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A jornada afrodescendente rumo ao bem-estar com Giel Branker

Giel Branker, fundadora da startup Reignwel | DR
Giel Branker, fundadora da startup Reignwel | DR

Giel Branker mudou-se recentemente dos EUA para Portugal e tem vivido uma realidade completamente diferente do que está habituada, especialmente no campo da saúde mental. Desde o início da jornada para fundar a Reignwel, a empresária conta-nos que um ponto crucial desta viagem foi, sem dúvida, a mudança para Lisboa e a saída dos EUA. “Foi apenas aí que consegui parar e desacelerar. Tudo aquilo de que fugi durante toda a minha vida bateu-me de frente. Tive de enfrentar algumas dessas questões e não havia como recuar. Já não podia fugir dos meus demónios; inevitavelmente, reconheci que também não conseguiria a ajuda de que precisava. Ninguém sabia como ajudar; ninguém sabia o que dizer, ninguém sabia o que fazer”, explica.

O bem-estar é, precisamente, estar bem. Mas não é assim tão linear. Existe uma profundidade significativa em sentir-se bem, pois varia entre equilíbrio, contentamento, consciência e desafio. Significa compreender a tensão da saúde, tudo o que precisa ser resolvido e aquilo que já reconhecemos. No entanto, é uma linha ténue entre a doce tensão de alcançar, estar a caminho e já estar aqui”, descreve delicadamente Giel Branker que, além de empreendedora é cantora e escritora.

A Reignwel, plataforma para criativos e mentes artísticas afrodescendentes que enfrentam problemas de saúde mental, começou a ser desenhada há cerca de dois meses. “Embora muitas outras plataformas propriedade de afrodescendentes tenham começado a surgir, especialmente no que diz respeito à saúde mental, não foi o caso quando eu estava à procura delas e, no final das contas, tive de experienciar por mim própria para perceber que existia uma lacuna significativa no mercado. Tive de questionar como poderia fazer parte da solução, redescobrir o que significa ser uma pessoa de cor criativa e idealizar o que significa reinar bem na minha vida; como é que eu poderia fazer isso, que recursos podemos encontrar, como é que isso pode estar prontamente disponível e acessível para mim, e, depois de muitos sonhos e perguntas, a Reignwel ganhou vida”.

Giel afirma que é uma mulher negra que está ativamente num processo de procura de bem-estar, não só para ela, como para aqueles que a rodeiam, seja a família, sobretudo o filho. “Quero que as coisas que faço representem o quão bem estou. Quando me afasto do rótulo de mãe, que frequentemente é usado para definir completamente mulheres como eu, tento lembrar-me de que também sou cantora, compositora e empresária. Estou nesta bela jornada, aprendendo a ser alguém para além das definições externas e a ser genuinamente feliz, ao mesmo tempo em que reconheço que está tudo bem quando não atinjo os meus objetivos. Também quero desafiar o ‘eu’ de ontem porque, como qualquer outra mulher negra, quero ser uma versão melhor de mim mesma”, diz ela.

Ao navegar nesta jornada tão pessoal, Giel menciona que, como pessoa criativa, sentiu-se desafiada pela linha ténue entre o que alguns chamam de “genialidade e insanidade”. “E a verdade é que tudo isto é um equilíbrio quando a nossa mente é tão brilhante quanto a própria cor, mas essas mesmas cores vibrantes podem ser, por vezes, opressivas”. Por ter enfrentado problemas de saúde mental ao longo da vida e por nunca querer rotular-se devido ao poder da fé no seu crescimento, era incompreensível admitir que enfrentava problemas: “Apenas orávamos a Jesus! E pronto. A fé tem sido um pilar fundamental na minha jornada, mas também há um lado muito realista onde percebi que estava a ser desafiada, mas não sabia como navegar nesse caminho“, acrescenta a cantora.

A Reignwel reflete-se na necessidade da empreendedora descobrir uma tábua de salvação. A plataforma surgiu após a COVID-19, após a perda de muitos entes queridos e membros da sua comunidade criativa para o suicídio, incluindo o seu sobrinho, que lutava contra a depressão. “No final das contas, quando isso atingiu-me, percebi que as pessoas na nossa comunidade não estavam a discutir o facto de estarmos numa luta, e que, ao mesmo tempo, também precisávamos manter uma fachada após uma longa história de enfrentar constantemente desafios e injustiças”.

À primeira vista, a combinação de IA e saúde mental pode parecer um tanto estranha. No entanto, Giel assegura-nos de que, após uma pesquisa aprofundada, o problema é que a maioria das aplicações de saúde mental e bem-estar foca-se mais na meditação e em certos tipos de espiritualidade. “Mesmo assim, com todas essas plataformas, algo precisa realmente abraçar a mente criativa. A mente criativa não é apenas ‘o que se vê é o que se obtém’. Existem múltiplas facetas, como num caleidoscópio”, partilha.

Giel percebeu assim que precisava de um conjunto de coisas para ajudá-la a encontrar esse ritmo de bem-estar. Então, questionou-se quantas outras pessoas precisariam do mesmo. “Precisamos de mais do que apenas terapia, natação ou cuidar de plantas. Mas e se todas essas coisas estiverem ao teu alcance e puderes capitalizar a tecnologia de IA? Eu incorporei isso em jornadas de bem-estar, onde temos inteligência artificial que pode aprender constantemente com as tuas interações, da mesma forma que solicitaríamos para fazer qualquer coisa de que precisamos. Podes ensinar-lhe padrões sobre ti enquanto enfatizas o melhor método de bem-estar a operar a cada dia, de acordo com o que sentes”. Embora ainda seja um trabalho em andamento, Giel acredita e tem certeza de que a tecnologia de IA ajudará, assim como faz com qualquer outro negócio, categoria ou tarefa.

Recentemente, a sustentabilidade assumiu também um papel central na tecnologia devido ao seu impacto na nossa qualidade de vida, e a Reignwel não ficou para trás ao considerar um modelo empresarial sustentável. “Apesar de estarmos apenas no início, a coisa mais importante que a Reignwel considerou antes de iniciarmos o projeto foi fornecer recursos adequados e sustentáveis para que todos os nossos utilizadores possam educar-se na nossa plataforma”, esclarece a fundadora.

“Primeiro, podes não saber ou entender o que está à tua frente, mesmo sendo potencialmente um resultado do stress pós-traumático. E não o entenderás porque nunca foest capaz de identificá-lo ou porque certos comportamentos foram normalizados ao longo do caminho. Portanto, os primeiros passos incluem a leitura e a aprendizagem sobre o assunto. Então, aí saberás o que te parece familiar e examinarás quais são os métodos que podem ajudar-te, garantindo ao mesmo tempo que estás conectado com alguém com um terapeuta ou conselheiro espiritual da comunidade. A partir daí, podes não ter todas as respostas, mas certamente terás um conjunto de opções para escolher”.

Giel sublinha que o objetivo é garantir que estejamos educados e que as pessoas saibam que a saúde mental é vital, especialmente para a mente criativa. “É o nosso motor criativo; se a tua mente estiver sobrecarregada, os resultados manifestar-se-ão de forma diferente do esperado”. Independentemente das noções romantizadas de genialidade e insanidade, como seria bom se pudesses estar bem e ainda assim ser criativo, altamente produtivo e equilibrado, conhecendo-te a ti mesmo?”, questiona.

Quanto à acessibilidade e às taxas de acesso, à medida que constroem a base de dados, a Reignwel já tem uma lista de terapeutas, conselheiros espirituais, treinadores e mentores, todos profissionais negros. À medida que mais nomes se juntam ao banco de dados e se preparam para serem fornecedores da Reignwel, a maior questão para Giel é se os especialistas podem ser flexíveis ao oferecer serviços gratuitamente a alguém mais necessitado. “Quero fazer parte da classe de modelos onde as coisas sejam o mais acessíveis possível. Mesmo assim, com a mesma leveza, queremos proporcionar a alguém a oportunidade de ter apoio de saúde mental, algo que talvez nunca tenha sido capaz de pagar ou, pior ainda, nunca tenha pensado que seria algo de que poderia beneficiar. E essa é uma das coisas que exigimos de todos os que pretendem ser fornecedores da Reignwel”.

Ao refletir sobre a vida e a saúde mental de uma empreendedora, Giel começa por dizer, num tom sereno, que luta contra a síndrome do impostor todos os dias, por vários motivos. Por não ser médica, por não ter um doutorado e por ser apenas uma defensora do bem-estar mental que entende os desafios em primeira mão, não apenas na sua própria vida, mas também na vida das pessoas próximas a si. “O meu filho e o meu sobrinho cresceram juntos, pois tinham apenas alguns anos de diferença; então, embora tenha testemunhado a dor de perto e saiba que esta é uma tarefa gigantesca, ainda sinto-me muito inadequada e inexperiente. E o que quero dizer é que questionei muito o que estava a fazer, até decidir fazer parte de uma solução, mesmo quando não conseguia encontrar as respostas”, desabafa. Agora, fazer parte da solução e de um cenário mais amplo, como se fosse uma pequena ajuda para enfrentar uma crise global, motiva-a a manter o foco e a confiança para evocar esses mesmos pensamentos quando surgirem novamente.

Em relação ao empreendedorismo em si e aos frutos que daí advêm, Giel solta uma gargalhada cheia de vida e calor, exclamando: “Estamos falidos! Não temos dinheiro! Estamos falidos!”. Apesar de já ter tido outros empreendimentos, a empresária não entendia o mundo das startups. No entanto, compreendia a importância de ser apaixonada por algo, sentir que está a cumprir o seu propósito e ajudar outros ao longo do caminho. “Tenho uma opinião muito forte sobre isso, então essas autoconfianças neutralizam os momentos em que me sinto presa e pergunto-me de onde virá o dinheiro. Mas o que tenho certeza é que o que trago ao mundo é suficiente para o que quer que surja no meu caminho. Hoje, testemunho isso enquanto as pessoas aderem ao projeto e não tenho dinheiro para pagá-las, mas elas têm ajudado-me ativamente a construir uma plataforma em que ambos acreditamos e esperamos muito”.

Com um olhar pensativo e uma voz hesitante, Giel conta que gostaria que a Reignwel estivesse presente mais cedo para o seu sobrinho, outros amigos, familiares e membros da comunidade. “Para aqueles que já não estão mais connosco, ou que já poderiam ter sido uma ferramenta ativa para enfrentar momentos desafiantes”. No entanto, ela crê que não teria o mesmo significado para si se não acontecesse da maneira que aconteceu. Talvez a Reignwel tivesse nascido sob uma luz diferente. “Ainda assim, gostaria de acreditar que até agora não existia algo como a Reignwel, e isso significa apenas que tudo o que aconteceu teve de acontecer para que eu pudesse redirecionar o meu foco desta forma, disponibilizando este tipo de assistência ou recursos a outros na mesma caminhada”, admite.

Em geral, a fundadora de mil e uma facetas, cresceu muito desde que decidiu enrodilhar nesta jornada, principalmente em relação ao seu nível de paciência e graça. Inerentemente, estas características fazem parte da sua estrada a caminho do bem-estar porque um dos maiores desafios que encontrou, ao lutar contra a depressão e a ansiedade, é o diálogo interno negativo. “Tinha uma necessidade constante de falar o pior de mim mesma, com base em decisões ou erros que cometi anteriormente que levaram a resultados menos favoráveis. Tive que aprender à força como ser mais gentil e graciosa comigo mesma, porque no final das contas, a Reignwel tem apenas dois meses e, neste curto período, consegui muito. Tudo devido às mesmas experiências que suportei nos últimos dez meses e na minha vida”.

A startup de Giel Branker foi selecionada como uma das 15 startups a integrar o programa Road 2 Web Summit, de 2023, numa colaboração entre a Djassi Africa e a Startup Portugal e promovida pela BANTUMEN.

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