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Antonio Silva: “Nem sempre a música agrada”

Antonio Silva | @shanzbe
Antonio Silva | @shanzbe

Na infância, influenciado pelos pais, Antonio Silva cresceu rodeado por canções carnavalescas. Mais tarde, desenvolveu uma paixão pela música que o levou ao Conservatório Pernambucano de Música, onde aprimorou os estudos em guitarra clássica e contrabaixo. Logo depois, licenciou-se em Música na Universidade Federal de Pernambuco e realizou uma pós-graduação em Gestão Cultural no Centro Universitário Senac.

Antonio Silva, brasileiro natural do estado de Pernambuco, trabalhava na Casa do Carnaval – museu localizado em Recife e que se dedica à pesquisa e memória das manifestações da cultura popular – quando entrou em contato com Salwa Castelo-Branco. Castelo-Branco, pesquisadora egípcia residente em Portugal, é um dos nomes mais proeminentes nos estudos de Etnomusicologia, ciência que estuda a música no âmbito cultural.

Interessado em expandir seus horizontes sobre o tema, Silva enviou um e-mail a Castelo-Branco em busca de informações. Ao receber a resposta, mudou-se para Portugal em 2019 para iniciar o mestrado em Etnomusicologia. “[A princípio], fiquei na dúvida se faria o mestrado na área de música ou não. Mas apliquei e vim estudar Etnomusicologia, achei um pouco estranho. No Brasil, a Etnomusicologia está no embrião da disciplina, que era a recolha de transcrição de material, quase como uma patrimonialização. A patrimonialização do samba era escrever sua partitura para saber qual era o samba mais original”, diz.

Segundo o artista, o que estuda hoje é o que há de mais atual na área musical: o estudo da música e do conflito. O tema surgiu após uma experiência pessoal, que passou logo que chegou a Portugal. Na época, o músico morava em uma habitação na freguesia Penha de França, em Lisboa. No entanto, o prédio estava abandonado e ameaçava cair. Foi aí que ele foi viver na casa de um amigo, músico de rua. Silva, então, entrou em contato com diversos outros artistas que usavam os paralelepípedos da capital lusitana como palco.

“Eles me chamaram para tocar na rua. Achei a experiência massa, nunca tinha feito algo parecido no Brasil. E aí fui tocar na rua. A primeira coisa que percebi quando estava tocando é que é um universo de muito conflito. Conflito interno meu e o conflito com os lojistas, os turistas e da própria Câmara de Lisboa. Porque é muito interessante ter turistas na rua, mas não é interessante ter músicos de rua. Ou seja, é um conflito de interesses”, pontua.

A música, que na visão de muitos é sinônimo de harmonia e sofisticação, também pode significar caos, atrito e discórdia. “Toda a gente estuda música achando que música é para agradar. E nem sempre a música agrada, né? Quando tem um vizinho que põe um som alto e que você quer estudar ou fazer suas coisas, essa música entra na sua casa e é quase uma invasão. Isso incomoda e, consequentemente, gera conflito”, explica.

Decidiu, iria escrever sobre isso. “Inicialmente, o estudo seria como o som atrapalha a vida das pessoas e causa conflito. Mas depois comecei a perceber outras coisas, como a influência do turismo, como a música redesenha a geografia da cidade. A minha tese começa a abrir para outras disciplinas e se torna multidisciplinar”, afirma.

No Brasil, sua vivência como músico havia sido bem diferente. “Tive o prazer de tocar com Elza Soares. Toquei com um corpo de baile formado com crianças e jovens da Favela da Maré. Nesse mesmo projeto estava o Seu Jorge também. A última artista com que toquei antes de ir embora foi a Fafá de Belém. Também toquei com muitos artistas de Recife, no Carnaval de Recife mas, inicialmente, ou eu estava no palco ou no teatro. Até porque não temos essa tradição de ter músicos de rua. Na Europa isso é mais forte”, expõe.

No mundo da música, Silva tem como principais influências os artistas da black music norte-americana, como James Brown, Michael Jackson e Erykah Badu. Dos brasileiros, ele não abandona os discos de Luiz Gonzaga, do grupo Fundo de Quintal e das melodias das escolas de samba do Rio de Janeiro. “Tive a sorte, tenho a sorte, de viver numa família que tem muita influência musical. O meu pai era um carnavalesco, gostava de Carnaval, às vezes saía e só voltava na quarta-feira de cinzas, e gostava muito de escola de samba. Minha mãe também gostava muito do Carnaval”, detalha.

Embora tenha toda essa bagagem familiar, o artista declara que foi o único da família a seguir a carreira como músico profissional. “[Na minha família] tinha muita gente que era músico, mas não era profissional. Mas eu vou e desafio toda a gente e toda a expectativa. Minha mãe queria que eu fosse para outra área, principalmente a área dela, que é uma profissional da saúde. Então falei ‘tenho que resgatar essa coisa que está na família mas ninguém quer assumir, que é ser músico’”, alega.

Pensando no incentivo da cultura em Portugal, é muito pouco, quase nada

Antonio Silva

Ao realizar uma comparação entre a cena musical no Brasil e Portugal, ele disserta dizendo que, pela diferença de tamanho entre os dois países, no Brasil as oportunidades são maiores. “Em Portgal, toco com uma artista, uma mulher trans – praticamente faço a direção musical do projeto dela – que é a Puta da Silva. E, assim, Portugal é um país do tamanho de Pernambuco, meu estado. Vivendo esse momento de transição com ela de começar a carreira, eu acho que a cena musical em Portugal é um pouco limitada, por conta da dimensão geográfica mesmo. Porém, acho que há possibilidades de fazer coisas. Tanto que ela tem tocado em vários festivais grandes. Acho que, se ela estivesse no Brasil, com o que ela tem hoje, se pensarmos em material, em trabalho, ela teria muito mais projeção. Mas como ela está num país que tem uma certa restrição geográfica, ela está num processo mais devagar”, diz.

“Acho que o Brasil abre muito mais possibilidades. Os projetos de incentivo à cultura no Brasil são de fundamental importância. Para o país e para os artistas. Pensando no incentivo da cultura em Portugal, é muito pouco, quase nada. Ainda mais porque estamos na condição de imigrantes. Isso tem outro tipo de burocracia, tem outra dinâmica”, explica.

No entanto, mesmo com as limitações, Antonio Silva acredita que há um terreno fértil para a música brasileira em Portugal. “Acho que há uma cena importante da música brasileira aqui. De bossa nova, samba, choro, forró… Isso, de certa forma, fura a bolha e abre novos espaços, né? Não só para brasileiros, mas para outros imigrantes também”, elucida.

Ao discorrer sobre como a sua identidade racial e cultural influenciam em sua carreira, ele declara que a ancestralidade exerce um papel significativo em sua música. “As minhas origens são de uma África que não é essa África de hoje, mas uma África que chegou no Brasil com os batuques, com a dança, com a comida, com o jeito, com a ginga. Isso tudo está na minha música, está no meu jeito de pensar enquanto homem e está no meu jeito de pensar enquanto comunidade”, salienta.

Os africanos escravizados, quando chegam ao Brasil, constituem uma relação de comunidade porque estavam expatriados. E esse conceito de comunidade, de juntar pessoas, de estarem juntos, influencia em todos nós e é lógico que influencia na minha música. É aquela coisa de estarmos juntos, de trazer as batucadas, acho que é de grande valia para nós enquanto músicos”, continua.

Ao refletir sobre como a música pode ser uma arma para combater preconceitos e injustiças, o artista discorre dizendo que os sons são omnipresentes, como a água. “Existem dois elementos que eu acho que são fundamentais na humanidade e que considero como um presente divino. O primeiro é a água. A água está em todos os lugares, em todas as coisas há o elemento da água, pelo menos nesse torrão que vivemos chamado Terra. E o outro é a música. A música está em todo lugar. Seja um ruído. Seja um animal. E seja a música que a gente entende como música. Ela está na vida, está na morte, está na tristeza, está na saudade e é uma influência social muito grande”, ressalta.

“Pensando nos centros urbanos, começa a existir um movimento, por exemplo, de hip-hop em Cais do Sodré. Começam a migrar pessoas para ali, começam a criar uma comunidade e isso transforma o lugar. O lugar começa a atrair pessoas que se interessam por aquilo e se modifica. A música tem esse poder de transformação”, afirma.

Após quatro anos de pesquisa, Silva não pretende parar de estudar a música e o seu papel dentro das cidades. Para ele, a rua, a música e os sons são elementos intrínsecos. Doravante, ele pretende levar a pesquisa para outros sítios. “Olha, tenho um trabalho musical com a Puta da Silva, que é um trabalho mais consistente. O meu orientador está formando um grupo de pesquisadores na faculdade Santiago de Compostela sobre sons urbanos e música urbana. A Universidade de Lisboa, não na área de música, mas na área de Geografia, quer criar um grupo que pesquisa essa coisa de sons urbanos, de conflito, de como isso molda a cidade”, finaliza.

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