personagem exista e a história dele seja toda baseada em situações reais e verídicas. Ainda não quero fugir desse campo imaginativo porque a minha intenção não era me tornar um storytelling e também não era me tornar um MC panfletário. A ideia era realmente criar um universo para a que a galera entenda que ainda é arte, ainda estou utilizando o suporte artístico, que é a música, para chegar numa expressão, falar da minha verdade e ter liberdade enquanto construção. Então, o primeiro disco é a introdução do pensamento desse personagem, que está sonhando com algo. No segundo, é a solidificação desse personagem, e no terceiro, podemos dizer, que é o fim dele: a morte. Então, a quebra da quarta parede é onde o personagem Zulu realmente dá licença, dá espaço para que eu possa ser simplesmente o Zudizilla que, no final das contas, também é um alter-ego (risadas). Porém, é muito mais próximo da minha realidade, porque toda a trilogia tem esse caráter homérico, tem esse caráter de saga, essa história do herói, de sair do lugar e ir para o outro, mas o ponto final culmina em uma situação comum, ordinária, normal… É em tudo isso que a trilogia se pauta para mostrar para o mundo e para pessoas que me conhecem, como uma pessoa preta precisa ter uma jornada quase sobre-humana para ter experiências normais de vida. E, no final dessa trilogia, quero que as pessoas entendam que, daqui para a frente, não quero falar dos problemas que tive, das dificuldades que tive… Vou falar, mas de formas mais poéticas ainda, mais subjetivas. Mas é a possibilidade que estou criando, a janela que estou abrindo para poder falar do meu momento presente e do futuro, já que estou falando de um projeto que era para ser concluído no máximo em 2020 e se arrastou até 2023. Então, muitas dessas histórias já aconteceram, já foram, já se passaram e o meu agora, o meu hoje, grita e pede mais espaço mas para isso, precisava trazer aquilo que sou para que as pessoas entendam o que posso e devo fazer enquanto indivíduo, para que eu não me sabote, para que não tenha que me matar de disco por disco. Criei um personagem que se matou em três. 

Então, a gente pode pensar o primeiro disco como a ideia do sonho do personagem, que é quando ele chega com a possibilidade, esperança, futuro, ideias, medos… No segundo, esse personagem olha para a história e diz: “mano, não interessa se vai ser com medo, vai com medo mesmo, não interessa de que jeito for, vai ter que ir by any means necessary. E no terceiro, tu começa a entender quem é esse personagem e que ele é sim uma pessoa real. A quebra da quarta parede é aquele momento em que o personagem da história que você está assistindo fala contigo diretamente porque a história do Zulu se conecta com a história de outras pessoas. Ele não se virou para o público em nenhum momento. Ele também está olhando para a história. E nesse momento a cadeira vira e aí você não enxerga mais a nuca do Zulu, agora está enxergando ele de frente. Aí, tu vê que o rosto dele é o mesmo que o meu. A partir desse momento é onde se confunde personagem e narrador, e eu quero muito que o narrador tenha muito mais protagonismo daqui para a frente, para que eu não precise ser uma persona.

Zudzilla | 📸 @noenajera_
Zudzilla | 📸 @noenajera_

 “Todo mundo é underground antes de ser mainstream. Todo mundo que está no mainstream tá chupando o underground. Tudo é um bagulho só. A diferença é como o mercado te vê”.

Zudizilla

Observei muito isso mas podemos considerar que nesse álbum o direcionamento está muito mais pessoal? Até no final da última faixa você fala que é baseado em histórias reais. É mais sobre você mesmo, de curtir, conquistar e deixar esse personagem de lado?

Zudizilla: É porque, na verdade, é uma contestação do momento atual que a gente vive no cenário musical como um todo. Onde a gente dá muito aval para que se criem personagens e, às vezes, esses personagens tomam um caráter monstruoso ou até cruel para com as realidades da sociedade, a realidade da humanidade. A gente permite que o ser humano crie um personagem para que ele possa coexistir e ter sucesso financeiro. Então, eu tento questionar qual é a necessidade que a gente tem de criar essa outra persona para que se tenha sucesso. Eu falo muito disso, especialmente em “Egot”, que ele fala: “será que eu preciso nessa minha vida de artista deixar aquilo que eu acho de verdade de lado… Tenho mesmo que me jogar para o lance da vida fácil? Tenho que arrastar esse personagem para que eu tenha sucesso, ou será que minha verdade um dia vai ser suficiente?”. Essa é uma eterna dúvida que todo mundo tem. Não sou o primeiro a fazer isso. Acho que o Kendrick [Lamar] em “To Pimp A Butterfly” cria também esse persona que no final acaba entrando em contato com aquele que seria o detentor da história que o personagem dele narra. E acredito que o Emicida faz isso em “Emicídio” também, quando ele mata o Emicida para voltar com outro tipo de Emicida, com outra proposta… E eu acho que isso é muito comum de artistas que em algum momento param de se embebedar com a fama, com a possibilidade artística, caem para a sobriedade e entendem que, tipo: se eu não arrumar espaço para ser quem eu sou na minha arte, o público vai ficar viciado naquele cenário ilusório que estou criando, e isso (muitas vezes) é muito ruim para o próprio artista, porque chega um momento em que ele não sabe quem de fato é, saca!? E eu sei muito bem quem sou, e não quero me perder naquilo que criei para manter o público que vem me acompanhando. São viradas de página. Na verdade, da metade do disco para a frente ele acaba sendo muito mais pessoal, mas quando tu escuta “O Preço da Guerra”, sabe que a primeira parte é uma persona e na segunda é eu mesmo falando, dando aquela orelhada, aquele conselho. “Azul Piscina” é uma música que é realmente meu alter-ego falando. Então, se tu pegar a primeira passagem do disco tem muita coisa que não é minha e na segunda parte tem muita coisa que é só eu falando.

Mas você não acha que, muitas vezes, o público confunde o personagem com a pessoa, e em algum momento não sabe desassociar quem é quem? 

Zudizilla: Eu acho que sim, mas acredito que isso também é uma questão de permissividade do próprio artista. Eu não acredito em culpabilizar o público pelas coisas, porque acho que sempre parte do artista. E se o público está entendendo de outra forma aquilo que tu ’tá emanando, ou tu ’tá emanando errado ou aquilo que tu ’tá emanando é aquilo mesmo. Mas quando tu escuta “Azul Piscina” até o final, tu vê que ela tem uma variação de beat no final, que você diz: “porra, tava com saudade do Zudizilla”. Esse beat final é meu, o beat do início já é de um amigo meu, o M2, que trabalha com essa dinâmica, é um DJ que sempre trabalha com trap e funk. É um molecão que começou a produzir com 16 anos, e deve ter lá os seus 23. Então, ele está muito conectado com as dinâmicas de agora, do que está acontecendo. E ele faz uns beats que funcionam para a juventude e eu também gosto de brincar com isso. Não que eu queira ocupar o espaço do trap, mas eu gostaria que a galera entendesse que eu não sou uma pessoa que faz um estilo só. E aí, achei que esse discurso não tão sóbrio servia muito nesse disco. Porém, no final dela pensei: “e agora, dá para modular esse trampo para outro lado?”. Aí, entrei com aquele meu beat que estava descansando há um tempinho. Mudou o refrão para uma dinâmica que já é muito mais parecida com aquilo que escuto, com aquilo que vou fazer no futuro, com aquilo que me proponho a fazer. Mas é isso, gostei muito desses três álbuns, desse lance de ser dois pessoas. Porque mostro que existe persona, mas existe um indivíduo que carrega esse persona, e o indivíduo que carrega esse persona, na verdade, é o mais importante. E aí, quando o público confunde outros artistas com o seu personagem, eu acredito que a galera ou não está muito preocupada em diferenciar um do outro ou já está enervado com a fantasia, tá ligado!? Que é a questão do filme Birdman. Se tu vê, o cara ainda acha que é um herói, quando na verdade ele interpretou um personagem que fez muito sucesso numa época e ele nunca mais conseguiu sair da roupa daquele personagem que agora ele acha que voa, que acha que tem asa, que é aquilo…

Dentro do rap, se a gente analisar, a grande maioria vive nesse personagem. E quando tentam sair da persona, aí geral estranha. Aí, questionam: mas você não era aquele cara ali?

Zudizilla: Entendeu!? Mas é sobre isso. Tu nunca explicou que tu não era aquele cara ali. Tu nunca deixou óbvio isso. Tu nunca te preocupou com isso porque tem uma relação mercadológica também, tá ligado!? O público adora esse mundo fictício. Esse mundo onde eu posso dar tiro em todo mundo e nada vai acontecer. Esse mundo de eu vou usar droga pra caralho e nada vai me acontecer, tá ligado!? O mercado em si lucra com esse tipo de dinâmica. Então é muito difícil para a galera se livrar um pouco desse personagem porque ele é lucrativo. E aí, eu já entro num segundo momento porque se eu não culpabilizar o público por entender essas paradas, eu também não culpabilizo os MCs por estarem expondo isso. Porque às vezes é a realidade do cara, às vezes é o personagem que ele criou para poder fazer um dinheiro. Então, no final das contas, tem um inimigo maior que é a instituição que faz com que essa máquina gire para um lado contrário. E são poucas pessoas que querem fazer que essa roda gire para o lado certo. A referência que uso é: o mercado do rap em si é igual a um carrinho de supermercado que tem três rodas que andam certo, e tem o Zudizilla que fica girando para o outro lado doidão (risadas)… E o carrinho não consegue andar, tá ligado!? Sempre tem um cara chato no bagulho. Sempre vai ter nós. Sempre vai ter o Kendrick, sempre vai ter o J. Cole, sempre vai ter o Zud, sempre vai ter o Don L. Sempre vai ter um cara que sabe que o carrinho não é para andar desse jeito. Tem aquela roda biruta girando para tudo quanto é lado e tentando fazer parte do carrinho, não vai sair dali… Mas eu acho que a galera tem muita terapia mesmo, tem que gastar um dinheiro numa terapia para poder viver essas duas realidades. Porque é muito difícil. Até esses dias no Twitter teve um cara que falou para mim: “cara, mano, toda vez que eu venho no Twitter ou tu não ’tá falando nada ou ’tá reclamando”. Eu falei: “mano, em 2023 quem não ’tá reclamando de nada tá muito biruta, ’tá ligado!?” Porque, tipo, mano, o bagulho ’tá muito louco. E foi muito doido porque eu disse que curtia muito um MC, mas que o cara não escreve porra nenhuma, tá ligado!? E falei que tá da hora, porque você não precisa mais escrever nada. Isso não tem mais importância hoje em dia. Quem quer escrever, escreve, quem não quer, não escreve. Não é uma regra. E a galera levou o bagulho para um outro lado. Inclusive, chegou no cara, e o cara falou: “ah, eu acho que se a galera não entende que tu escreve algo que não seja extremamente filosófico parece que tu não está escrevendo nada!” AHAM! (risadas) Porque o bagulho de ser inocente foi lá em 1970 e picos, que tipo, mano… e mesmo assim, a galera já estava escrevendo uns bagulho sobre o crack, sobre os bagulho foda. Já estava escrevendo de forma poética e filosófica. Mano, faz 50 anos que se faz rap. Tu vai ser um babaca com 50 anos? Imagina um cara bobão com 50 anos! Ninguém curte (risadas)…. Vai fazer uns rap tipo [o apresentador e humorista] Sérgio Malandro, pai? Não dá não! Bilu-bilu!Glu-glu! (imita o Sérgio Malandro e dá risadas). Pô, é foda!

Com 30 já não dá mais…

Zudizilla: Já não dá, mano! Isso é uma discussão que tenho em casa com a minha esposa [Luedji Luna] porque tenho um estúdio aqui. Então, ela chega lá e direto estou gravando um trap, um grime, um drill, um Jersey… Eu gravo os bagulho, tá ligado!? E ela pergunta porque não lanço. Porque não tem nada a ver comigo. E ela pergunta: ‘por que tu faz?’ Porque vai chegar um momento que em alguma música eu posso usar uma parte disso, tá ligado!? Eu sei o que está acontecendo e tenho elementos disso que posso aproveitar para o meu trampo. Só que agora não consigo. Se a dinâmica de rap está entre 15 e 18 anos, eu vou bater palma para os caras e vou ali no jazz, vou em outra coisa, vou flertar com outra parada que tem mais a ver com minha faixa etária. Talvez na virada da carroça, a galera olhe e diga: ‘caralho, mano, olha isso que o Zud fez’ e eu ganhe toda a proporção que eu acho que o meu trabalho sempre mereceu ter. Mas, se eu conseguir uma vida saudável, pagar minhas contas, gradativamente elevando o meu poderio financeiro, porque quando falo em dinheiro, não falo em dinheiro para gastar, eu falo em dinheiro para reinvestir na própria arte que estou criando. Assim vou estar feliz.

Se eu estiver tocando num festival de jazz foda e viajando todo anos para a Europa para fazer o meu show, vou estar feliz ‘pra caramba. É óbvio que almejo um grande festival, um grande palco, mas para isso não vou descer o nível daquilo que eu acho que está em alto nível, tá ligado!? Porque pode ser que uma outra pessoa não ache que seja alto nível, mas (porra) o cara vai lá para Nova York e o Odisse, que produziu grande parte do disco da Luedji, que eu acho muito foda, a galera pergunta: ‘pô, você tá ligado no Zudizilla?” E o cara pega e fala: “O Zudizilla é dope!” Até printei porque vou fazer um quadro disso (risadas). Os caras lá estão curtindo o bagulho. Então, não tenho tempo para a galera que meio que se perde no personagem e não entende o que estou tentando fazer, porque não sabe quanto tempo perco estudando, quantos discos compro por semana para poder samplear, para poder entender… Então, estou muito ocupado e evoluindo o meu corre para me preocupar com o que está acontecendo do outro lado. Eu só fico preocupado. A gente já perdeu diversos artistas que não conseguiram entender que existe um limite de personagem. 

Zudzilla | 📸 @noenajera_
Zudzilla | 📸 @noenajera_

“Eu sei muito bem quem eu sou, e não quero me perder naquilo que criei para manter o público que vem me acompanhando”.

Zudzilla

Isso também vai muito na questão do que é ditado pela indústria da música ou do rap. Recentemente, rolou uma discussão no Twitter sobre quem está na categoria do rap underground e quem chegou ao mainstream. Entre um e outro, em qual dessas caixinhas você entra (se é que entra)? (risadas) Também acho que muitos artistas gostam de se colocar em um lugar e nunca mais sair de lá…

Zudizilla: Cara, eu não me encaixo em caixa nenhuma, porque não quero. Mas aceito qualquer caixa que me colocarem. Só quero trabalhar. Acho que é uma preocupação muito inútil porque, tipo, mano, é a mesma coisa que tu ir na feira e aí tem vários tomates na caixa da cebola, e aí os tomates que estão na caixa da cebola estão falando: “não, mano, aqui é só cebola. Eu sou tomate e tinha que ’tá lá com os outros”. Irmão, você já tá aí nessa caixa. Reza para alguém te pegar, colocar na sacola e fé! O importante é estar trabalhando, tá ligado!? E eu não acho que essa tenha sido uma discussão séria (risadas). Eu acho que foi uma discussão de um cara que olhou e falou: “o bagulho hoje tá muito jogo de compadre, eu vou dar uma sacudida aqui e já era”. Aí depois foram falar de boom bap e os ‘caramba’. Tem gente no mainstream fazendo boom bap, cara. E o cara do mainstream que está fazendo boom bap agora está dizendo que não gosta de rap. Aí, ele diz: “eu cada vez mais estou sendo colocado na caixa da Música Popular Brasileira”. P** no seu ** meu irmão, você é maluco! Tu faz rap, agradece! Bota as mãos para o céu que tu ’tá ganhando o seu dinheirinho, tá enchendo show pra caraio e vai chegar agora só porque faz uma voz diferente e pá, e entrou num público tilelê pra caramba vai dizer que não gosta do bagulho? Mano, todo mundo é underground antes de ser mainstream. Todo mundo que está no mainstream está chupando o underground. Tudo é um bagulho só. A diferença é como o mercado te vê. Por exemplo, não dá para dizer que Tasha & Tracie é underground. E eu acho que esse é um problema que acontece só no Brasil, porque aqui não se criou o midstream, que é um bagulho que na gringa funciona muito bem. O midstream é um lugar que proporciona que vários artistas sobrevivam honestamente da sua arte sem ter que se foder ‘pra caralho como é no underground e sem ter que (sei lá) entregar a alma para o diabo como é a vida no mainstream. E o midstream não é valorizado. 

Ou você está lá embaixo ou lá em cima. Esse meio do caminho não é valorizado.  

Zudizilla: Quem está no meio está correndo para estar lá em cima. E quando a galera chega numa idade X e vê que correu para caralho e não chegou lá em cima, tenta de novo virar o cara mais underground do mundo. Ah, mano, deixa de ser chato. Fica aí no lugar que tu ’tá! Tipo o Black Milk, ele para mim é um dos caras mais fantásticos e geniais dos últimos 30 anos do rap. O Black Milk tem 60 mil seguidores, cara, e ele é genial, e faz turnê na Europa, tem uma banda muito foda. O Mick Jenkins é um cara genial. O próprio Goldlink é um cara muito foda. Mano, não dá muito para dar ouvido para esses bagulho, porque não pode ser sério (risadas).

Você pode ser considerado um artista midstream que não deve nada para nenhum desses que você citou, fazendo shows fora do Brasil, circulando em outros ambientes que não seja o rap e sendo respeitado pela galera do jazz.

Zudizilla: Ahan! Eu só não consigo estar nesse lugar porque o midstream não está sendo saudável, cara. E ele precisa ser financeiramente saudável. Tipo, precisa estar dentro dos festivais. Precisa ter um suporte maior de mercado. Porque o midstream proporciona que a galera do underground, que tem iniciativas mais arrojadas, sobrevivam. O midstream não precisa ser um lugar de transição para o mainstream. Tu pode ficar ali, receber uma grana legal e sobreviver bem daquilo, que é o que acontece na gringa e não acontece tanto no Brasil. E tipo, tem momentos que o midstream também satura daquele artista X, como aconteceu com a Little Simz. Se a gente falar que ela e a Rapsody estão no mainstream é meio vacilo. Elas são extremamente conhecidas por todo mundo, mas ainda fazem alguns shows pequenos. A Little Simz não porque já está mais bombada, porém, ela sobreviveu no midstream por muito tempo até ter essa virada de chave.

Queria falar sobre suas parcerias… em Quarta Parede você fecha com o Don L, Galo de Luta, e até essa faixa com o Galo, antes de ver os créditos fiquei tentando lembrar de quem era aquela voz. E ele declamando aquela poesia entre as transições ficou bem foda.

Zudizilla: Então, cara! Esse foi um lance muito doido porque tive muita sorte nessa curadoria de feats porque alguns deles foram pensados estrategicamente para que estivessem presentes. Por exemplo, a música com a Tuyo foi feita cinco vezes para chegar num resultado que me agradasse e fosse parte minha e parte Tuyo. E quando decidi fazer essa parceria, pensei num bagulho muito doido, tipo: tem uma galera que tem feat com a Tuyo, mas tem só com a Lay e a Lio, e não tem com o Jean. Não, eu quero ter uma parte que o Jean cante, e uma parte que a Lio e a Lay cantem, porque o meu feat com a Tuyo tem que ter todo mundo junto. Então, fiz essa música cinco vezes para que isso funcionasse. A faixa com o Don L, quando eu comecei já imaginei que seria por causa do instrumental. A faixa com a Melly aconteceu rápido. Fiz a música e mandei pra ela, inclusive ia lançar como single, só que achei ela muito forte e coloquei no disco. A questão de ter a Luedji Luna é uma questão de ser o encerramento da trilogia e eu ainda não tive uma faixa com ela. Então, muita coisa foi estratégica, mas por exemplo a questão do Galo… o Luke me falou que estava no estúdio produzindo alguns bagulho do Galo e aí eu falei: mano, pega ele, bota um instrumental para ele e diz para ele ou fazer uma rima ou uma poesia porque vou dar um jeito de trabalhar com ele nesse disco. E foi um bagulho de orixá mesmo. Inclusive, aquele beat era meu, de um outro som. Depois que chegou falei: ‘mano, é isso. Vai ser o interlúdio para faixa do Don L’. Aí, a gente colocou um pouco mais de jazz em cima e deu bom. Fiquei muito feliz por essa curadoria, tanto estrategicamente quanto pela dança dos planetas mesmo que colocou pessoas fenomenais junto comigo.

Os seus discos não seguem uma estrutura reta. Vão sempre para diferentes caminhos. Como foi juntar todas essas produções, que mesmo diferentes se conversam e complementam. Na minha visão, poucos conseguem fazer com maestria por não ser algo tão fácil.

Zudizilla: Acho que isso não é fácil quando a galera faz disco que não tem conceito. Quando tu tem um conceito fica mais fácil de tu colocar mais coisas, que deixam ele mais dinâmico para tu contar uma história. Porque se tu for pegar um livro para ler, no capítulo 1 tu apresenta o personagem, no capítulo 2 é a história do personagem… mas vai chegar um capítulo em que a história vai para o conto da mãe do cara, do vizinho. Vai ter um capítulo que é completamente outsider que funciona dentro da história do livro. E é assim que enxergo o disco. É como se eu estivesse lendo um livro ou vendo um filme. Eu preciso de mais coisas pra amarrar, para deixar o conceito mais potente. E o problema da galera hoje em dia, e não acho que seja um problema, acho que é só uma falta de entendimento de como são os álbuns, é que a galera faz álbum de música boa. Então, colocam todas as músicas boas dentro do disco e colocam na rua, e isso não tem coerência. Ou então a galera quer ter coerência fazendo várias músicas iguais, do mesmo jeito. Outra coisa que meio que atrapalha um pouco. Se o produtor único do teu disco não for um produtor plural o teu disco também vai ser uníssono, também vai soar de uma forma. Então, eu procuro ter vários outros produtores perto de mim, pessoas de quem gosto, amigos de quem já tenho beats há muito tempo. Todos os discos que gosto da história do rap têm coerência, mas as músicas não soam todas iguais. Então, é paixão mesmo pela música. E quando falo paixão, não falo de uma relação piegas, mas sou apaixonado por música e ouço muitos discos. Gosto de álbum, por isso tiro um tempo do meu dia para escutar os álbuns. Se você pegar o To Pimp A Butterfly, ele tem jazz, tem funk, vai para tudo quanto é lado é lado. 

Porque, na real, fazem uma junção de singles, tipo: lançou quatro singles e depois fez um álbum com seis faixas.

Zudizilla: Isso é um grande erro! Acho que esse foi o único disco de todos que eu lancei um single antes, que está no disco. Geralmente lanço um single de uma música que tem a ver com o disco, mas ela não está presente. Foi assim com “Prefácio”, De César a Cristo. Porque tem que ter a surpresa. Quando tu escutar, ele já tem que te prender na primeira audição. Acho um erro tu querer que todas as músicas sejam hit. E acho que fazer hit não é uma coisa muito fácil, porque depende muito de linguagem, de dinâmica, de época, de muita coisa. Admiro pessoas que fazem disco cheio de hit, tipo o Major RD. É um cara que curto ‘pra caralho o disco dele, porque do início ao fim todas têm potencial de ser hit, só que nunca mais escutei ele. Porque é isso, não me prende. Não é um bagulho que me faz voltar. Já é diferente com o disco do Victor Xamã, o Amiri. Eu gosto de bagulho que prende, de coisa interessante, que vai me apresentar uma outra camada. Se tu ouvir meu disco uma vez só, tu vai gostar mas não vai entender porque ele tem muitas camadas.

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