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Arina Gabriela aprendeu com a própria pele a cuidar de pele negra

Arina Gabriela | DR
Arina Gabriela | DR

Mais do que um tratamento estético especializado e direcionado para peles negras, a farmacêutica esteta Arina Gabriela, de 35 anos, também se propõe a acolher seus pacientes pelo viés da saúde mental e da empatia.

Não apenas por se colocar no lugar do outro, mas por levar em consideração a escassez de informações, artigos científicos, produtos e profissionais voltados a esse tipo de pele – predominante em 56% da população brasileira -, é que ela decidiu aplicar e testar fórmulas e combinações no seu próprio rosto durante o período de pós-graduação na Faculdade Ibeco, há cinco anos.

“Fui mudando os protocolos básicos do curso, já que ninguém queria fazer nada em mim porque, justamente, a pele negra tem uma maior produção de melanina e é mais propensa a manchas. Estamos falando de 35 tons de pele negra. A minha não é a mais retinta, mas todo o mundo sabe que é uma pele negra e isso me colocou nessa dor de ‘como assim ninguém sabe como cuidar?’. Então fui testando todos os protocolos, e eu errei muito, mas fui trilhando esse caminho e fazendo em mim e nos meus familiares até chegar no que hoje é a minha clínica”, conta.

No espaço Arina Gabriela – Estética de resultados, localizado no bairro São Judas, zona sul de São Paulo, além de tratamentos para manchas, foliculite, acne e serviços como toxina botulínica, preenchimento dérmico e harmonização facial, a farmacêutica bioquímica defende principalmente a ideia de uma consciência de cuidados com a pele.

“Aqui, eu tento manter esse olhar de que a pele negra necessita do básico porque fomos ensinados a não usar nada. Então, é possível cuidar da pele tanto com produtos manipulados, que tenham um custo mais acessível, ou com os vendidos em drogarias. Sempre gravo e partilho informações desse tipo nas minhas redes sociais, mostrando quais produtos você pode ter acesso de acordo com a sua pele. A questão maior é entendermos qual é a necessidade. Quando entendemos, conseguimos adequar o paciente com marcas que são absolutamente eficazes”, explica.

No perfil do Instagram @arinagabifarma, a profissional se apresenta como “a farmacêutica que aprendeu com a própria pele a cuidar de pele negra”. Desde 2019, tem utilizado seu alcance virtual para desmistificar alguns conceitos propagados pelas próprias mídias sociais.

“A gente gasta um dinheiro que não tem por achar que está fazendo o melhor para a nossa pele e, na verdade, não está. Infelizmente, as pessoas estão acostumadas a seguir profissionais que não são referência. Por exemplo, seguir uma mulher branca porque ela está testando determinado produto que recebe em casa. Aí você acha que deve investir porque tem a ideia de que o caro é bom e o barato não é, e acaba usando um produto não indicado. Isso acontece muito com pele negra porque normalmente é uma pele do rosto oleosa e desidratada. A gente precisa entender que a mancha tem várias camadas e um produto só não vai resolver. Se você não proteger essa pele, ela não vai clarear [a mancha]. Se não hidratar, não vai ficar equilibrada para poder receber aquele produto”, explica.

Na sua clínica, uma consulta custa 350 reais (cerca de 64 euros) – em média, um dermatologista no Brasil pode custar entre 200 e 900 reais (36 e 165 euros). Sobre o valor, há uma redução de 30% quando o paciente passa a realizar o tratamento e para que se sinta estimulado a continuar e a investir nos produtos necessários. Segundo a especialista, caso o paciente não tenha acesso a profissionais pretos, é preciso estar emocionalmente preparado porque há um despreparo ao lidar com a pele negra. “Tem também uma falta de embasamento das escolas para colocarem isso como meta. Quando se fala em ensino sobre a história negra nas escolas de base, isso também deveria ir para as pós-graduações, para o estético e para a medicina”, reflete.

Parte da tentativa em preencher tais lacunas de desinformação sobre o assunto estão nas 50 páginas da publicação Pele Negra, Segredos revelados (2020), primeiro e único livro digital do país sobre fisiologia da pele negra aplicado à estética, escrito em coautoria por Silvana Fontoura, Carla Nunes e Arina, que também é criadora da linha personalizada de cosméticos #SejaSuaPele, com fórmula manipulada e desenvolvida de acordo com as características de cada paciente. Ainda sem comercialização.

Atualmente, a farmacêutica alimenta o sonho de criar um instituto para ensinar outros profissionais e para acolher pacientes de pele negra, principalmente a pessoa preta periférica, e fazer com que outros profissionais estejam embasados o suficiente para que tenham o mínimo de empatia. “Hoje, tudo que eu peço é acesso para falar sobre nós, porque infelizmente ninguém quer falar. Eu penso em montar cursos, dar palestras, todo mundo que me chama eu aceito, dou um jeito e vou porque precisamos falar sobre a gente. Precisamos de um lugar para colocar isso em prática e perceber que funciona, com impacto social”.


Qual a diferença entre um dermatologista e um esteta?

Hoje, tudo que eu peço é acesso para falar sobre nós, porque infelizmente ninguém quer falar

Arina Gabriela

Eu faço o mesmo que um dermatologista, mas não trato patologias. Ou seja, se o paciente tiver uma pinta que eu classifique como maligna, encaminho para o dermatologista. Essa é a nossa única diferença. Existem estudos, mas o meu embasamento é em cima de produto, de cosméticos, de fisiologia e isso me assegura tratar peles negras. O termo ‘esteta’ é quando você parte para o segmento estético. Por exemplo, existem biomédicos estetas e enfermeiros estetas. O esteta me dá o posicionamento de ser da área da estética.

Quais os pilares fundamentais para se ter uma pele negra saudável?


Proteção, hidratação e terapia. O primeiro deles é usar o protetor solar. O segundo é a hidratação, porque normalmente é uma pele que está desvitalizada e desidratada, mesmo a oleosa. Ela precisa ter um equilíbrio também de oleosidade e, para isso, a gente hidrata. E, em terceiro, é olhar para o seu emocional porque a pele negra responde totalmente de acordo com o estado emocional. E eu preciso incluir terapia no meu escopo de tratamento porque se uma paciente chega com alopecia de tração, por exemplo, por usar muita trança, muita peruca ou por não saber como cuidar do cabelo, eu só consigo melhorar se essa paciente tiver também um olhar voltado para a saúde mental.

Quais as principais demandas dos pacientes?

O que mais recebo são pacientes com queimaduras, com manchas e com essa dor de profissionais que não sabem cuidar da nossa pele. Hoje eu consigo entender que, por mais que sejamos a maioria na população brasileira, é um público que ainda é visto pela sociedade como minoria. E acham inclusive que é um público não-pagante. Muitos pacientes chegam com hidroquinona [indicado no clareamento gradual de melasmas, melanose solar e em outras condições nas quais ocorrem hiperpigmentação cutânea] e esse medicamento é altamente irritativo para a pele negra.

Encontro também mulheres pretas com problemas ginecológicos. São abusos ancestrais. E que é um assunto que as pessoas não estão preparadas para falar. Se você não tem um olhar emocional com essa paciente, você não vai conseguir melhorar a pele dela. É uma paciente que vem com muita dor e, infelizmente, as pessoas não estão com tempo para olhar para essa dor, elas querem ganhar dinheiro.

Você considera que a escassez, seja de produtos ou profissionais especializados, é também um reflexo do racismo?

O antirracismo e a empatia são necessários para atender esse nicho. As pessoas tomam essa consciência muito tarde porque somos ensinados socialmente que não precisamos de protetor solar, que a nossa pele não envelhece e isso está totalmente embasado no histórico de escravidão, onde éramos corpos desejados, usados à força e para a força. Então criou-se uma imagem resistente e de que não precisamos de cuidados. ‘Ele passou dez anos debaixo do sol e não aconteceu nada’. E isso vem sendo propagado de geração em geração.

Por que é importante levar a discussão para além do estético?

Porque a gente precisa conhecer a nossa própria história. Não sabemos quem foram os nossos bisavôs, não sabemos nada da nossa ancestralidade. O pouco que a gente sabe é sobre as avós curandeiras ou as que faziam as comidas para todo mundo, mas não sabemos nem o nosso nome africano. O mais louco é que quando estudamos a história básica do mundo, éramos todos populações pretas, mas as nossas tonalidades foram mudando à medida que fomos conhecendo as extremidades e os polos, e daí o clareamento dessa tonalidade. Por exemplo, o olho azul é uma deficiência genética, e hoje falamos dele como sendo um padrão de beleza.

Eu ensino a minha filha sobre o quanto ela é linda, o quanto o cabelo dela é lindo, o quanto tudo nela é perfeito. E que se o nariz e a testa dela forem maiores, não tem problema porque isso é ser preto. É esse lugar que a gente tem que ensinar. Mas é uma reparação que eu, de verdade, não consigo ver ainda uma esperança. E é muito triste dizer isso, ainda que eu saiba que para ela vai estar um pouco melhor, mas é muita coisa a ser reparada.

Existe uma resistência do paciente negro em procurar um dermatologista ou é mais sobre acesso do que investimento?

É sobre acesso. E quando não se tem o acesso, você não discute sobre aquilo. O nosso acesso é periférico, e periférico em todos os sentidos. Como você coloca uma criança negra com outra criança branca que teve acesso, aprendeu inglês, sabe comer, não precisa ficar desejando um tênis? Comprar um produto para a pele que custa 200 reais, por exemplo, é um passo muito grande. Ou pagar a própria consulta, porque a gente não tem o básico. O meu pai não vem à minha clínica porque para ele é toda uma construção ir até um consultório.

Com que frequência deve-se ir ao dermatologista?

A cada seis meses é o mais indicado. Mas, se estiver em tratamento, pelo menos uma vez ao mês. A nossa pele muda de acordo com a estação do ano. Ela não muda só porque estamos dormindo mal, comendo mal ou porque mudamos de país. O ideal seria usar produtos de acordo com a sazonalidade da pele. Então, entender essa sazonalidade junto com uma alimentação, com a rotina do dia a dia e com a quantidade de água ingerida diariamente faz toda a diferença.

As definições sobre pele oleosa, seca, mista se aplicam a qualquer tipo de pele, independente do grupo étnico?

Não existe “tipo de pele”. Existe “estado da pele” que é o que a sua pele apresenta hoje. A minha pele pode estar: oleosa, desidratada, sensível, seca. O ‘estado da pele’, sim, cabe a todos os tipos e todas as etnias, porém, o que precisamos considerar é o estado dessa pele naquele dia ou mês. E não classificar como sendo uma coisa só. Não posso classificar a pele como sendo oleosa ou seca o ano inteiro porque tem meses que minha pele é mais oleosa e às vezes menos. Mas que também vai depender da quantidade de água, do que estou me alimentando, o quanto estou dormindo, o quanto estou usando o produto correto. ‘Estado da pele’ é correto dizer. ‘Tipo’, não.

Acne adulta e acne hormonal são a mesma coisa?

É um lugar muito delicado porque a gente já não se vê

Arina Gabriela

Quando se fala em acne adulta, esteticamente pode ser considerado feio, mas se está saindo é positivo, porque é o corpo falando que está acontecendo alguma coisa dentro e que precisa olhar para isso. A partir do momento que não olha, você está lidando com um possível câncer. E nenhum profissional quer falar sobre isso. A acne adulta era muito falada e discutida, mas ainda estão desconstruindo. Não tem um desfecho final. A acne adulta engloba muito o estilo de vida, e principalmente o quanto a paciente se expõe ao estresse, uma vez que a mulher, por exemplo, assumiu outros papéis na sociedade.

Mas a questão hormonal está coexistindo ali como coadjuvante. A mulher é sazonal em hormônios: uma época o pico é alto, outra é baixo. O homem é linear até uma certa idade e depois tem um declínio. Além do estresse, existe o fator alimentação, com muita embalagem, muito transgênico e muita gordura. A nossa flora intestinal está completamente inflamada. Então, quando se fala em tratamento, também temos que olhar para o intestino, trabalhar o ácido gástrico e as defesas imunológicas para que a sua pele tenha uma boa sustentação. Mas não adianta eu fazer tudo isso e dormir quatro horas por noite e achar que está tudo bem. Por isso, no meu consultório, peço exames e tento entender o estilo de vida do paciente.

Foliculite queloidiana da nuca. Pouco se ouve falar sobre o assunto, mas é bastante comum e típico de pele negra. Tem cura, mesmo para quem não raspa os cabelos?

Tem melhora. Existe uma predisposição genética na pele negra para que se tenha queloide [crescimento de tecido cicatricial que se forma no local de um traumatismo, corte ou cirurgia] por conta das nossas fibras elásticas, as fibras que dão sustentação na pele. E a pele negra tem uma fibra muito mais grossa, o que favorece uma maior produção. Então, dependendo do estímulo que a pessoa sofre, pode sim virar uma queloide. Não necessariamente só na nuca, mas pode ser em qualquer região do corpo, independente dos pelos ou não. Por exemplo, colocar um piercing ou fazer um microagulhamento podem formar uma queloide, além da foliculite, que é bem comum na pele negra. Foliculite trata-se desse pelo que não consegue atravessar a barreira, normalmente porque essa barreira não está bem preparada e por não ser um folículo ereto. A partir do momento que ele começa a crescer e não consegue, ele volta para dentro da pele. E junto do folículo tem sebo, tem sujidade e isso cria a foliculite. Mas o caso pode ser amenizado com rotina básica de skincare até a depilação a laser. E que também não pode ser qualquer tipo de depilação, tem que ser específica para a nossa pele.

Nas redes sociais, em que momento é preciso se atentar para os excessos de comparação ou uma possível obsessão por “peles perfeitas”?

É um lugar muito delicado porque a gente já não se vê. Hoje temos essa ferramenta que ainda nos abre algumas portas, então conseguimos olhar outras pessoas pretas, outros movimentos, outras pessoas que falam para e com a gente. Mas essa busca pela perfeição, principalmente da pele, é um lugar muito delicado e justamente porque se dá muito esse favorecimento de um filtro, uma ideia de que a gente tem que ser perfeito. Hoje tento trabalhar com a minha pele o mais natural possível, mas tenho olheiras que por mais que eu possa fazer mil procedimentos, não melhora. E não melhora porque tem uma questão genética, porque tenho uma bebê pequena e não durmo direito e porque tenho uma deficiência de alimentação que ainda preciso olhar para isso.

Meu Instagram não é cheio de antes/depois justamente porque é uma coisa que eu brigo muito com as pessoas. A beleza é subjetiva, mas subjetiva para a pele clara, para o padrão de cabelo liso e olhos claros. A pele negra já tem o seu viço natural, com a sua própria oleosidade. Mas como que eu vou falar de um padrão de beleza, de uma pele perfeita, se eu não falo sobre as características dessa pele negra?

A gente é dominado pela Internet. Então, é importante decidir quais conteúdos e profissionais seguir. São posicionamentos que vamos filtrando para não pirar. Ninguém ensina para a gente que somos bonitos. Estamos falando sobre muitas outras questões quando falamos de uma ‘simples’ limpeza de pele e de uma ‘simples’ consulta. Não é simples.

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