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Quando chove, quem mantém a cidade à tona?

Com a chegada do mau tempo, chega também uma nova leva de inconveniências, perigos e táticas de sobrevivência.

As modificações que as mudanças de estação do ano impõem ao nosso dia-a-dia não são novidade, mas o mau tempo traz mais desafios para uns do que para outros, especialmente, nos tempos que correm.

Gostava que o “microfone” desse a ouvir perspetivas que a sociedade tanto abafa.

Iniciámos a primeira de várias épocas de intensa chuva, mau tempo, vento forte entre outros fenómenos meteorológicos. Cada vez mais ocupamos o nosso tempo com conversas, debates e ações à volta de fenómenos climáticos de grande intensidade provocados pelas alterações climáticas. Estas conversas têm gerado algumas medidas (e muita conversa que não vai dar a lado nenhum) de modo a proteger a população dos eventos climáticos extremos.

Todo este pensar e agir faz-me questionar sobre dois pontos: a população que cria e manda executa estas medidas e aqueles que são mais afetados por extremos meteorológicos mas que, muitas vezes, as medidas não são feitas a pensar nestes.

Do que falo?

Dos trabalhadores que constroem os novos projetos arquitetónicos (faça chuva, faça sol) com uma consciência ambiental/mudanças climáticas, que na sua maioria nunca poderão viver, desfrutar, nem comprar esses espaços.

Falo daqueles que reparam e mantêm em funcionamento as estradas, as vias e os próprios transportes públicos e privados. Mas falo também daquelas que saem de madrugada de casa para limpar casas onde outros ficam a trabalhar em tele-trabalho e os edifícios onde outros tomam decisões sem as incluir na equação.

Trabalhos que obrigam a apanhar um, dois, três, quatro transportes e, muitas vezes, percorrem ainda quilómetros a pé para preparar o acordar agradável de um país.

E, claro, falo também daqueles que independentemente das condições climatéricas, têm que recolher o lixo, têm que ser babás e ir buscar as crianças à escola, colher as frutas e vegetais por terrenos agrícolas onde os apoiantes do “volta para a tua terra” se recusam a trabalhar e receber salários precários (romantizo a palavra precário) com o seu estatuto autoritário.

Aqueles que distribuem, preparam e servem as quentes refeições dos queridos brunchs, que ficam a limpar e servir os eventos de team building e influencers conscientes, os moto-boys na correria da entrega de conforto, entre tantas outras profissões que carregam um (para muitos) invisível desconforto.

Se pensarmos bem, sabemos que falo daqueles que mantêm o país a funcionar, mas a função do país que devia protegê-los e os seus direitos tem memória seletiva.

Uma memória seletiva que tem o seu maior impacto negativo neste grupo de pessoas, trabalhadores muitas vezes racializados, de classe operária, migrantes, no desespero de se legalizar, no desespero para trabalhar.

Pergunto-me se todas estas medidas ecológicas, todas estas medidas ambientais, consciencializadas que vemos anunciados mupi sim, moto não… as que vêm colmatar os efeitos do aquecimento global e as suas calamidades , estas medidas algum dia terão intenção de colmatar os efeitos elitistas, colonialistas e capitalistas?

Até quando a preocupação urbana vai acabar onde os bairros brancos de classe média alta terminam? Para quando melhorias nos transportes? No acesso à habitação? Nas condições das infra-estruturas das periferias? Das vilas? E aldeias? Entre ilhas e das ilhas ao continente? Na segurança social invés do policiamento segregacional?

Numa altura em que temos uma capital esburacada para melhorar a qualidade de vida de uma parte da população, espero que esteja aqui uma oportunidade para começar a preencher os buracos com reparações e medidas equitivas para todes que, geração após geração, há tantos séculos, servem este país.

Que chegue rápido o momento em que a sociedade deixa de usufruir de uma parte da população como máquina e passar a co-existir humanamente. Até lá, parece-me que continuamos numa época de meias soluções, criando um limbo climatérico e humanitário. Algo histórico num ocidente que se diz tão evoluído é instruído.

Relembramos-te que podes ouvir os nossos podcasts através da Apple Podcasts e Spotify e as entrevistas vídeo estão disponíveis no nosso canal de YouTube.

Para sugerir correções ou assuntos que gostarias de ler, ver ou ouvir na BANTUMEN, envia-nos um email para [email protected].

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