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Marco Mendonça, entre o brilho dos palcos e a vida pacata de um gamer

Marco Mendonça | 📸 @filipeferreiraphoto
Marco Mendonça | 📸 @filipeferreiraphoto

Para Marco Mendonça, a arte de representar é mais do que uma vocação, é uma experiência de autodescoberta e expressão única. Com uma carreira em ascensão no mundo das artes performativas, este talentoso ator moçambicano, atualmente a residir em Lisboa, conquista palcos e corações com a sua entrega e versatilidade. Num mergulho no universo de Marco, exploramos não apenas o artista, mas também o indivíduo que valoriza a tranquilidade e a introspeção, encontrando equilíbrio entre o brilho dos holofotes e a serenidade dos seus momentos pessoais.

“Experimentar porque acho que é uma forma de vivenciar diferentes estados de espírito, assim como explorar maneiras distintas de existir e de pensar. É também uma maneira de me conhecer melhor, entre outras coisas. Ser ator é mergulhar, vezes sem conta, em experimentação e autoconhecimento.” Esta foi a resposta de Mendonça ao considerar, com segurança, o que ser ator realmente significa para si.

Atualmente com 28 anos, o ator e performer tem vindo a construir uma carreira proeminente no mundo das artes performativas ao mesmo tempo que preza uma vida pessoal em “paz e sossego” e entre os video-jogos. “Para além de ser ator, sou também gamer. Gosto muito de estar no meu cantinho, mas, sobretudo, procuro a paz e a tranquilidade em geral, uma vida calma, em espaços discretos.”

Ao ponderar se estas personalidades chocam, o ator partilha que sempre foi muito tímido, mas sabe que estar em palco acaba por libertá-lo dessa mesma timidez, dando-lhe simultaneamente a oportunidade de ser ele próprio. “Desde muito cedo que equilibrar estas duas vidas quase sempre foi uma certeza para mim. Eu fazia teatro, dança e outras atividades numa escola portuguesa, em Moçambique, onde nasci. Várias das atividades eram feitas como uma celebração ao 10 de Junho, dia de Camões”, de Portugal e das Comunidades Portuguesas. Mesmo com o seu teor e núcleo colonial, como criança ou jovem, estes eram momentos pelos quais Marco ansiava durante o ano, porque representava a oportunidade de criar algo, investir numa performance e, sobretudo, proporcionar alegria aos pais, que admiravam o talento de Marco. “Então, este lado performativo sempre esteve muito presente em mim, contrastando com o meu lado tímido e discreto na vida real.”

Embora sempre tenha tido o bichinho da criatividade dentro de si, foram colegas de escola, precisamente da secundária na Margem Sul, que o incentivaram a dar o próximo grande passo para o mundo da representação. “Enquanto eu não sabia muito bem o que queria fazer dali para a frente, mesmo tendo feito o 12.º ano em artes visuais, eles sugeriram experimentar algo no ramo das artes performativas. Eu sempre reticente, mas ao mesmo tempo a ponderar que oportunidades viriam de lá. Eventualmente, chegou o momento de candidatar-me às faculdades e foi aí que soube da existência da Escola Superior de Teatro e Cinema. Inscrevi-me, assim, muito na desportiva e sem grandes expectativas,” detalha Marco. Consequentemente, havia outras opções que Marco explorou brevemente também mas, assim que conseguiu entrar no conservatório, mesmo tendo estado numa lista de espera, sentiu-se logo confiante.

No que diz respeito a rituais, Marco declara que não é uma pessoa de rituais estabelecidos, mas sim de rotina, pois acha que acaba por fazer o mesmo para qualquer espetáculo, especialmente para espetáculos muito exigentes a nível físico, em que se encontra provavelmente a aquecer o corpo ou a alongar. Com um riso contagiante, Marco confessa que “algo que eu acho que faço sempre, mesmo inconscientemente, é pôr batom de cieiro. Inclusivamente, há muitos espetáculos em que chego mesmo a levar o batom comigo. É algo palpável que cria uma ilusão de tranquilidade.”

À margem do Alkantara Festival, de 17 a 19 de novembro, Marco vai estar em cena no Teatro do Bairro Alto (Lisboa), com a performance Blackface, uma conferência musical, entre o stand-up e a fantasia, entre a sátira e o teatro físico, entre o burlesco e o documental, que parte de experiências pessoais e da história do blackface como prática teatral racista. Marco descreve que o seu maior sucesso foi conseguir fechar um espetáculo de uma hora e vinte minutos, conseguindo assim criar um objeto artístico com princípio, meio e fim. “E foi muito difícil, sendo um tema tão vasto, com tantas possibilidades, e sendo eu uma pessoa que muda muito facilmente de ideais. Outro desafio também foi deixar informação de fora, e ter consciência de que posso não só sobrecarregar a peça mas também deparar-me com outros sítios que não se enquadram na narrativa do espetáculo. Além disso, tenho uma equipa muito generosa e muito talentosa comigo, que foi-me incentivando nos momentos certos. Do mais conciso ao mais divertido, acho que o espetáculo está, de momento, num espaço que me agrada muito,” diz Marco.

Sendo o primeiro espetáculo que alguma vez desenvolveu, a solo, Marco acha que este momento acaba por ser um culminar de emoções e experiências, levando ao fecho de um capítulo e também ao início de um novo. “Acho que é uma ótima maneira de passar de uma mente mais de ator/performer em projetos, para um lugar onde também posso arriscar-me mais e dar voz às minhas ideias.”

Numa sociedade em que muitos pensam que o teatro só pode unir com galhofa e romance, Marco relembra-nos do poder político, satírico e decolonial que o teatro contém nas artes. “Eu diria que [a frase favorita da peça] é uma parte da descrição de Blackface: ‘Blackface, cara preta, se a tradução for literal, ou racismo se a tradução for conceptual’.” Assim, Marco enfatiza a sua necessidade de explorar bastante os termos literais das coisas, enquanto também navega pelos termos conceptuais na sociedade.

Mesmo tendo em consideração a falta de espaço para pessoas não-brancas crescerem em setores como o das artes, em Portugal, estando o espetáculo a ser produzido pelo Alkantara, Marco afirma que não teve dificuldades nenhumas em erguer o projeto. Pelo contrário, sentiu que teve espaço suficiente para focar-se na área da performance, considerando o apoio que teve do início ao fim da organização do evento.

Sinto que se as oportunidades não chegam até nós, temos nós de criá-las e as plataformas também

Marco Mendonça

Em alinhamento com o caráter provocatório da sua peça, as suas inspirações não estão assim tão distantes. De Trevor Noah, a sua maior referência, a Bo Burnham e Whoopi Goldberg, Marco inspira-se de forma diferente a cada ano, consoante os seus projetos e o que está a fazer, pois existem diferentes referências que procura e carrega consigo. “No que toca especificamente ao blackface, diria que os ídolos do stand-up fizeram muita diferença porque o blackface tem uma enorme componente, meio de stand-up comedy, e inspirei-me bastante nisso para fazer o espetáculo.”

Num tom mais humorístico, mas igualmente realista, Marco garante que se lhe fosse dada uma varinha mágica, criaria uma indústria independente de audiovisual, com elencos inteiramente negros, em Portugal. E seria por uma simples razão: “sinto que se as oportunidades não chegam até nós, temos nós de criá-las e as plataformas também.”

Consequentemente, ao contemplar os seus sonhos para um futuro não tão distante, Marco relata que a sintonia entre mentes criativas e o poder de união são os seus maiores desejos para quando ‘crescer’. “Quero, acima de tudo, poder estar num lugar de decisão e de influência com um grupo de pessoas que tenham as mesmas ambições e propósitos e que eu consiga reciprocar também,” diz o ator. Pensar num coletivo é crucial para Marco e o ator percebeu isso desde muito cedo com o Blackface. Nos momentos em que estava sozinho, a escrever ou a pesquisar, bastou encontrar-se com uma pessoa da equipa, para perceber que podia isolar-se bastante num só caminho. “Fazer as coisas em comunidade e em diálogo é muito mais prazeroso e produtivo do que tentar procurar um lugar de liderança solitário”, concluiu.

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