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“O que me compete é ser sincero e honesto, o que vem depois são consequências”, Jimmy P

Jimmy P
Foto: @egotrip.pt

Em dezembro de 2022, Jimmy P lançou “Narrativa”, o single que faz a antevisão do seu quinto álbum de originais e sétimo álbum discográfico, ainda sem data de lançamento.

Este “Narrativa” não é apenas uma história musical, é o empoderamento negro num cruzamento com a sua própria história de vida e o seu processo de reinvenção e de re-descoberta, num caminho em que sabe que há coisas da sua essência que tem de resgatar e pulir. O foco nos prémios, no hype ou no buzz são coisas que ao longo do tempo passaram a secundárias. Não está mais preocupado com o que vem a seguir, mas com o que vai deixar, com o seu legado. Quer que as suas filhas olhem para o seu percurso e para o que fez com orgulho.

A BANTUMEN quis conhecer um pouco mais este Jimmy P renovado. O tempo foge-nos, mas conseguimos uma hora do artista para trocarmos dois dedos de conversa, num café, nos arredores de Lisboa. Enquanto bebíamos chá, fomos falando de vários assuntos, desde ancestralidade, negritude, cultura, paternidade e, claro, o novo álbum.

“Tenho duas filhas pequenas, negras, a crescer num país de brancos e quero que olhem para o meu percurso e pelas coisas que fiz com orgulho, que aquilo lhes diga alguma coisa e, obviamente, que parte disso tem a ver com eu recomeçar”, explicou Jimmy. E é disto que se trata o processo criativo o seu novo projeto. Ultrapassa a música. 

Jimmy tem mais de 20 anos de estrada e, por ocupar um lugar satisfatório na indústria, sente que houve algumas coisas das quais se foi desligando aos poucos. É a partir daí que começa o processo de reconexão com a ancestralidade, espiritualidade, com “a minha essência como pessoa como artista e com tudo aquilo que construiu à volta da minha carreira, ao longo desses 20 anos e isso não é uma cena de ruptura mas de conexão”, explica.

Jimmy P | DR
Jimmy P | DR

As longas rastas com que nos habituou já não fazem parte de si. Cortou-as como um ritual de passagem, de transição. A palavra ritual não é escolhida ao acaso. Afinal, em diferentes culturas africanas, e não só, são celebrações que marcam momentos importantes ou mudanças significativas. O artista tinha as rastas há mais de 15 anos e foi agora que sentiu necessidade de as cortar, não só o cabelo mas cortar com algumas questões do seu passado: um bocado como nascer de novo, ser um Jimmy renovado.

Este foi o seu ponto de partida, mais espiritual e esotérico, tal como começar a trilhar esse novo caminho. “Desde que me lembro de fazer música, sempre tive essa ligação e conexão com a minha negritude. Aliás, o primeiro álbum lançado, na altura em 2005, com o meu grupo, chama-se Ubuntu”. Contudo, por muito que estivesse conectado, ainda assim sentia que, por vezes, a sua música não transmitia o suficiente dessa negritude. Sobretudo porque os singles que tiveram mais impacto foram os mais transversais e de alguma forma não transmitiam esse aspecto mais pessoal da vida do rapper e não estavam tão interligados com a sua parte artística.

Então, a “Narrativa” é um single que tem de ser visto como introdução do que é o novo álbum. Desta vez, Jimmy P escolheu uma maneira diferente de fazer as coisas, tendo noção que as palavras que escolheu para colocar em cima do beat pode alienar alguns ouvintes, mas aproximar outros. É o desejo e a necessidade de um empoderamento coletivo, de que a comunidade tenha a capacidade de contar a sua própria história e não deixar que sejam os outros a contá-la. “É dar o tom e dizer que isso está a acontecer, essa reconexão, esse exercício de valorização e superação que resulta em tudo o que já falamos. Em eu estar ligado ao meu legado, à minha espiritualidade , ancestralidade, à história dos meus avós, dos meus pais. É isso que quero passar com esse tema e tudo o que vem mais para a frente é tudo mais espiritual também e nessa energia”, afirmou-nos.

Recentemente, Jimmy P saiu da 808, uma agência portuguesa de gestão de carreiras, direção artística e booking. As visões deixaram ser as mesmas assim como os desafios. “A indústria funciona de uma forma que nem sempre beneficia os artistas como nós. Ou tu és incontornável ou então tens de remar mais que os outros. A minha saída teve essencialmente a ver com a necessidade de eu dominar e controlar o processo todo, desde o início até ao fim de tudo o que acontece na minha carreira”.

Apesar do distanciamento, “enquanto estava ali, eu era um artista que pertencia a uma agência ou a uma estrutura e fizemos coisas bonitas, coisas que correram muito bem, mas foi o encerrar de um ciclo. Teve um tempo de vida e, a partir daí, precisei de me reorganizar, de me reconectar a outras pessoas que me ajudassem a materializar essa visão. Que eu tinha do artista que sou e que me vejo a ser e também das coisas que pretendo concretizar no futuro. A minha saída de lá prende-se a isso”.

Agora com uma nova equipa, que conta com a Mónica Lafayette e Namalimba Coelho, Jimmy quer mostrar algo diferente, algo mais ligado a si. Uma visão e comunicação que sejam o reflexo do que ele é, de como quer e espera que a sua música chegue às pessoas e o que quer que os vídeos espelhem. 

É exatamente o que fez no videoclipe da música. Sabe que deixou algumas pessoas desconfortáveis com o que viram mas, que de qualquer forma, ficou satisfeito porque “a arte não tem de ser apenas bonita e embelezada”. É importante para o rapper colocar as pessoas nesse lugar de desconforto e, se isso provocar algum tipo de impacto ou reação, sente que está a cumprir o seu propósito. Se até agora não recebia este tipo de feedback, Jimmy P sabe que este não é um single de massas mas, em contrapartida, sente que está a tocar e a chegar às pessoas a quem queria que ela chegasse. “O que me compete a mim é ser sincero e honesto, o que vem depois são consequências. Se as músicas têm sucesso ou não, se o álbum bate ou não, se tem números e resulta, isso são consequências. O que me compete a mim é viver em verdade e transpor essa verdade para a minha música. A partir daí, [essa verdade] pode não estar a alinhar com as pessoas e eu tenho de lidar, se estiver, perfeito estou a cumprir com o propósito, se não estiver tou a cumprir o meu propósito a nível pessoal”.

Não é segredo nenhum que os artistas negros em Portugal são os mais ouvidos nas plataformas como o Spotify. No entanto, essa realidade não é refletida nos meios de comunicação, sobretudo nos tradicionais. Podemos contar pelos dedos quantas vezes nas rádios portuguesas uma música de rap é transmitida. “Todos nós sabemos quem são os artistas mais ouvidos, que funcionam mais, os artistas que tocam mais e a verdade é que muitos deles não tocam nas rádios, basta olharmos para a lista dos 10 artistas mais ouvidos no Spotify em Portugal e muitos deles não têm o airplay [tempo de transmissão] que tem um artista pop convencional e isso também diz muito sobre o olhar da indústria sobre a música que fazemos”, explica.

E Jimmy P é um dos artistas que conseguiu ter algum airplay, mas só quando o seu sucesso passou a ser incontornável. “‘Porra, estamos sempre a levar com esse dred’, temos mesmo de passar a música dele, porque de outra forma eu não conseguia tocar naqueles sítios. E aqui, cabe-nos a nós trabalharmos as nossas carreiras e a músicas dessa forma. A que as pessoas olhem para ti e não te diminuam e façam esse exercício de valorização. Vão ver que é uma cena acima da média, incontornável e vão ter que passar. Esta é a solução até termos os nossos meios de comunicação, que nos pertençam”, elucidou o artista.

Durante um tempo, e mesmo dentro do Rap, tínhamos artistas que censuravam artistas por cantarem com artistas de kizomba. Negros a boicotarem negros.

Jimmy P

Nas plataformas de streaming de música vê-se claramente que o top são feitos, na sua grande maioria, por artistas negros, no entanto, esses mesmos artistas não são notícia nos media. “De modo geral, apesar do rap – ou se quiserem chamar de música urbana – e os seus derivados serem os géneros mais ouvidos e consumidos, acho que ainda é difícil o acesso aos meios maiores”.

Além desse menosprezo generalizado, Jimmy P realça também o desdém dos próprios artistas contra certos géneros musicais, como a Kizomba: “Durante um tempo, e mesmo dentro do Rap, tínhamos artistas que censuravam artistas por cantarem com artistas de kizomba. Negros a boicotarem negros.”

Num campo mais pessoal mas ainda dentro da temática racial, o próprio relacionamento interracial do artista vive desafios omnipresentes. “Temos backgrounds culturais muito diferentes. Então essas diferenças acentuam-se, sobretudo na nossa educação. Temos filhas e há coisas que discutimos que, enquanto solteiros, eram questões que não se levantavam mas, hoje em dia, as nossas questões e discussões são ‘de que forma é que conseguimos empoderar as nossas filhas?’, e isso foi uma cena que fixamos no primeiro dia”.

Silvia Plácido, companheira de Jimmy P, tem uma marca, a Mrs. Ertha, que nasceu da vontade de uma mãe a tempo inteiro tornar o quarto das filhas num lugar perfeito para elas brincarem e sonharem. E dentro da marca tem as bonecas Loretas: que são uma coleção de quatro bonecas assentes nos princípios da diversidade cultural e representativas do planeta pelas quatros estações do ano. Cada Loreta está ligada a uma estação através de uma pequena história.

As Loretas nasceram pelo facto de o casal não encontrar bonecas que se assemelhassem ao tom de pele das filhas, do cabelo e outras feições. “Estamos habituados a não ser incluídos, que a indústria dos brinquedos não nos inclua, o desporto não seja inclusivo assim como o mercado de trabalho. Estamos habituados a essa experiência e ela [Sílvia] nunca tinha tido essa experiência e teve essa lente na perspectiva de mãe e sentiu com mais intensidade do que eu, talvez. Debatemos sobre isso durante alguns dias e ela decidiu criar aquela coleção”, explicou Jimmy.

Jimmy P | DR
Jimmy P | DR

“Aquilo partiu de um lugar de amor para solucionar um problema e de forma quase involuntária aquilo tornou-se num negócio, agora é um produto que vende bastante, o que demonstra que existe bué procura para um produto desses. Não é que esses produtos não existam, é até que ponto tens de procurar ou ir para encontrá-los. Se vais a grandes superfícies, um lugar de massas e não encontras é porque algo está mal”, acrescentou. Dos feedbacks que foram recebendo, perceberam que as Loretas estavam a ser compradas pelos pais para oferecerem aos filhos, assim como pelos filhos para oferecerem aos pais e avós e avôs que na infância não tiveram acesso a bonecos que os representassem.

No que toca ao racismo e preconceito, Jimmy P confessa ainda estar num processo de aprendizagem sobre como abordar certos temas com as filhas. Ter “mais calma” e saber colocar filtros no que diz e como diz é um ponto assente, porque as suas experiências vêm de um lugar de revolta. “Por outro lado, tentamos empoderar sempre. Dizer que são lindas e têm um cabelo bonito, com a sua própria cor e isso depois fica enraizado. E vê-se nelas, sentem-se empoderadas, percebe-se nas suas atitudes. Dizemos mesmo e repetimos para enraizar, para que seja natural, elas são negras e ponto final”.

Ainda sobre o álbum, o rapper quer marcar presença, fazer-se notar, chegar a quem tem de chegar e isso começa com as participações daqueles que admira. Como por exemplo Prodígio e NGA, que são pessoas que conseguem ver e conceber música com uma visão muito parecida à de Jimmy daquilo que deve ser o percurso, o negócio e o posicionamento de um artista. Na lista, há também nomes como Kikimoteleba, cantor da Costa do Marfim, autor do hitTigini”, lançado em 2021, entre outros que ainda não podem ser revelados.

O álbum vai ser muito essa “nova” realidade de Jimmy P, muito afrocentrado e ligado às suas raízes. O artista sabe que, entre os seus fãs, uma boa parte está fora de Portugal, sobretudo em Angola, Cabo Verde e Moçambique. Há mais mercado para explorar e o artista começa agora a delinear um plano para aproximar-se mais desse mercado. 

Visualmente, o público pode esperar algo que surpreenda. Jimmy garante ter optado pelo não convencional e que a apresentação do álbum vai ser num contexto muito específico, ao nível desta nova fase de reconexão.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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