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Resiliente N’Zau prepara-se para a liberdade e novos lançamentos

N'Zau

N’Zau, rapper angolano, está há mais de uma década atrás das grades em Inglaterra. Apesar das adversidades, o artista encontrou uma maneira de continuar a criar música e transmitir a sua arte por meio da Fogo Automatiko Records, com a ajuda do seu advogado.

Desde dezembro de 2021 que acompanhamos os seus passos aqui na BANTUMEN e, agora, com um álbum prestes a ser lançado, N’Zau partilhou connosco as suas perspetivas sobre a música, a liberdade iminente e o que projeta para a vida após a prisão.

Influenciado por uma cultura musical rica dos Estados Unidos da América, sobretudo da velha guarda, N’Zau destaca-se por conseguir dar continuidade à sua arte apesar da falta de liberdade. A maioria de rappers detidos aproveita para continuar a escrever enquanto detido e só após libertação é que entra em estúdio para materializar o que escreveu. Já N’Zau, até agora, lançou 25 músicas.

O rapper orgulha-se da sua produção constante. Questionado sobre as consequências, eventualmente negativas, da exposição que a atividade musical lhe proporciona dentro do sistema prisional, o artista responde que, do ponto de vista das autoridades, o mais importante é a sua reabilitação.

N'Zau

Judicialmente, o que eles estão interessados em saber é se eu fui reabilitado, ou não. Então, quando eles se sentam e decidem se me vão dar a minha liberdade ou não, por exemplo, o que eles estão interessados em saber é quais as chances desse gajo cometer outra vez um crime violento quando sair. A resposta a essa pergunta é que decide se eles vão me dar a liberdade condicional ou não. Para eles notarem quais as chances de eu voltar a cometer um crime violento quando sair, eles têm que analisar o meu cadastro em termos de violência na prisão e eu tenho um cadastro extremamente limpo. Eu comecei a minha sentença numa prisão de categoria A e agora já estou numa prisão de categoria C. Algo que não seria possível se eu não tivesse seguido os cursos de reabilitação e as instruções que foram dadas.”

N’Zau acredita que a música também desempenha um papel importante na sua reabilitação, sendo também uma possível fonte de rendimento depois da sua soltura.

Falando sobre planos para o futuro, N’Zau destaca a importância de se reunir com a família, especialmente a mãe, após tantos anos de separação. A prioridade é voltar para Angola e reconectar-se com as suas raízes. “Tive muito tempo para pensar no que quero fazer quando chegar a Angola. O mais importante para mim é reunir-me com a minha família de novo. Principalmente a minha mãe. São muitos anos de ausência. Essa é a minha prioridade. Até porque [regressar a Angola] é o desejo do governo britânico. Eles querem que eu saia da cadeia diretamente para o aeroporto”, explicou à BANTUMEN.

Quando a oportunidade veio eu estava pronto

N’Zau

Embora a perspetiva de retornar a um país com desafios significativos o preocupe – sobretudo porque o país que N’Zau deixou para trás não é hoje o mesmo em todos os espectros sociais – está determinado a adaptar-se e a enfrentar qualquer obstáculo, como sempre fez.

De sublinhar que, no ano passado, o artista perdeu o pai, Miguel Maria N’Zau Puna, reconhecido nacionalista durante o período das lutas pela independência e embaixador de Angola no Canadá. “É impossível explicar em palavras como me senti em relação ao meu pai. O meu pai era o meu herói. O cota já não estava muito bem de saúde. Estava a batalhar. Há muitas coisas que, se tivesse oportunidade, faria diferente. Trouxe muitos problemas à minha família. Muitas dores de cabeça. Se tivesse a chance de fazer as coisas de uma maneira diferente, faria. É algo que já sentia antes do meu pai falecer. Mesmo antes do meu pai, já perdi muita gente. Perdi amigos, família, e para mim essa é a parte dura de cumprir uma sentença. No dia a dia, estar sentado numa cela, 22 horas por dia, é algo que já não me afeta. Depois de tanto tempo, já não me afeta. O que me afeta é quando recebo uma notícia de alguém que morreu ou que está doente”, lamentou N’Zau.

N'Zau
Imagem Divulgação

No que diz respeito ao álbum, o artista reflete sobre o desenvolvimento das suas habilidades líricas e melódicas. Reconhece que a métrica melhorou e que a lírica está mais perceptível. “Musicalmente, felizmente, tenho acesso a tudo o que se passa. Estou a falar mais de rap americano e inglês. Já o rap PALOP é mais difícil. Mesmo assim estou a par. Tenho aqui as ferramentas necessárias para acompanhar (risos). Em termos de prática, nunca parei de praticar porque, no fim do dia, também é uma forma de terapia para mim. Mas não podemos esquecer que nos primeiros oito ou nove anos da minha sentença não gravei música nenhuma. E não pensei que viria a gravar, porque as condições naquele tempo eram diferentes. Numa prisão de categoria máxima era impossível gravar. Foi a partir de 2016 que um gajo começou a ter acesso a essas fezadas. Mas nunca parei de praticar, de escrever música. Nunca parei de estar interessado na arte. Então, quando a oportunidade veio eu estava pronto.”

Durante a entrevista, que aconteceu ao telefone, N’Zau falou-nos também sobre como ele e os rappers da sua geração olham para as novas sonoridades do hip hop e como estas conquistaram as massas. Na sua perspetiva pessoal, “um verdadeiro MC deve ser capaz de se adaptar a diferentes instrumentais e estilos”. É exatamente por isso que no EP Dinheiro para Advogados Clássicos da Cela Pt 2 ouvimos tanto boom bap como sonoridades mais trap ou drill. “Quis mostrar uma certa versatilidade. Quis mostrar que vim da era do Boom bap mas consigo fazer uma música como as “100 Munições” ou agora como a “Memórias”. E ainda temos mais cenas novas desse género que estão a caminho”, confirmou.

Ainda sobre o futuro, há a possibilidade virmos a ouvir N’Zau “cuspir” em inglês. “Tenho um caderno cheio de líricas em inglês. Já escrevo em inglês há muito tempo. Só que, a minha paixão de raspar sempre foi em português porque as pessoas que me inspiraram a escrever e a fazer música são pessoas que cantavam em português mas, no futuro, de certeza absoluta, vou surpreender as pessoas. O Nigga Zau não desperdiça nada”, assevera.

Há também um livro biográfico na calha e que já começou a escrever. Projetado inicialmente para ser lançado ao mesmo tempo que o último EP, a obra é inspirada na forma como arriscou começar a gravar as músicas na cadeia. “O que me fez escrever o livro é esse evento de como é que consegui gravar músicas na prisão… Aí posso dar mais detalhes sobre como foi e os riscos que corri. O plano era lançar logo depois do EP mas as coisas mudaram ligeiramente. Quando estabelecemos esse plano eu não estava nessa cadeia em que estou agora. Então, devido a essa transferência, tivemos que mudar as coisas”. Assim, é provável que a biografia possa ser editada pouco depois de voltar a ganhar a liberdade.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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