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Malía, o pop com a essência do Brasil

Malia | ©Angelo Pontes
Malia | ©Angelo Pontes

A rua é uma das fontes de inspiração de Malía. Porém, as suas maiores referências estão dentro de casa.  “A minha educação musical foi muito forte”, afirma a cantora de 24 anos, nascida Isadora Machado. “Tô sempre na rua, e gosto de estar na rua. É muito natural você me ver numa rua aleatória na Lapa (no centro do Rio de Janeiro), porque eu amo ver as pessoas passarem”. Essa vivência entre o lugar que foi criada, a Cidade de Deus (CDD), e os diferentes espaços públicos do Rio de Janeiro, incluindo a praia, foi essencial para que estruturasse o seu segundo álbum, Som da Minha Casa.

“Eu amo a CDD de paixão. Ela sempre me impulsiona na questão musical”, observa. “Quando eu era pequena, minha brincadeira era diferenciar uma música da outra porque todas as músicas estavam sendo tocadas ao mesmo tempo. Então, o álbum tem muito essa pegada do que toca na minha casa,, sabe!? Porque eu não vou cantar mais de um gênero se ao mesmo tempo um vizinho ouve pagode, o outro forró e outro está ouvindo sertanejo? Como eu canto de tudo um pouco, queria que todas essas diferentes sonoridades estivessem presente”.

De fato, a estética sonora não se limita a um gênero específico. É plural, e o pop presente ali tem a essência do Brasil. Malía começa com um gospel, passa pelo samba, flerta com o rap, funk e R&B. Tem cores, muito tempero e sabores variados. Para chegar a esse resultado, ela decidiu experimentar. Queria entender como seria misturar todas as coisas que mais gostava, principalmente, levando em consideração a textura de cada uma. Mas antes da base rítmica, veio o processo de composição. Algumas foram escritas pela própria artista, outras selecionadas de terceiros e teve aquelas que fizeram num camp com diferentes compositores. 

O objetivo era contar histórias sem limitações, mesclando o orgânico com o eletrônico. Ela queria transitar nesses lugares, compartilhando sua história de vida, e se ver dentro de um contexto diverso, por mais que a indústria musical preze por algo bem mais quadrado do que tinha em mente. 

“Eu me identifico com muitas coisas e sobretudo me reconheço como intérprete”, diz. “Então, ao ouvir, a narrativa foi se construindo, mediante as coisas que eu ia vendo, as coisas que estavam acontecendo. Foi uma equação disso tudo e de vários sentimentos que eu já vinha guardando e queria muito compartilhar. Minha mãe e meu pai sempre mostraram artistas maravilhosos e múltiplos, por exemplo o Djavan e até a Alcione, que eu amo de paixão. Nós fazemos música e vamos criar a partir daquilo que faz o nosso coração pulsar”.

MÚSICA POP BRASILEIRA

Enérgica, simpática e  sempre com um sorriso no rosto, Malía revela que tinha (e tem) a intenção de ir além de qualquer gênero musical. Não estava preocupada em se colocar dentro de uma caixa, mas sim perceber todos os movimentos que existem no movimentos artísticos brasileiros, todas as coisas que estão disponíveis na cultura, principalmente a preta, para explorar e usar ao seu favor. Dessa forma, pretende criar uma música pop com uma personalidade nacional, não se tornando mais uma réplica do que vem de fora. Para desenvolver essa característica, novamente estudou e fez tentativas. “É tipo: nós temos isso aqui, a partir disso para onde vamos? Como a gente pode desenvolver isso que a gente já tem? Eu queria muito que fosse assim… e falando sobre a construção da minha identidade, eu reconheço todos esses movimentos, que são movimentos que fazem parte da vida da Malía. São coisas que eu ouço e queria me sentir em casa a partir desse conforto e desse pertencimento”, ressalta. “Isso me pertence e também me constrói, então qual é o meu produto, a minha equação disso tudo? Qual é minha tradução dessas coisas… como eu ouço? Por isso, eu queria que fosse quase um disco pra colocar na vitrola, sabe!?”

Essa fusão cultural que é muito presente nas favelas faz parte do DNA da cantora. Para ela, mostrar essa referência como um espaço de celebração tinha muita importância. São as referências de perto, que as pessoas podem entender e conseguem se reconhecer. Isso torna a conversa  mais humana e pessoal. “Eu queria que tivesse isso no álbum para que as pessoas pudessem se aproximar de mim de uma maneira mais tranquila e natural, porque quando você é artista, às vezes, você fica classificado num lugar e eu queria que tirasse um pouco disso”, reflete. “E se eu tô num gênero só, eu to dentro de uma caixa e não vou transitar nos outros espaços”. 

Na visão dela, transitar em outros espaços a aproxima mais do público. E assim, torna-se mais diversa. 

Esse desejo de aproximação também fica evidente no conceito visual, da arte da capa aos vídeos, que focam na beleza negra e no lugar de onde veio. Por exemplo, a caixa de som que ela está deitada na foto da capa foi produzida pelo pai dela, e pela primeira vez usa o seu cabelo natural com tranças nagô no vídeos de “Vou Atrás”e “Pop Star”.

 “Geralmente eu uso vários cabelos, mas dessa vez eu quis fazer diferente”, diz. “Acho que isso é muito importante, porque querendo ou não a (trança) nagô é algo que destaca muito, mas a gente vê pouco, pois quando uma artista negra vai fazer um disco, a primeira coisa que a gente faz é colocar um cabelão (lace)”. 

CARNAVAL, PARCERIAS E REPRESENTATIVIDADE

Para além de demonstrar o seu cotidiano, a cantora queria trazer à tona coisas que importavam para ela. E novamente, a rua toma o protagonismo, o que também inclui o carnaval. Malía sempre faz questão de evidenciar que quando pequena a festa mais tradicional do Brasil era um dos poucos momentos que tinha acesso à cultura de forma gratuita. “Eu tenho uma memória afetiva muito grande no carnaval, principalmente o de rua, porque era o único período do ano que eu podia assistir um show”, relembra. “Gostava de estar na rua para demonstrar o quanto ali é um lugar incrível e quanto isso agrega”. 

O encontro com Iza Sabino, MC Lizzie e Budah faz parte dessa observação do que as ruas podem proporcionar. Ambas dão um brilho a mais no trabalho, e mostram o quanto essa conexão era necessária. Quando pergunto sobre as parcerias, Malía afirma estar arrepiada porque essa foi a realização de um sonho. Em 2016, Iza Sabino mandou uma mensagem falando para elas fazerem uma música juntas. Mas naquele momento ela não podia fazer aquele feat. Na verdade, não podia escolher com quem queria fazer música. Então quando pôde, não pensou duas vezes em chamá-la. 

A escolha das três artistas segue a mesma lógica que permeia todo o projeto: não disponibilizar qualquer coisa, mas sim o que a própria Malía ouve dentro de casa. “Tenho muita responsabilidade hoje no que eu consumo”, afirma. “Dessa forma, eu procuro ouvir pessoas nas quais eu me identifico”. É um reconhecimento mútuo, principalmente na forma que elas vivem, que é parecida com a minha. Eu queria justamente somar isso para além da projeção do algoritmo XY, porque isso é o que realmente importa pra gente”. 

Como sempre foi a única mulher negra trabalhando em todo processo dos seus projetos, Malía se diz realizada por estar junta com mulheres como ela para trazer um novo frescor, uma outra forma de trabalhar, e consequentemente influenciar meninas pretas a se reconhecerem como potências, onde quer que estejam. “Ter elas é literalmente sobre o conforto do pertencimento”, observa. “E era sobre isso que eu queria falar. Eu fico muito feliz, muito feliz mesmo”.

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