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Neemias Queta: “Em Portugal sempre ouvimos que não era possível chegar à NBA”

Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan
Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan

Com os seus dois metros e 13 centímetros de altura, é difícil para Neemias Queta passar despercebido nas ruas estreitas de Alfama. Nem todos o reconhecem, claro, embora ele seja jogador da NBA — o primeiro basquetebolista português a chegar à grande liga norte-americana, o apogeu máximo da modalidade. Mas são várias as pessoas que o interpelam por causa da sua altura. “És demasiado alto para este bairro”, comenta uma turista, em tom de brincadeira, quando vê Queta em dificuldades quando passa uma carrinha numa rua com pouca largura. “Jogas basquete?”, pergunta um senhor, olhando para cima como se estivesse perante um arranha-céus. “Não, eu sou mais bowling”, responde Neemias, procurando manter-se discreto, tal como é seu apanágio. 

A verdade é que o nome Neemias Queta tornou-se numa referência para a grande maioria dos portugueses quando o basquetebolista, que hoje tem 23 anos, foi contratado pelos Sacramento Kings, tornando-se assim no primeiro atleta nacional a jogar na NBA. Esta foi a sua segunda época ao serviço da equipa californiana. Embora só tenha participado em cinco jogos nesta época (que, por sinal, foi de bastante sucesso para os Kings, que chegaram aos playoffs, o que também dificulta a entrada de jogadores novos na equipa), teve uma grande rodagem nos Stockton Kings, que acabam por funcionar como uma espécie de equipa B, que compete na G League. 

Nesta que é a segunda divisão da NBA, Neemias Queta destacou-se como um dos melhores da época. Fez 29 jogos, marcou 488 pontos e brilhou no All-Star Game da liga. Agora, encontra-se num impasse. De acordo com as regras da NBA, os contratos que permitem que os jogadores possam dividir-se entre a NBA e a G League só podem durar dois anos. Sendo assim, na próxima época Neemias Queta terá de estar em exclusivo no plantel dos Sacramento Kings ou, eventualmente, mudar de clube.

“Acho que o desafio principal este ano foi mesmo ter de liderar um bocado a equipa”, diz Neemias Queta à BANTUMEN. “Este ano tive mais responsabilidades e acho que foi mais depressa do que estava à espera. Mas correu bem, acho que consegui lidar bem com elas, com as expetativas que existiam. Demonstra um nível de confiança que os treinadores e os dirigentes têm sobre mim e, ao mesmo tempo, dá-me outro tipo de confiança. Estão a apostar em mim e isso permite-me poder jogar o meu jogo livremente.”

Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan
Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan

Quanto ao futuro, deixa um risonho “vamos ver” no ar. Afinal, está tudo em aberto. “Aquilo que gostava era poder jogar muito tempo este ano e poder ajudar a minha equipa, irmos aos playoffs. Temos um grupo muito jovem e ainda muito que aprender, mas estamos todos com a gana de podermos voltar aos playoffs e esperemos que seja em Sacramento, mas é uma questão de esperar para ver.”

Caracteriza estes dois anos na Califórnia como sendo de “progresso”. “Tenho evoluído bastante com a quantidade de tempo e trabalho que tenho feito. Os meus colegas têm sido muito bons para mim, têm-me ajudado a crescer dentro e fora de campo. Sinto que tenho sido um jogador mais completo, com menos dificuldades e limitações.”

E mostra-se satisfeito por ter tido mais tempo de jogo na G League, explicando que é preferível a passar tempo no banco na NBA. “É sempre bom para nós, jogadores jovens, termos minutos de jogo. Ainda não tinha muita experiência na liga, então mais valia jogar ali e ter o meu ritmo, evoluir e aprender com os meus próprios erros — do que aprender com os erros dos outros, estando só a ver. Sinto-me muito mais preparado assim para o que aí vem e espero que seja um grande futuro.”

Do Vale da Amoreira para a Califórnia

Filho de pais guineenses, Neemias Queta nasceu em Lisboa a 13 de julho de 1999. Cresceu no Vale da Amoreira, no concelho da Moita, na Margem Sul do Tejo, e iniciou-se no basquetebol aos 10 anos, muito por causa da sua altura, mas também pelo facto de a irmã mais velha já praticar a modalidade.

“Fui lá acompanhar um treino dela, havia pessoal do Barreirense, perguntaram se eu queria ir treinar. E eu: ‘bora. O meu primeiro treino foi de sandálias [risos].” Até esse momento, não jogava basquetebol. Aliás, o seu foco estava no desporto-rei em Portugal. “Tentava jogar futebol. Era um grande guarda-redes, era alto e tenho bons reflexos. E na altura ainda conseguia defender bolas baixas. Agora já é o meu ponto fraco [risos]. Também queria ser ponta de lança, mas o trabalho de pés é muito lixado, tenho uma grande pata, sou desastrado e ia-me perder todo.” Chegou a jogar no clube desportivo local, e continua a ir para o campo sempre que volta a Portugal. “Ainda jogo aqui nos verões, tenho estado a jogar com os rapazes. E agora que estou mais rijo não sei se não dava uma grande máquina [risos].”

Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan
Neemias Queta | 📷: BANTUMEN © /Cláudio Ivan

Quando começou a jogar basquetebol, não tinha qualquer ambição de ser profissional. “Nunca pensei que fosse ser jogador de basquete. Quando era puto, queria ir para médico, depois pensei em ser advogado, mas não era para mim.” Ainda assim, jogava sobretudo por “diversão”. Tanto que só bastante mais tarde é que foi convocado, por exemplo, para as seleções nacionais.

A NBA não lhe era algo próximo, nem tinha propriamente ídolos no basquetebol norte-americano. “Era muito tarde, nunca via os jogos. Só comecei a ver aos 15 ou 16 anos, e mesmo assim não via muito. Na maior parte das vezes via os highlights e quando havia jogos cedo tentava ver.”

Na altura do secundário, esteve um ano em Ciências mas rapidamente percebeu que queria trocar de curso. Acabou por fazer novamente o 10.º ano em Humanidades. E pouco tempo depois deu-se o momento decisivo, que acabaria por moldar a trajetória de Neemias Queta nos últimos anos.

“Aos 17 anos comecei a perceber, um dos meus treinadores disse-me logo: ‘tu tens 17 anos, este tamanho todo, mexes-te bem para a tua altura’, e deu-me o exemplo do Giannis [Antetokounmpo]… Comecei a acreditar. Trabalhei mais no verão, comecei a trabalhar mesmo. Antes nunca tinha ido às seleções, a partir daí fui logo. Apareceu o interesse das equipas universitárias, depois fui para o Benfica, as equipas universitárias ficaram ainda mais de olho em mim, fui para o Europeu e depois é que fui para a América. A partir do momento em que levei o basquete a sério, nunca pensei em mais nada.”

A adaptação à realidade norte-americana

Foi em 2018 que ganhou uma bolsa para ir jogar para a liga universitária de basquetebol nos EUA, para a equipa de Utah State. Foi um processo atribulado, porque Neemias Queta conciliava o 12.º ano com o Benfica (o que o fez ir estudar para Lisboa), e teve de fazer os exames em época especial. Acabou por ser um processo “lento e demorado”, teve de esperar pelo diploma e em poucos dias mudou completamente de vida, quando a universidade norte-americana já tinha ameaçado com a “remoção da bolsa” por causa dos atrasos. “Foi um processo muito complicado. Acho que nem consegui ficar contente em ir para lá. Foi chegar e começar logo a trabalhar e a ir às aulas. Foi um processo muito rápido, mas tinha lá o [português] Diogo [Brito], que foi muito bom para mim e facilitou-me imenso, e o pessoal lá acolheu-me de braços abertos.”

Neemias Queta diz que não foi assim tão difícil adaptar-se à realidade norte-americana, embora haja várias diferenças — desde o estilo de vida à comida. “Acho que a vida lá é mais rápida. O pessoal é todo mais individualista, focado em si próprio. Aqui almoçamos, ficamos uma hora, estamos aqui, e eles comem em 20 minutos e vão logo para o trabalho. O relaxamento deles é mais… é diferente. Nós temos as nossas pausas. Eles, quando é para dar, é dar tudo. E depois é que param, no fim do dia.”

Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan
Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan

Como tantos outros quando vão viver para fora, passou a valorizar mais algumas características do seu país. “Agora estou aqui de férias, a apreciar imenso o calor, a comida, que é o principal, e a maneira como se anda por estas ruas estreitas de Lisboa, é tudo muito bonito. Eu não pensava nisso porque vivi aqui a minha vida toda, mas agora que estou lá fora… Gosto deste tipo de cidades mais pequenas, mas que ainda assim têm muita vida.”

Na universidade, embora estivesse a conciliar as aulas com os jogos, era uma gestão mais simples porque havia uma série de condições e facilitismos para os atletas. Queta diz mesmo que o ensino secundário em Portugal foi bastante “mais difícil” do que a universidade nos EUA por isso mesmo. “No Benfica treinava imenso, era uma carga horária de treinos a que eu não estava habituado. Basicamente, estava a fazer aquilo que depois fiz na universidade, mas não tinha o mesmo tipo de apoio. O Benfica e a escola eram entidades completamente diferentes. Nos Estados Unidos eles facilitam muito mais para haver condições.”

No entanto, sentia-se bem a “profissionalização” do desporto. “Mesmo sendo um estudante, já era uma coisa muito a sério. Tinha de estar muito focado no trabalho do basquete.” E foi em 2021 que foi escolhido no draft para ir para a NBA, tornando-se jogador dos Sacramento Kings, mudando-se para a Califórnia e fazendo história no desporto em Portugal. 

A chegada à NBA

“Sempre foi o sonho para todos nós, jogadores de basquete: poder jogar na NBA. E sempre ouvimos que não era possível, que em Portugal havia um circuito pequeno, que não tínhamos capacidade para ir para lá. Nunca quis acreditar nisso e trabalhei para poder chegar lá. Fiz história e quero que toda a gente saiba que não é por dizerem que não vais lá que não vai acontecer. Podes ouvir, percebes o que eles querem dizer, mas continuas o teu trabalho e depois logo se vê.”

Apesar de tudo aquilo que já conhecia da NBA, as suas expetativas ainda foram “superadas” em relação às “condições” de trabalho. “Quando cheguei à NBA aquilo foi mesmo levar as coisas para outro nível. Em termos de profissionalismo, a maneira como tens tudo à tua disposição para seres o melhor jogador possível, para que sejas a tua melhor versão possível enquanto jogador. Tenho vindo a evoluir bastante e na NBA não tenho a questão da escola, posso só focar-me no basquete. É mais profissional e é tudo muito maior, há mais pessoas interessadas no basquetebol, tens de trabalhar todos os dias.”

Além de chegar à NBA, mudou-se para a Califórnia, um “estado mais liberal”, com “mais diversidade e turistas”, em relação ao “conservador e interior” Utah. “Há mais variedade em termos de comida, em tudo. É mais parecido com Portugal, também tem muito calor.”

Neemias Queta diz que aquilo em que sente mais diferença é a sua “forma física”. “Desde que cheguei lá, tenho estado sempre a evoluir nesse aspeto, e no estilo de jogo também. Estou a limpar todas as lacunas do meu jogo. Quanto mais versátil fores, melhor para ti é”, diz, realçando que os jogadores mais experientes também desempenham um papel importante na sua evolução. 

“Sempre foi uma das características da NBA. Quando estás na fase mais velha da tua carreira, consegues passar informação aos mais novos e eu, sendo mais novo, tento sempre aprender com os mais velhos. Temos alguns veteranos muito bons na nossa equipa, que me ajudam imenso”, diz, apontando nomes como Alex Len, Harrison Barnes e Richaun Holmes. Na NBA defrontou e conheceu jogadores importantes, alguns dos quais são autênticas lendas da modalidade, como LeBron James. Mas Queta não valoriza muito esses encontros, até porque nunca teve ídolos no basquetebol. “No campo tenho de ver todos como iguais.”

O poste português admite ter as suas “manias e superstições” para se preparar para os jogos. “Por exemplo, tento sempre de beber um café antes, no dia do jogo. Antes tenho de dormir uma sesta, tipo uma hora e meia, mas depende como foi a noite anterior, se dormi muito ou não. Ou se o jogo é na zona este ou oeste, as mudanças horárias, isso também influencia.” E ouve música antes dos jogos, ainda que não exista uma playlist específica. “Oiço de tudo antes dos jogos. Posso estar a ouvir Mariah Carey ou T-Rex, Plutonio, amanhã estou a ouvir americanos… E nem precisa de ser muito hyped nem lento, é o que estiver a dar. Se estiver a gostar, vou ouvir.” 

Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan
Neemias Queta | 📷: ©BANTUMEN/Cláudio Ivan

O reconhecimento e a exposição

A partir do momento em que se tornou no primeiro português a jogar na NBA, Neemias Queta deixou de ser alguém conhecido num circuito mais restrito ligado ao basquetebol e tornou-se num nome reconhecido a nível nacional. 

“Senti uma grande diferença. Quando estava na universidade e vinha cá nos verões, eu nunca passo despercebido por causa da altura mas ainda conseguia. Ia a centros comerciais sem grandes coisas, mas agora está complicado. Não costumo sair muito, quando é para sair vou com uns amigos… Sou mais discreto, gosto de ficar na minha e com os meus”, explica.

O seu protagonismo tem-se refletido em campanhas publicitárias, no mural com o seu rosto que foi pintado no Vale da Amoreira ou em músicas que referem o seu nome. “É sempre fixe. Todos nós atletas queremos esse tipo de reconhecimento, mas o meu ganha-pão sempre foi o basquete, não quero virar-me para outras coisas. Mas gosto de ver o meu nome noutro tipo de iniciativas, seja no rap, na pintura… É sempre bom reconhecerem o teu trabalho.”

Perguntamos-lhe também como é que a sua família tem lidado com o seu sucesso. “Acho que eles estão muito orgulhosos. É difícil para eles irem lá ver, visitarem, com a distância. E mesmo ver jogos, como todos aqui, é muito tarde… Mas fazem um esforço, tentam acompanhar, e dão todo o apoio de que preciso.”

Acho que ao chegar à NBA consegui abrir portas no mundo da NBA para Portugal, tal como para a NBA cá em Portugal. Foi nos dois sentidos: os americanos da NBA começaram a conhecer um bocadinho melhor Portugal, fazem perguntas e estão mais curiosos; e aqui há mais pessoas a querer ver NBA, há muita gente a querer seguir os Kings por eu jogar lá. E é excelente porque estás a diversificar a matriz padrão em Portugal, estás a fugir um bocado da regra e isso é bom para o pessoal ver um desporto diferente… E o basquete é um dos desportos mais universais que existem. Portugal estava muito atrasado nesse aspeto”, defende.

Neemias Queta assume que tenta ser “um exemplo” para muitos outros que têm o mesmo sonho. “Acho que a partir do momento em que consegui chegar lá, muita gente tirou este estigma ou maldição que havia, tiraram isso da cabeça e estamos a mudar o mindset para o tornar mais positivo, claramente. E só tenho de ser eu mesmo. Sei que não sou perfeito, mas a partir do momento em que faço isso, tento ser a pessoa mais honesta e simples que há, servir de exemplo, espero que gostem e que possa fazer alguém feliz.”

O que costuma ele dizer aos mais novos, quando lhe pedem conselhos? “Costumo dizer-lhes que, na maior parte das vezes, o stress que tens a pensar em certas coisas não é assim tão importante. Passa um, dois anos, e aquele stress com que te estavas a preocupar já não quer dizer nada. E ao mesmo tempo gosto de dizer aos miúdos aquela cena do grind, de teres que trabalhar todos os dias, porque, se não estás a trabalhar hoje, há alguém que está a trabalhar mais do que tu e há-de estar a subir na escada.”

Por agora, Neemias Queta está a aproveitar as férias de verão (e de final de primavera), embora continue sempre a treinar, em várias instalações na zona da Grande Lisboa. “E às vezes jogo cinco para cinco com os rapazes lá da Margem. Jogaram contra mim a vida inteira. Se calhar estou mais rijo, mas não se nota muito a diferença. Estamos todos ali a evoluir, todos no grind, é sempre giro de se ver. Ainda por cima nesta altura do verão o pessoal quer trabalhar muito.”

Em julho e agosto, adianta que vai receber alguns dos seus colegas de equipa em Lisboa, para lhes mostrar os “restaurantes” e o que devem conhecer na capital portuguesa. “Vou à cidade deles e eles fazem o mesmo, tem de ser [risos].” Quanto ao futuro, numa fase posterior da carreira, vê-se a manter-se ligado ao basquetebol — mas não enquanto treinador. “Aquilo que acho que poderei vir a fazer está relacionado com o basquete, que é ser comentador. Como treinador não me vejo. Os treinadores são os que mais tempo passam lá… Tens de estar sempre a bater o crânio, a gerir egos, é muito complicado.”

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