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Além do Amor e do Hip Hop, a jornada de Tássia Reis rumo à autenticidade

Tássia Reis | DR
Tássia Reis | DR

“Além do amor que tenho por esta nova página da minha vida, também reconheço o amor e carinho que tenho por esta versão tão leve de mim que balança aprofundadamente entre as complexidades da vida, consegue alcançar os seus objetivos e carinhosamente abrange os sonhos da Tássia criança, muito além do seu instinto receoso”, explica-nos a artista, enquanto contempla verdadeiramente quem ela é hoje. Do YouTube ao Spotify, a palcos internacionais com bilhetes esgotados, a rapper brasileira Tássia Reis já tem o Hip Hop na palma da sua mão há dez anos.

Atualmente, aos 33 anos, com a sua habilidade de fluir naturalmente entre o liricismo, as suas experiências e os seus sentimentos, Tássia domina a cena musical brasileira como uma das vozes mais relevantes no âmbito artístico, político e feminino.

Ao falar sobre o quão importante o Hip Hop significa para si, Tássia descreve o movimento de forma simples mas certeira: “Eu escolheria a cultura primeiramente. É muito mais que um movimento e um estilo músical. É um estilo de vida mas também uma escola artística e política que me proporcionou uma visão diferente do mundo, especialmente devido às artes, a dança, a música e o graffiti. No entanto, também devo muito ao conhecimento em si, como um dos cinco pilares do Hip Hop. Como uma adolescente, tendo contacto com esta fonte de saber e numa fase tão curiosa da minha vida, eu emergi na vida já com uma perspetiva de vivência global e daí ter mencionado cultura. O saber e o poder do Hip Hop dão-nos um senso de que engolimos o mundo a cada interação ou trago.”

Tássia identifica-se como uma artista antes de tudo e não porque trabalha com arte mas porque a sua alma vibra arte e isso é o elixir da vida para ela. “Eu continuo a reinventar-me porque esta jornada de auto-conhecimento, em que todos nós embarcamos, é óptima mas também muito complexa”, disse-nos. “Exemplificando, eu acabei de vir dum processo profundo e complexo em relação à minha saúde. Estive doente no início do ano e vi-me numa situação grave. E mesmo tendo levado o cenário inteiro com muita leveza, foi necessário repensar nas estruturas da minha vida e entender que às vezes é crucial ultrapassarmos certos episódios também. Por isso, isto acaba por ser mais uma oportunidade para rescrever quem sou e o meu caminho; e tem sido óptimo experienciar esta nova chance na vida.”

Em relação à sua criatividade e como ela nutre o seu talento, Tássia ilustra que para que ela possa nutrir a sua criatividade é essencial existir tempo. “Tempo para que possamos processar as coisas, tempo para recordar, interpretar e analisar as nossas experiências e tempo que pertence somente a nós mesmos, dando-nos assim um incentivo para que as nossas fontes artísticas e internas possam fluir naturalmente. Tenho também como fonte de inspiração a vida e as experiências que emergem devido a ela. Estas mesmas experiências levam à escrita e ao liricismo porque são uma reflexão dos meus pensamentos mais íntimos e de como eu digero a angústia levantada muitas vezes pelo mundo”. Ainda assim, a rapper menciona que consumir formas diferentes de arte também a empurra adiante. “Do prazer da música às bençãos visuais duma exposição, poder conectar-me com outros artistas e com os sentimentos que eles transmitem através da sua arte, inerentemente alimenta a minha criatividade.”

Através dos anos, Tássia tem sido aplaudida e conhecida pelo seu visual fora do padrão, mas igualmente como alguém fortemente consolidada no mercado musical, as suas letras e originalidade têm transcedido as cores vivas e exuberantes que a rapper tanto ama e levantado muita poeira. “No meu primeiro EP, “Tássia Reis”, fiquei com a impressão que as pessoas não me ouviam verdadeiramente porque ficavam presas nas melodias e não no pilar que neste caso é o liricismo. Então, isto levou a uma deslocação no meu segundo trabalho em que dei um maior foco na letra, através duma abordagem mais directa e menos subjetiva”, expõe. Todavia, com “Pode Me Perdoar”, que propositadamente foi produzida com o intuito de realçar um diálogo dum corpo para outro, Tássia conta que ela se referia ao seu próprio corpo e à quantidade de vezes em que foi menos carinhosa consigo mesma ou quando quase se afundou em auto-sabotagem. “A obra consiste no poder do perdão e das segundas chances que muitos de nós pedimos aos nossos corpos quando sentimos que falhámos ou errámos.

Depois temos obras como “Se Avexe Não” com que o público se identifica imenso. O público viveu e experienciou o mesmo que eu. Embora vários pensem que a canção reflete as experiências duma relação abusiva, a canção acolheu-me quando me encontrava de luto, a examinar a vida duma maneira nova e a analisar o que é genuinamente a saúde mental”.

Como muitos outros artistas que têm levado a sua saúde mental mais em consideração, desde a pandemia, Tássia tambem se encontrou num limbo em relação à sua saúde e como soluções para o nosso bem-estar são mais valiosas que os nossos problemas. “Eu acho que não existe ninguém neste mundo que não sofra com um pouco de ansiedade, porque, a bem ou a mal, ela é a doença do milênio. Porém, no palco, para mim, ansiedade não existe. É o espaço em que me sinto mais livre e mesmo estando ansiosa antes de subir ao palco, assim que ponho os pés ali e atravesso o palco, é como se fosse um portal energético; a vibração e a concentração do momento e do lugar puxam-me para o público, apagando assim qualquer dúvida de que eu não pertenço àquele palco”, relata. “No início da pandemia, comecei a fazer terapia porque a vida estava muito pesada, a nível físico principalmente; já vão três anos e eu amo esta página, mesmo sendo inexplicavelmente difícil de lidar ou surpreendentemente um puxão para uma vida mais tranquila. Apesar de ter utilizado a escrita como um modo de expressão minucioso estes anos todos, aprender a comunicar e abrir-me mais com os outros verbalmente, tornou-se uma bênção e um passo enorme fora da minha zona de conforto devido à terapia. Hoje, ambas as técnicas de cicatrização emocional são perfeitas para uma melhor versão de mim”.

Tu deves entender a importância de distinguir a tua carreira e tua vida pessoal“. Palavras de sabedoria que foram partilhadas por Tássia numa entrevista anterior. E ao reflectir candidamente como é que ela administra os altos e baixos que acompanham a sua carreira sem que isso a consuma, Tássia esclarece: “Não tem como fazê-lo e ao mencionar isto anteriormente foi com o intuito de realçar a falta de balanço na vida dum artista. Eu não dividia vida e carreira; tinha apenas uma carreira. Mesmo vivendo, a prioridade era sempre a carreira. Mas após a pandemia, a carreira parou e foi aí que me perguntei o que seria de mim. Se eu parasse de exercer o meu ofício agora, será que eu não seria mais uma pessoa? Será que o meu valor e a minha identidade terminariam ali com a minha carreira?”, pondera com uma olhar soturno.

“E devido à crueldade deste processo, decidi analisar melhor todo esse sistema capitalista que equivale o nosso valor com o nosso suor laboral e o quanto damos de nós mesmos à pressão e expetativas sociais. Tive de fazer uma retrospectiva e entender que posso ter uma vida pessoal e uma carreira mas não consigo ter uma carreira sem a minha vida. Na mesma nota, quem faz as canções e o sucesso ser o que é, é a Tássia. E viver como se os caminhos não estivessem entrelaçados seria uma falha muito grave. Por isso, há que haver um equilíbrio”, afirma.

Devido ao seu pragmatismo, existem vários temas em que Tássia tende a não matutar. E enquanto considerava quem seriam os artistas com quem adoraria partilhar um microfone ou um palco, uma timidez e dúvida inesperadas tomam conta da artista. “Por ser uma pessoa tão prática existem coisas que eu tento não pensar muito e isso é uma delas. No entanto, esta lista variada consistiria em Alcione, Djavan, Little Simz, C. Tangana e muitos mais. Em relação a Portugal, apesar de não ter uma compreensão expandida do sector de Hip Hop no feminino, gostaria imenso de explorar e ver todo o talento que o outro lado do Atlântico tem também.”

o meu medo não é frustração ou não conseguir, mas sim não tentar ou viver numa nuvem de ‘e se

Tássia Reis

No que diz respeito às maiores influências da sua vida e os baloiços que a elevaram para esta jornada, Tássia diz: “Não acredito que exista somente uma pessoa, as fontes de inspiração são muitas mas caindo no clichê, a minha mãe é um enorme ponto de referência. Ela é uma artista de alma e exibe isso na sua maneira de ser, especialmente através da sua “vaidade” e dedicação para com a estética. Além disso, existe o meu pai, que é outro pilar de orgulho e que moldou muito da minha personalidade também. Ter ambos perto de mim teve um impacto enorme em como eu me identifico. Eu cresci num ambiente em que tive a possibilidade de ser quem eu quis. De calças roxas e brilhantes num dia de escola a mil e uma carreiras que eu idealizei, os meus pais sempre estabeleceram que eu poderia ser tudo na vida e que eu tinha que acreditar em mim mesma e no meu potencial, a todo o custo”, partilha. Porém, mesmo tendo a noção de que a sociedade poderia limitá-la em muitos aspetos da sua vida, a artista recusou-se a imaginar que os seus pais a tinham iludido ou desenhado um conto de fadas ao seu redor. “Então, sou muito grata porque eles manifestaram o melhor e eu sigo esse caminho de cabeça erguida e crente que tudo vai dar certo, muito além dos padrões sociais. Atualmente, os meus pais hesitam, preocupados, em relação a certas decisões profissionais que eu tomo, como por exemplo o facto de eu ser uma artista independente, e aí eu lembro-lhes que o meu medo não é frustração ou não conseguir, mas sim não tentar ou viver numa nuvem de ‘e se’.”.

No geral, por mais brilhantes que sejam, dez anos de experiência nunca poderiam ser encaixados apenas em álbuns ou EPs porque as experiências transcendem o palco, os bastidores e muito mais, deixando marcas na nossa alma.

Consequentemente Tássia pontifica e partilha entusiasmada que o conselho mais valioso para os seus fãs que desejam mergulhar no mundo do hip-hop, especialmente meninas negras, consiste em seguir a sua intuição e ouvir o nosso coração “porque às vezes parece ser mais fácil seguir uma tendência ou um fluxo que não se alinha com os nossos objetivos. Então há que nos focarmos mais no legado sólido em vez de algo efêmero e potencialmente sem estabilidade. Em adição, eu gostaria de realçar algo que a Erykah Badu me disse no início da minha carreira, “sê honesta”, porque honestidade pode levar-nos muito longe; não só com os outros mas até mesmo connosco”.

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