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Leo Middea, a vida que se transforma em música e ao ritmo do MPB

Leo Middea, homem mestiço, de pele clara, cabelo curto encaracolado, ao centro do estúdio de gravação de um programa televisivo; com uma tshirt branca, um casaco de malha acastanhado e umas calças pretas
Leo Middea | DR

Quando a voz de Leo Middea une-se aos acordes da sua guitarra, até a mais implacável alma estóica deixa-se embalar na leveza da Música Popular Brasileira (MPB). Aos 28 anos, o artista carrega consigo cinco álbuns – “Dois” (2014), “A Dança do Mundo” (2016), “Vicentina” (2020), “Beleza Isolar” (2020) e “Gente” (2023) -, milhares de streams no Spotify, shows esgotados além da Europa e é o primeiro artista brasileiro a chegar à final do Festival da Canção em Portugal. 

Para a realização desta entrevista, o artista, nascido no Rio de Janeiro, em Taquara, recebeu-nos com um sorriso convidativo. Ao primeiro instante, a sua jovialidade aparente deixa-nos interrogativos sobre a atenção que o seu nome tem recebido, mas ouvi-lo – tanto o que tem a dizer quanto a sua música – dissipa qualquer dúvida. Além do talento, o cantor e compositor tem sentimento e emoção debaixo da manga. “Sou carioca. Faço música profissionalmente há dez anos mas comecei a tocar à 14 anos. Isto é, aprender como manejar um instrumento. Vivi em Lisboa por 7 anos e agora me encontro numa fase um pouco nómada em que vejo um pouco de mim em cada canto. E enquanto estou aqui, aproveito cada momento”, conta.

Apesar de ter tido um contato com a música, de maneira profissional, bastante cedo, surpreendentemente, Leo admite que tudo começou por acaso porque música nunca foi um objectivo definido até aos seus 14 anos. Ao explorar o mundo da sétima arte como um dos seus sonhos, na altura, através de projectos de teatro e até mesmo ao formar-se na faculdade de cinema, o artista nao fazia a minima ideia que poderia ter chegado até aqui se não fosse pelo seu violão e o grande amor entre ambos que evoluiu ao longo do tempo. 

Com 14 anos, Leo forma uma banda com os seus amigos de turma mas apenas aos 18 começou a trabalhar num álbum porque na época já tinha muitos projectos em mente, incluindo teatro e a faculdade de cinema. “Eu gravei um álbum bastante improvisado e bem amador, digamos assim, com músicas que eu fiz durante essa mesma época de escola. Eu lancei esse disco de uma maneira pretensiosa e sem muitas esperanças. No entanto, muitos amigos meus acolheram e gostaram muito do disco. [Inevitavelmente], isso me deu mais força para poder continuar a compor, fazer novos álbuns e investir em projectos. Esse apoio, desses amigos fez com que existisse uma alavanca me puxando para a frente.”

Ao descrever a sua música, Leo confessa que o seu trabalho corresponde a “reflexos de pequenos fragmentos do que vai vivendo por esse mundo inteiro. Com letras poéticas, arrebatadoras e íntimas, Leo transforma as suas músicas em “casa”, seja ela onde for, e sempre com as sonoridades do Brasil como fio condutor. “Costumo criar músicas que me conectam diretamente aos espaços em que estou e que me permitam me relembrar delas através de algum ponto de referência”, reforça. “Quer seja o Rio de Janeiro, quer seja Lisboa, sobre a qual escrevi bastante, me focando em bairros, sentimentos ou até mesmo sensações. Há muitos anos, um amigo meu comparou a música como se fosse uma fotografia e [isso ficou comigo]. E eu acredito muito nisso, tanto que se vê muito na forma que componho, porque a música para mim é como se fosse uma fotografia que se desenrola e se revela poeticamente entre linhas e palavras. É como se eu tivesse fotografado um momento e agora tivesse o privilégio de revelar e partilhar com o mundo, acompanhado de melodias e palavras. Quer seja uma história de amor, uma paisagem, uma praia ou um bairro que me marcou bastante. A minha música exibe exactamente esses pequenos momentos fotográficos”. 

Devido à sua natureza cosmopolita, o compositor sublinha que as suas viagens têm uma influência marcante no seu trabalho e na sua visão do mundo. Com o lançamento do seu primeiro álbum na Argentina e o desenvolvimento de outras obras em Portugal, é inegável o impacto de cada aventura na sua expressão artística. “A fundação da minha música foi construída por conta dessas aventuras e histórias formadas ao longo do caminho. O meu primeiro concerto a solo foi em Buenos Aires, quando a banda acabou, eu queria bastante tocar a solo, somente voz e violão, e o primeiro lugar em que consegui tocar foi em Buenos Aires também. Eu gosto muito dessa sensação porque soube a uma troca de cultura e me deu a oportunidade de falar um pouco sobre o poder das melodias brasileiras num território tão diferente”, disse. 

Com o fascínio que foi crescendo a cada aventura, a sua mudança para a Europa trouxe consigo esse mesmo sentimento e a vontade de difundir e partilhar a música popular brasileira, enquanto explora o intercâmbio cultural de géneros e ritmos musicais. “Eu acredito que todas essas viagens influenciaram-me profundamente e de várias maneiras.”

Em relação aos seus álbuns, o cantor garante que cada um teve o seu devido montante de lágrimas e suor mas, ao fim e ao cabo, cada disco teve versões diferentes de si. “Cada disco tem uma energia muito diferente mas relativamente aos meus três últimos, que foram os mais recentes, posso dizer que o meu disco, Vicentina foi um disco muito especial para mim porque foi um disco que me tirou de um lugar muito delicado, em que me deparei muito perdido em relação à música. E para mim, fazer aquele disco foi uma maneira de me libertar de muitos sentimentos”.

Vulneravelmente, Leo recorda o momento em que teve de pedir dinheiro na rua, um euro por pessoa, para poder gravar Vicentina, pois como artista independente não tinha meios financeiros para o fazer. Apesar dos obstáculos, quando se viu nessa situação e teve o prazer de ver o álbum lançado, isso impulsionou-o para um novo patamar. “Foi este disco que me proporcionou alcançar um milhão de visualizações em apenas 9 meses e também foi a primeira vez que alcancei uma meta daquelas a nível musical”.

Logo após o lançamento de Vicentina, veio a pandemia e com ela surgiu Beleza Isolar, um álbum que Leo considera muito marcante, pois, tal como muitos, estava então confinado em casa. “Apesar de ter sido um projeto bastante caseiro, fazer música em casa acabou por ser uma ferramenta que me ajudou em vários aspectos, proporcionando-me muitas oportunidades e experiências positivas, e conduzindo-me até ao meu último álbum, Gente.” Este, foi um disco que não exigiu tanto emocionalmente, mas foi aquele que mais desafiou Leo até hoje. Então, acaba por ser um espectáculo presenciar e observar que na minha história cada disco supera o anterior de alguma forma, especialmente em termos de potência. Eu acho maravilhoso esse processo e se tivesse que escolher apenas um seria o Gente. Tenho um xodó imenso pelo “Beleza Isolar”, que é o meu disco de quarentena que também marcou um momento muito especial da minha vida”, diz o cantor.  

Acredito que ter ido até a final incomodou muitos portugueses e aquilo fez com que os ataques e mensagens de ódio se intensificassem de uma maneira surreal

Leo Middea

Ao refletir sobre uma carreira em que só poderia escrever ou compor, o artista, um pouco confuso e hesitante, parece analisar cuidadosamente a questão. No entanto, após revisitar sua jornada musical, ele menciona que escolheria compor para sempre. “Eu escolheria compor, porque é uma forma de libertar sentimentos. Dependendo do que queremos expressar, torna-se um momento de terapia interna e exploração dos nossos sentimentos, do que queremos transmitir e colocar tudo para fora.”

Quando se trata de ídolos e inspirações, Leo expressa que há várias fontes de inspiração, pois inspira-se “por pessoas que vão surgindo ao longo da jornada”. No entanto, a primeira pessoa que o incentivou indiretamente a fazer música foi Cícero, um cantor da nova geração da música popular brasileira, que lançou Canções de Apartamento, em 2011. “Quando ouvi aquele álbum, fiquei fascinado e boquiaberto porque a estética das letras me deu um abraço muito forte, num momento que eu precisava. Aquilo me inspirou para compor e, a partir daí, comecei procurando outras referências e inspirações que me levaram a clássicos como Gilberto Gil, Caetano Veloso, e etc. No entanto, os pontos de referência são os novos compositores como Cícero, Marcelo Camelo, Rodrigo Gamarante. Estas são pessoas de uma nova geração que solidificaram os meus pilares desde o início e me deram aquele pontapé para ir adiante. Depois os clássicos vieram inevitavelmente”. 

Quanto a possíveis colaborações e momentos que visualiza num quadro imaginário, o cantor afirma que tem muitas pessoas em mente, mas Mayra Andrade é o nome no topo da lista. “Ela inspira-me muito, não só musicalmente mas também devido ao facto de que ela tem a habilidade de circular no mundo inteiro e tendo essa característica muito especial que é levar a cultura para palcos diferentes. Adoraria colaborar com ela. E não posso esquecer-me também da Maro”. 

Assim, ao seguir os passos de artistas como Mayra Andrade, que levam consigo a sua cultura e a disseminam por onde passam, como se fosse magia, Leo viu-se inserido num contexto que merecia, mas que não ressoa com muitos de nós: o Festival da Canção. Apesar de ter conquistado o seu lugar como o primeiro brasileiro numa final e apresentando um single que representa exatamente as suas raízes e as saudosas auroras da música popular brasileira, “Doce Mistério”, o cantor acabou por ser alvo de xenofobia, preconceito e racismo nas redes sociais. “Foi muito louco porque nunca me tinha deparado com situações assim em Portugal, pelo menos tão visíveis, e com tanta animosidade em querer atacar”.

Apesar dos ataques terem começado assim que a musica foi lançada, Leo confirma que tudo se elevou e aumentou de proporção quando foi selecionado final. “Acredito que ter ido até a final incomodou muitos portugueses e aquilo fez com que os ataques e mensagens de ódio se intensificassem de uma maneira surreal. E confesso que perdi um pouco de tempo vendo e lendo aquelas mensagens e, simultaneamente, tentando não me identificar com aquilo ou absorver aquilo de uma maneira intensa. Porém, foi difícil porque aquilo tem o poder de abalar qualquer um, especialmente devido ao facto de que morei sete anos em Lisboa e por um instante me considerei parte daquele núcleo”.

O cantor acredita que ter partilhado a sua experiência e ter falado abertamente sobre o assunto o ajudou. “Vi o outro lado da moeda em que muita gente se chegou à frente e recebi bastante apoio também de diversas comunidades. De certa forma, me senti super acolhido e seguro, o que se tornou num momento muito especial. E também foi bom de uma certa forma porque é necessário que as pessoas considerem, observem e discutam abertamente estes problemas tão prevalentes e presentes na sociedade portuguesa. É uma conversa que ainda tem muitos anos para ficar totalmente esclarecida e para que haja uma evolução”.

No geral, Leo encontra-se numa fase feliz da sua jornada, com vários concertos e projetos ao longo do caminho que, esperançosamente, proporcionarão muito mais do que ele espera. Quanto à sua vida passada, Leo deixa-nos com a incerteza sobre como seria a sua vida hoje se tivesse escolhido um caminho diferente. “Wow! Não faço ideia, porque tudo o que eu pensava aos 10 anos faz agora parte de uma realidade completamente diferente. Tudo virou do avesso. Provavelmente faria com que esse Leo de dez anos tivesse a oportunidade de ver o mundo com mais clareza. Na altura, havia várias coisas que eu considerava normais e hoje não se coadunam comigo. Seja escolhas ou caminhos, acredito que todos nós pensaríamos em mudar algo no passado, se tivéssemos uma varinha mágica.”

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