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Isto é Portugal

Portugal
Foto: Priscilla Du Preez

Há dias, aconteceu um jantar tertúlia no Cícero Bistrot, em Lisboa. O evento deveria ter sido um jantar-debate sobre gastronomia e arte contra o racismo, com o objetivo de fazer os presentes refletirem sobre essa questão social, enquanto apreciávamos um bom vinho e aguardávamos a famosa paella viniciana. Com o livro O Homem que via no escuro, de Catarina Reis, e editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos em fevereiro de 2023, como âncora, o encontro acabou por ser apenas um debate superficial onde se questionaram as vivências, o quotidiano e posicionamento da população negra em Portugal.

“Será que Portugal é um país atrasado?”; “Será que o racismo em Portugal é estrutural?” E se sim, “será que está relacionado com a situação socioeconómica da maioria da população negra?” Essas foram algumas das perguntas pertinentes levantadas durante o jantar, enquanto esperávamos pelo prato principal.

Bem, contrariando o que a maioria dos portugueses pensa, Portugal é, sim, um país atrasado. Estamos a falar de um país que se orgulha dos “descobrimentos” [que, recorde-se, deram aso a genocídios e ao maior sistema de tráfico de seres humanos de que a história da humanidade tem registo] e que até hoje acredita que, sem a sua “ajuda”, o Brasil ainda seria uma terra de indígenas sem civilização. Estamos a falar de um país onde, em pleno 2023, é difícil ver pessoas negras na televisão nacional, a não ser quando o assunto é música, desporto ou racismo. Estamos a falar de um Portugal em que, apesar do talento existente, é raro ver atores negros em novelas no horário nobre, e os poucos que têm a oportunidade interpretam sempre os mesmos papéis. Estamos a falar de um país que, em 2020, quando teve o seu primeiro pivô negro, na SIC Notícias, questionou o seu profissionalismo devido à sua aparência.

Estamos a falar de um Portugal que se autointitula aberto e acolhedor, mas que, em 2019, e durante todo o seu mandato, ridicularizou uma deputada negra e relevou campanhas de desinformação e de ódio a seu respeito. Estamos a falar de um país onde milhares de imigrantes sofrem diariamente ataques xenófobos e racistas por parte dos nativos.

Portanto, sim, eu acredito que podemos considerar Portugal como um país estruturalmente racista, desde a camada mais alta até à mais baixa da sociedade.

A questão económica é sim uma fator importante, considerando a conjuntura atual do país, mas é sobretudo uma consequência consciente e manipulada pelo sistema.

Um jovem negro português ou africano, filho de pais imigrantes, ingressar no ensino superior é um desafio, mas concluir o curso e encontrar um trabalho digno é um desafio ainda maior. À falta de emprego, acrescem todas as questões cromáticas, identitárias e culturais. “Será que devo colocar o meu nome completo no currículo para não ser discriminado?” ou “será que não deveria incluir a minha foto no currículo para evitar ser excluído por causa da minha cor?”

Essa é a realidade diária de uma pessoa negra em Portugal. Apesar de o desejo de muitos, de esquecermos o passado colonial e da escravatura, é muito difícil fazê-lo quando o racismo é visível e palpável em pleno 2023.

Há apenas dois anos tivemos a primeira condenação de um crime motivado por ódio racial. Devemos celebrar esse marco? Sim, pois a família de Candé obteve justiça, mas para quantos outros casos semelhantes não houve Justiça? É difícil esquecer o passado e seguir em frente quando o tom de pele dita desumanização.

Infelizmente, os nossos líderes e a própria sociedade não terão esta percepção até que mudem as suas mentalidades retrógradas, deixem de se ver como white saviours, estanquem a inferiorização, parem de tirar o nosso lugar de fala e diminuir as nossas experiências. Sim, surpreendentemente, muitos concordam que o lugar de fala da experiência negra não está relacionado com quem vive na pele esta problemática social mas sim com quem nutre paixão pela causa. Empatia não é estar no lugar do outro. É reconhecer o lugar do outro.

É triste ver que Portugal, um país com tanto potencial e diversidade cultural, ainda é apenas mais um país racista que promove debates sobre o racismo com apenas cinco pessoas negras à mesa.

Isto, ainda, é Portugal.

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