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“Não podemos discutir problemas sem representação”, as vozes que desafiam o problema racial da UE

Semana da Juventude Europeia
📷: ALEXANDRE LALLEMAND / Unsplash

Na recente Semana da Juventude Europeia em Bruxelas, centenas de jovens de toda a Europa reuniram-se para discutir temas como as próximas eleições europeias, democracia no mundo e as alterações climáticas. No entanto, em meio a tantas questões urgentes, uma ficou por tocar: a falta de diversidade racial nas instituições europeias.

De 12 a 19 de abril, o Parlamento Europeu, sediado na cidade de Bruxelas, Bélgica, acolheu a Semana da Juventude Europeia, um evento organizado bianualmente pela Comissão Europeia “para celebrar e promover o envolvimento, a participação e a cidadania ativa dos jovens em toda a Europa e fora dela”, segundo diz informação oficial dos promotores da iniciativa.

Este ano, o evento teve um enfoque especial em temas ligados à participação juvenil nos processos democráticos, tendo em conta as eleições europeias que se avizinham. Mas não faltaram também discussões sobre outros assuntos como as alterações climáticas, conflitos globais e empoderamento juvenil.

Apesar da Semana da Juventude Europeia ter sido amplamente divulgada como um evento que celebraria igualmente a diversidade étnica dos jovens europeus, a realidade é que o seu evento de abertura foi um reflexo oposto daquilo a que alegadamente se propunha, tendo sido evidentemente reduzida da participação de jovens afrodescendentes ou racializados.

“A primeira coisa que eu notei no painel em que falei é que só havia três pessoas negras, numa sala cheia de pessoas brancas. Isto foi chocante. Mas depois lembrei-me que estamos na União Europeia. E é assim que as coisas funcionam aqui”, disse Aïssatou Cissé, uma jovem política belga, quando falava num dos painéis paralelos ao evento de abertura da Semana da Juventude Europeia.

Semana da Juventude Europeia
Semana da Juventude Europeia

Com raízes Senegalesas e da Mauritânia, Cissé fez história na Bélgica ao tornar-se na primeira vereadora distrital negra e mais jovem, com apenas 21 anos de idade, em Flandres, uma região no norte do país. Durante o seu discurso, a jovem política não escondeu a sua preocupação com a falta de representação racial nos cargos políticos europeus, o que se reflete bastante nas estruturas da União Europeia. “A representação é definitivamente muito importante [nos lugares de decisões políticas]. Não podemos discutir os problemas das pessoas sem que elas estejam representadas na sala”, afirmou Cissé durante a sua intervenção.

As autoras do estudo “Diversidade e o Poder na União Europeia”, publicado em 2022 pelo European Policy Center, alertam que as instituições da União Europeia devem ter consciência que muitos europeus não brancos não sentem qualquer tipo de “afinidade” com a agenda Europeia, tão pouco sentem-se atraídos para trabalhar em Bruxelas, devido ao contexto regular de discriminação com que lidam numa base diária em distintas sociedades europeias.

Glória Santiago é uma jovem portuguesa, baseada no Reino Unido, que fundou em 2023 o Projeto Inclusive Europe (Europa Inclusiva). O objetivo deste projeto, segundo disse Santiago à nossa reportagem, é o de “dar aos jovens europeus, e não só, a possibilidade de pesquisar e advogar por políticas europeias mais inclusivas e que promovam maior diversidade racial”.

Santiago, que foi uma das delegadas da Semana da União Europeia, lamenta igualmente a falta de diversidade neste tipo de eventos promovidos pela UE, dizendo “podemos definitivamente fazer um trabalho melhor”.

“Estive recentemente num outro evento da Semana da Juventude Europeia, em Berlim, e falou-se muito sobre diversidade. A questão é que quando se debate a questão de diversidade e inclusão dentro destes fóruns, referem-se somente à falta de representatividade de género, ou de idades, mas nunca sobre a falta de diversidade racial, que é a mais gritante”, diz a co-fundadora do Projecto Europa Inclusiva.

#BruxelasTãoBranca

Em 2017, o jornalista britânico Ryan Hearth publicou um artigo no jornal Político, onde utilizou a expressão #BrusselsSoWhite [#BruxelasTãoBranca] para se referir à falta de diversidade racial nas instituições europeias baseadas em Bruxelas, o ‘coração’ da política europeia. Logo depois, a hashtag passou a ser amplamente utilizada por pessoas abertamente críticas à falta de diversidade racial dentro das instituições da UE, dando forma a um movimento informal de ativistas, académicos e até jornalistas.

Durante a recente Semana da Juventude Europeia, a débil representatividade racial nos grupos que compunham as comitivas convidadas a participar do certame, chamaram a atenção de participantes que de modo confidencial partilharam o seu “desconforto” com a nossa reportagem.

Contudo, alguns acham que as coisas estão a avançar. “A primeira vez que estive na Semana da Juventude Europeia em Bruxelas foi em 2019. E retornei agora nesta edição e pude ver que a mudança foi dramática. Quando lá fui há 5 cinco anos, eu conseguia contar as pessoas negras pelos dedos e penso que houve mais diversidade racial este ano. Penso que movimentos como #BrusselsSoWhite e o Black Lives Matter estão a ajudar a melhorar as coisas”, diz Santiago.

“Enfrentar os verdadeiros obstáculos que estão no caminho de construir uma Europa verdadeiramente inclusiva – e muito mais instituições da UE etnicamente diversas – exige um mergulhar mais fundo em questões desconfortáveis, incluindo o legado do colonialismo e do papel da Europa no comércio atlântico de escravos”, dizem as autoras do estudo sobre “Diversidade e o Poder na União Europeia”.

“Precisamos acreditar para lá estarmos”

O último relatório sobre racismo na Europa, apresentado em 2023 pela Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA), revelou que “quase metade dos afrodescendentes a viver na UE enfrentam racismo e discriminação na sua vida quotidiana”. O inquérito revelou ainda que o assédio racista e a discriminação étnica também são bastante comuns em muitas países da UE, especialmente entre os mais jovens.

Estes dados são uma base que pode ser considerada para se analisar o fraco engajamento da União Europeia, nas suas mais distintas linhas de operação, com jovens que refletiam a realidade de uma Europa racialmente mais diversa e menos branca.

Semana da Juventude Europeia
Aïssatou Cissé |Semana da Juventude Europeia

Aïssatou Cissé diz que compreende o “desencantamento” dos jovens negros da sua comunidade com a política local e europeia, mas diz que desistir de ocupar “lugares de fala na mesa” não pode ser uma opção. “Não é fácil ser a primeira e a única política negra em Flanders, certamente não com o crescimento da extrema direita como temos visto pelo mundo. No início, foi um grande desafio que precisei enfrentar sozinha, mas sinto-me cada vez mais forte”, disse Cissé.

Enquanto jovem política local, Cissé não esconde o interesse em advogar pelas causas das comunidades menos representadas a nível político na Bélgica. Mas recomenda que mais seja feito por parte de instituições, como a União Europeia, no sentido de garantir uma maior diversidade racial na composição dos seus funcionários e eventos. “Não esperem que os jovens negros se tornem interessados na UE ou na política que aqui se faz simplesmente através de publicidades nas redes sociais. É importante [que a UE] tenha mecanismos de chegar a estas pessoas, através de escolas e organizações, e dar oportunidades a estas pessoas. É importante que se dê espaço, oportunidades e informação às pessoas menos representadas aqui”, disse Cissé.

Já Glória Santiago, do Projecto Europa Inclusiva, defende que é importante que sejam promovidas mais iniciativas focadas em engajar os jovens europeus negros ou afrodescendes dentro dos projetos e políticas da União Europeia.

As autoras do estudo sobre Diversidade na União Europeia são objetivas sobre a necessidade da instituição assumir um papel mais moral e responsável no que à diversidade racial diz respeito. “A União Europeia deve levar a sério as suas palavras no combate ao racismo e na construção de uma cultura de trabalho mais racialmente diversa e inclusiva. Em nenhum momento isso foi mais importante, não apenas para garantir que a Europa não fique sem aliados no Sul Global, mas também para enfrentar o aumento do extremismo dentro das nossas próprias fronteiras”, recomendam.

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